No MT, polos da soja estão entre os que mais têm propriedades em Terras Indígenas

Estado tem 962 imóveis registrados em sobreposição a TIs; em hectares, UF só perde para o Amazonas; 31 municípios têm mais de 35 mil hectares sobrepostos

Por Alceu Luís Castilho, no De Olho nos Ruralistas

A soja invade as Terras Indígenas. Essa é a síntese do que acontece no Mato Grosso, um estado do tamanho da Venezuela, conforme os dados apresentados pelos proprietários de terra no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Entre 31 municípios com mais de 35 mil hectares sobrepostos com TIs, quase todos são produtores de soja. O grão disputa espaço com o território de etnias em regiões como o Parque do Xingu.

Mato Grosso só perde para o Amazonas em quantidade de hectares, no caso das áreas sobrepostas com TIs. São 3,3 milhões de hectares sobrepostos, em um estado com 90 milhões de hectares. Isso ocorre em 962 imóveis – menos imóveis que em Rondônia (1.169) e no Pará (1.214). Mas é o estado onde a sobreposição está distribuída em mais municípios.

Confira a lista feita pelo De Olho nos Ruralistas, a partir dos dados do CAR, atualizados em dezembro pelo governo federal e disponíveis na internet:

Além da soja, os indígenas sofrem com extração de madeira, garimpeiros e pecuaristas. E é recíproco: em Apiacás, município que lidera a lista de sobreposições, sojeiros, madeireiros e pecuaristas incomodam-se com a reserva indígena Kayabi. Em 2013 eles fizeram um protesto contra a ampliação da reserva, de 117 mil hectares para 1,05 milhão de hectares, entre Apiacás e Jacareacanga. O ato foi chamado de Grito do Apiacás e referendado por líderes da bancada ruralista, como o atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).

SÉRIE MOSTRA O ‘PAÍS PARALELO’ DO CAR

Apiacás, Comodoro e Paranatinga estão entre os dez municípios no Brasil com mais sobreposição de propriedades rurais com Terras Indígenas, como mostrou ontem o observatório: “Dez municípios na Amazônia concentram metade das ‘propriedades’ em Terras Indígenas“. A série Um País Fictício começou na quarta-feira (28/06), com esta reportagem: “Proprietários rurais declaram 15 milhões de hectares em Terras Indígenas e Unidades de Conservação“.

Em 5º lugar na lista de sobreposições, Campo Novo do Parecis é o quarto município brasileiro com maior renda agrícola do Brasil. A região se tornou famosa no início da semana, depois que um avião carregado de cocaína foi apreendido em Goiás. O piloto contou inicialmente – depois disse que mentiu – que o bimotor tinha decolado de um dos 11 aeródromos da Fazenda Itamarati do Norte, pertencente ao grupo André Maggi, da família do ministro da Agricultura, Blairo Maggi.

Outro município onde a família do ministro produz grãos é Sapezal. Ele aparece em 3º lugar na lista brasileiras dos maiores produtores de soja. E em 13º na lista de sobreposições com Terras Indígenas. Querência está em 15º lugar na lista de municípios produtores. E em 11º lugar entre aqueles que têm propriedades em TIs.

O grupo André Maggi tem armazéns também em Brasnorte (6º lugar na lista de sobreposições), Campos de Júlio (12º lugar) e Santo Antônio do Leverger (23º lugar, com 42.963 hectares em TIs). Mas os dados do CAR não informam quais os proprietários que declararam terras sobrepostas – cruzamos esses dados para mostrar o quanto a disputa territorial está próxima dos círculos do poder.

INDÍGENAS NA LINHA DE FOGO

Em janeiro de 2016 o povo Kanela do Araguaia relatou invasão de acampamentos indígenas por pistoleiros ligados a fazendas da região de Luciara. O município matogrossense tem 47.870 hectares de propriedades rurais em terras indígenas, conforme dos dados do Cadastro Ambiental Rural. Outras terras, não necessariamente demarcadas, estão em disputa. Em Aripuanã, município com nome indígena no noroeste do Mato Grosso, as reservas indígenas sofrem com a mineração e a extração de madeira. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente em Mato Grosso (Ibama-MT) flagrou, em dezembro, roubo de madeira e diamantes nas Terras Indígenas Aripuanã e Sete de Setembro.

Em 2014, o Ministério Público Federal abriu investigação sobre ameaças e bloqueio de acesso à Aldeia Porto Velho, dos Kanela. Ela fica entre Luciara e Santa Terezinha – mais um município com fazendas – ou supostas fazendas – sobrepostas a TIs, com 39.990 hectares. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi),  “donos” apareceram com escrituras da aldeia e foram os responsáveis pelas ameaças.

No ano seguinte, com a assinatura da polícia, os Kanela foram despejados de outra aldeia, em Luciara, em caminhões de transportar gado. Uma das indígenas, Antônia, resumiu desta forma o que aconteceu: “Fomos todos empilhados, tinha chovido muito, foi horrível”.

 

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