Defensoras dos direitos reprodutivos enfrentam estigmatização e violência

Cristina Fontenele – Adital

Defensoras e defensores dos direitos sexuais e reprodutivos nas Américas são percebidos como uma ameaça e sofrem uma série de estigmatizações e violências. Estereótipos contido em expressões como: “odeia homens”, “mães ruins”, “mulheres más”, “homens traidores”, “ressentidas”, “odeia crianças”, são alguns dos rótulos que alimentam também a violência simbólica contra esses defensores de direitos humanos. Além disso, o Estado tem desempenhado um papel importante e, perpetuar e legitimar a discriminação contra determinados grupos.

À Adital, Rosângela Talib, psicóloga e uma das coordenadoras das Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), relata que ela e a presidenta da instituição já foram intimadas, em ocasiões diferentes, a prestarem depoimentos na polícia, por denúncias de apologia ao aborto. “Falaram que estávamos indicando médicos para fazerem abortos inseguros e ilegais, era uma inverdade. Fomos obrigadas a prestar depoimento. No meu caso, tinha acabado de publicar um dossiê, uma pesquisa, na época do doutorado, sobre os serviços de atendimento em relação ao aborto, quais existiam, se os atendimentos eram adequados. Era uma coleta de dados, somos pesquisadoras do assunto, trabalhamos em prol da legalização”.

A CDD surgiu nos anos 1990, no Brasil e em outros países da América Latina, e defende mudanças sociais, especialmente nos padrões culturais e religiosos. A organização enfrenta questionamentos sobre a utilização da palavra “Católicas” no nome da entidade. Segundo Rosângela, há confrontos nas redes sociais, em palestras que a organização ministra e, no passado, um bispo de São Paulo chegou a entrar com ação de indenização pelo “uso indevido” da palavra, mas o sacerdote já morreu e a denúncia não prosseguiu. A coordenadora explica que a resposta aos comentários é de que o grupo é católico, nunca renegou a fé e tem o direito de defender um outro posicionamento da Igreja Católica. “É possível ser católica e pensar de maneira divergente do que se propõe. Nos reafirmamos católicas a partir desse lugar. Nunca fomos excomungadas, não são essas pessoas que podem dizer que não professamos a fé”, observa.

No contexto brasileiro, Rosângela afirma que o cenário político atual não é nada promissor, com o deputado federal Eduardo Cunha [Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro] na Presidência da Câmara dos Deputados, e a bancada religiosa, comandada por ele, propondo retrocessos significativos nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Ela cita o Projeto de Lei (PL) 5069/13, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto. Também o Estatuto do Nascituro, que pretende instituir o nascituro como um sujeito de direito, proibindo também o aborto, mesmo em caso de violência sexual.

Por outro lado, em termos sociais, Rosângela aponta avanços na luta pelos direitos reprodutivos e sexuais no Brasil. Ela destaca a ida das mulheres às ruas em defesa do direito de decidir sobre o próprio corpo, campanhas nas redes sociais e a própria imprensa apoiando a causa. Do contrário, “nós mulheres continuaríamos sendo sujeitos secundários”, reflete.

Defensoras sob ataque

O informe “Defensoras sob ataque! Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos nas Américas”, lançado recentemente pela Anistia Internacional, realizou entrevistas com defensoras de direitos sexuais e reprodutivos no Equador, El Salvador, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Coletou também informações a partir de reuniões com redes de defensores dos direitos indígenas, afrodescendentes, lésbicas, transgêneros e pessoas com deficiência.

Segundo a diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara Rosas, as implacáveis campanhas de difamação empreendidas contra as mulheres, cujo trabalho consiste em promover os direitos e o bem estar comuns, revelam o pior aspecto de uma região que diz estar avançando em matéria de direitos humanos. “Atrever-se a falar do aborto e da educação sexual na América Latina parece ser razão suficiente para que te tachem de ‘delinquente’, ‘assassina’ e, inclusive, ‘terrorista’. Se os governos não assumem sua responsabilidade de proteger essas valentes defensoras dos direitos humanos e respeitarem seu trabalho, tal situação seguirá piorando perigosamente, num futuro imediato”, adverte.

O relatório alerta ainda sobre uma série de restrições injustificadas e ataques recebidos pelas organizações que defendem os direitos reprodutivos. Enfrentam obstáculos para registrarem-se, dificuldade de acesso à justiça. Como exemplo, o informe aponta o caso da Associação de Cidadãos para a Descriminalização do Aborto e do Coletivo Feminista para o Desenvolvimento Local. As organizações, criadas em 2000, em El Salvador, têm resistido a anos de estigmatização, que se agravou especialmente nos últimos dois anos pela assessoria jurídica que realizam para 17 mulheres que sofreram emergências obstétricas e foram condenadas por homicídio. As entidades são apelidadas de “grupos inescrupulosos” e “grupos pró-morte”.

Além de ameaças físicas, as defensoras dos direitos sexuais também são hostilizadas pela Internet e redes sociais. Também é comum a interceptação de conversas telefônicas e virtuais, como forma de intimidar e monitorar suas atividades. Foi o que ocorreu com o Comitê da América Latina e Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), entidade que acompanhou o caso da menina Mainunby, no Paraguai, vítima de violência por parte do padrasto.

A gravidez da criança de 10 anos de idade repercutiu internacionalmente. A Cladem aconselhou a menina e a mãe sobre a interrupção da gestação, uma vez que havia risco para a vida de Mainunby. Em decorrência, a Cladem Paraguai teve as linhas telefônicas e os e-mails interceptados, além dos computadores bloqueados. Uma plataforma digital iniciou também uma campanha para solicitar à Organização dos Estados Americanos (OEA) a retirada do reconhecimento da Cladem.

A Anistia Internacional insta os Estados das Américas a reconhecerem os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos; erradicarem os estereótipos sociais, sexuais e de gênero, que afetam a identidade das pessoas defensoras desses direitos; receberem as denúncias, investigando e promovendo a justiça para punir os perpetradores da violência, sejam eles agentes do Estado ou particulares; adotarem medidas de proteção às defensoras de direitos sexuais e reprodutivos.

Foto: Estereótipos como “odeia homens”, “mães ruins”, “mulheres más” alimentam a violência simbólica e física contra as defensoras dos direitos reprodutivos nas Américas

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