Associação Brasileira de Antropologia (ABA) expressa desacordo à 4ª edição do Prêmio VALE-CAPES de Ciência e Sustentabilidade

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem, por meio desta, manifestar seu desacordo em relação à  edição do Prêmio VALE-CAPES de Ciência e Sustentabilidade.

Por ocasião da primeira edição desse prêmio, em janeiro de 2013, representantes de associações acadêmicas (entre elas a ABA e a ANPUR), vieram a público declarar que consideravam inadequada a instituição do chamado Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade, visando contemplar Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado associadas a temas ambientais e socioambientais. Afirmamos, na oportunidade, que era de conhecimento público que as práticas da Vale S.A. são, com grande frequência, avaliadas como impróprias do ponto de vista social e ambiental, em muitos casos com implicações legais, conforme registrado por inúmeros trabalhos de pesquisa nas áreas de Sociologia, Antropologia e Ciências Sociais Aplicadas, expressos em apresentações em Congressos, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado referendadas pela comunidade científica brasileira nos últimos anos.

Nosso desacordo cresce na mesma proporção em que ampliam as danosas consequências daquele que é um dos maiores desastres ambientais e sociais dos últimos tempos no Brasil: o rompimento da barragem de rejeitos da empresa Samarco (Vale/BHP-Billinton) em Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. Povos indígenas e comunidades tradicionais, além de uma imensa região, foram atingidos pelo desastre, é o caso dos Krenac, Tupinikin e Guarani; da comunidade de pomeranos, pescadores; e coletivos quilombolas entre outras tantas, quer na bacia Rio Doce, quer no litoral do Espírito Santo.

O prêmio em sua quarta versão continua a difundir a falsa percepção, no interior da academia, de que a Vale S.A. tem preocupações ambientais e de “sustentabilidade”. Percepção que contraria a conclusão (em 23 de fevereiro de 2016) do Inquérito da Polícia Civil que indica como causas do desastre de Mariana a combinação de negligência e falhas que envolvem: liquefação; elevada saturação de rejeitos arenosos depositados na barragem de Fundão; monitoramento inadequado utilizando número reduzido de equipamentos e/ou equipamentos c om defeito; elevada taxa de alteamento anual da barragem; assoreamento do dique dois; e deficiência do sistema de drenagem. Em suma, a Vale S.A. foi comprovadamente negligente em relação aos direitos das comunidades tradicionais e ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, capitaneia um prêmio de “sustentabilidade ambiental” que tem como alvo a universidade e a pesquisa acadêmica. Não podemos ficar em silêncio.

Que fique claro, nosso desconforto diz respeito à repetição de eventos, não se trata de uma “primeira vez” (apenas, no estado de Minas Gerais, desde 1986, aconteceram oito outros acidentes deste tipo, embora com menor amplitude), nem ocorreram por falta de alerta. Pelo contrário, o caráter frequentemente “anunciado” de tais eventos – ou seja, a prévia circulação de advertências quanto à probabilidade de ocorrência – contrasta com a diminuta ou nenhuma repercussão destes alertas junto a órgãos públicos responsáveis pelo controle ambiental das práticas produtivas.

Por último, mas igualmente importante, indica -se que se tome como objeto de interrogação, as razões para a permanente ausência de resposta, por parte de instâncias públicas, aos alertas da sociedade sobre riscos correspondentes à irresponsabilidade, imprevidências e descuidos observados nas práticas de muitos dos empreendimentos do setor mineral.

Considera-se que a insistente concordância da CAPES com o prêmio é um desrespeito à comunidade acadêmica, além de demonstrar descaso com as vidas humanas que vão de arrasto na enxurrada de lama.

Brasília, 02 de março de 2016.

Associação Brasileira de Antropologia

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Raquel Rigotto.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

8 + onze =