No Rio, tragédia anunciada: 100 mil litros de chorume ameaçam aquífero, por Alceu Luís Castilho

Caso chama a atenção por ter sido previsto na época da construção do aterro e pelo nome dos acionistas da empresa responsável, como Santander e Bradesco

Em Outras Palavras

Cem mil litros de chorume ameaçam o Aquífero Piranema, o maior do Rio. Eles vazaram do  Centro de Tratamento de Resíduos (CTR) de Seropédica. A Embrapa diz que o tamanho do reservatório é incompatível com o volume. Dois dos maiores bancos no Brasil, o Bradesco e o Santander, estão entre os controladores da empresa responsável pelo aterro.

É para o CTR de Seropédica, na Baixada Fluminense, que vai o lixo domiciliar produzido no Rio, a capital. A ponto de aparecer no material de divulgação da Cidade Olímpica como “o mais moderno centro de tratamento da América latina”, por obedecer “normas internacionais de respeito ao meio ambiente”.

O aterro foi inaugurado em 2011. Sob protestos de moradores e ambientalistas, exatamente pelo risco que havia de o chorume atingir o aquífero, ainda hoje utilizado por pequenos agricultores. Este vídeo de 2011, produzido pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, chamava o projeto do CTR de “bomba de Seropédica”:

Apesar dos avisos, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio (Comlurb) promoveu a concessão, adquirida pela empresa Saneamento e Energia Renovável do Brasil (Serb), mais conhecida pelo nome fantasia, Ciclus. O tratamento do chorume demorou a começar e, em 2013, motivou uma multa de R$ 252 mil para a empresa. Depois disso o tratamento foi iniciado. Mas terá sido da maneira correta?

O transbordamento de sábado (20 de fevereiro) foi considerado inevitável pela agrônoma Rosângela Straliotto, pesquisadora da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa). Em entrevista ao site Vozerio, ela disse que o reservatório para o chorume é pequeno demais: “A área é conhecida por apresentar chuvas fortes, então a capacidade de armazenamento deve ser pensada para segurar esse acréscimo no volume. Se não for feito o devido reparo, a repetição do episódio parece inevitável”.

CULPA DA CHUVA

A Ciclus nega que o chorume possa atingir o aquífero. Segundo a empresa, a região estava sem energia e o gerador instalado no CTR foi atingido por um raio. O vazamento teria atingido área impermeabilizada, da própria empresa, “e o início do Canal da Vila que foi totalmente limpo”. “O aquífero Piranema não foi atingido pelos efluentes e não corre risco de contaminação”, diz a Ciclus, em nota. O site da empresa ignorou o transbordamento.

O secretário de Ambiente e Agronegócio (uma combinação, em si, curiosa) de Seropédica, Ademar Quintella, conta que, após saber do vazamento, teve sua entrada na Ciclus barrada por quase meia hora. Ele relatou que foram encontrados cachorros e marcas de pata de gado dentro da área da empresa, que afirma estar cooperando com as autoridades. E informou que a Ciclus será autuada e multada.

Curiosamente, a empresa que criou a Ciclus, a Haztec, surgiu em 1999, um ano após a Lei de Crimes Ambientais, justamente para diminuir a dívida de empresas. Percebeu que havia um nicho de mercado para a consultoria a empresas multadas por crimes ambientais. Somente em 2003 ela seria vendida ao grupo Synthesis, de Paulo Tupynambá, e a fundos de investimento. O Synthesis, por sinal, classifica os CTRs como investimentos “de risco”.

QUEM CONTROLA O ATERRO?

Essa empresa responsável pelo aterro localizado em cima de um aquífero, a Ciclus, é controlada por dois grupos, que têm cada um 50% da empresa. Um deles é o grupo de transportes Julio Simões, responsável pela logística. O outro é a empresa Haztec, que se apresenta como “líder em soluções ambientais no Brasil”. É esta segunda parte a que mais nos interessa.

Os sócios da Haztec na época da concessão eram o Bradesco, o Santander e  Tupynambá. Em 2013 a Haztec Tecnologia e Planejamento Ambiental se fundiu com a Foxx Holding. Ambas formam a Haztec Investimentos e Participações. A Foxx Holding quase foi parar nas mãos do investidor mexicano George Soros, mas na última hora ele desistiu. Os donos da Foxx, Milton Pilão Jr e Ismar Assaly, aceitaram, então, o investimento da FKG Capital, de Daniel Goldberg, ex-presidente do banco Morgan Stanley.

Uma das duas pontas do grupo, a Haztec Ambiental ainda orbita em torno de Tupynambá e dos investidores controlados por Santander (fundo InfraBrazil) e Bradesco. O fundo de investimentos em participações InfraBrazil, por sua vez, tem como investidores os principais fundos de pensão do país, como o Funcef (Caixa Econômica Federal), o Petros (Petrobras), a Previ (Banco do Brasil) e a Banesprev (Banespa), além do BNDES.

A Haztec Investimentos e Participações possui uma dívida de R$ 440 milhões, com debêntures emitidas pelos dois bancos. O total de ativos do grupo é de R$ 642 milhões, conforme um relatório publicado no ano passado. O grupo teve uma receita de R$ 174 milhões, em 2014, com lucro de R$ 26 milhões.

É, portanto, o capital financeiro que, em boa parte, move (cada vez mais com essas bifurcações rocambolescas) a Haztec. A empresa é dona também de 100% dos aterros sanitários de Nova Iguaçu, Barra Mansa e Alcântara (São Gonçalo).

Em 2014, a Haztec Ambiental doou R$ 630 mil para campanhas eleitorais. Desse total, R$ 280 mil para a direção nacional do PT; R$ 150 mil para a direção nacional do PSDB; e R$ 150 mil para a direção estadual do PMDB do Rio.

Foto de divulgação do CTR Seropédica.

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