Demarcação de terras fica mais distante para cerca de 9 mil índios em Santa Catarina

Angela Bastos – Diario Catarinense

Cerca de 3,5 mil quilômetros separam os índios de Santa Catarina e os de Roraima. Além da distância física, são povos constituídos de costumes e diferentes histórias. Mesmo assim, o atual governo coloca todos na mesma aldeia. Para o presidente Michel Temer (PMDB), os kaingang de xapecozinho, no Oeste do Estado, e os macuxi e patamona, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Norte do país, devem ser submetidos às mesmas regras. Trata-se da tese do marco temporal, que restringe o direito às terras que não estivessem ocupadas pelos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A estimativa é que cerca 9 mil índios sejam impactados em Santa Catarina.

É o que mostra o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), publicado dia 19, no Diário Oficial da União. Isso faz com que, a partir de agora, a administração pública federal esteja obrigada a aplicarem, a todas as terras indígenas do país, condicionantes que o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, em 2009, ao reconhecer a Raposa Serra do Sol. A norma atinge áreas em processo de demarcação, além daquelas que passam por revisão para serem ampliadas.

Em Santa Catarina, enquanto ontem de manhã na aldeia do povo guarani no Morro dos Cavalos, em Palhoça, na Grande Florianópolis, as mulheres tentavam seguir a rotina e participavam de uma oficina de cerâmica, caciques e lideranças guaranis se manifestaram sobre o parecer do governo federal. A etnia é uma das que poderá ter os maiores prejuízos, já que culturalmente costuma se movimentar pelo litoral. Os que vivem no Morro dos Cavalos, já convivem com a ameaça do marco temporal.

Uma ação movida pelo governo do Estado no STF questiona o direito à área. No processo, 21 lideranças denunciam que advogados pagos pela bancada ruralista pressionam juízes para que reconheçam vinculação entre os índios da Raposa Terra do Sol e os demais. Além disso, escrevem, a questão indígena teria virado moeda de troca como apoio ao presidente Michel Temer que responde denúncias de corrupção.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também protesta. A entidade considera que o parecer é consequência da ação do que chama “agentes do agronegócio e seus auxiliares subservientes”. Com isso, “dar a aparência de legalidade à invasão das áreas indígenas”. Para Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão ligado à Igreja Católica, a situação é grave.

— O que irá acontecer com os índios que vivem em áreas que se enquadrarem nessa suposta “jurisprudência”? Ficarão acampados para o resto da vida? — pergunta.

A estimativa, explica Modesto, é de que 90% das terras indígenas do país sofram algum tipo de impacto. Somente no Mato Grosso, cerca de 50 mil kaiowas estão no foco do marco temporal. O advogado considera uma barbárie. Modesto explica que antes os índios brasileiros eram tutelados, o que mudou com o artigo 232 da Constituição Federal. Explica porém, que perseguidos durante a ditadura dos militares, os índios acabaram deixando as terras. Agora, o representante do CIMI diz que o governo Temer quer que provem viver na terra de onde foram corridos.

O Ministério Público Federal (MPF), em nota, destaca o papel do STF como guardião da Constituição e dever do respeito às terras indígenas. Alerta também que na decisão da Raposa Terra do Sol, foi dito que “a dinâmica de ocupação indígena é revelada a partir do saber antropológico posto em prática, respeitando a metodologia propriamente antropológica, para evidenciar o que ocupam, como ocupam e quanto ocupam, como permanecem com os laços culturais, religiosos, sociais com aqueles espaços, mesmo quando forçados a deles se retirarem”.

STF volta a julgar casos de demarcação em agosto

A questão indígena volta ao STF no dia 16 de agosto, quando três áreas serão votadas. Uma delas é Ventarra, no Rio Grande do Sul; e duas relativas ao Parque Nacional do Xingu. Também deve entrar em pauta uma ação direta de inconstitucionalidade referente à regularização de terras quilombolas. Delegações de todos os Estados se organizam para estar em Brasília na data.

O jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dalmo de Abreu Dallari, se manifesta contra o parecer. Para ele, a decisão não se enquadra em qualquer hipótese legal para ser vinculante e ainda contém inconstitucionalidade quando adota a tese do marco temporal.

— A questão é que a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no caso da área indígena Raposa Serra do Sol, não foi até agora confirmada pelo Plenário. A demora na apreciação final pela Suprema Corte decorre pelo elevado levado número de questionamentos assinalando a inconstitucionalidade da restrição imposta pelo marco temporal — alerta o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dalmo de Abreu Dallari.

Em contato com a Ascom, assessoria de comunicação da Advocacia-Geral da União, a reportagem do DC foi informada que se trata de um parecer e com relação às terras que são impactadas pela decisão somente a Funai poderia dar mais detalhes. Já a Funai informou que havia sido surpreendida pelo parecer do presidente Michel Temer e que não havia como apresentar um mapa das áreas porque eram muitos processos. O Ministério Público Federal em SC, a reportagem apurou que a procuradora Analucia Hartmann encontra-se em férias e que ela poderia falar sobre o assunto ao retornar.

Foto: Cristiano Estrela / Agencia RBS

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