Abril indígena: a luta pela terra, pelo reconhecimento e contra a discriminação

Por Ailton Martins

Apesar dos livros de escola insistirem em contar uma história equivocada que transmite uma ideia anacrônica e um tanto exótica sobre a cultura indígena, principalmente no dia 19 de abril, eleito (pela pessoa não indígena) como o dia do índio, o mês de abril para os povos indígenas é um mês simbólico que representa a luta e a resistência durante 516 anos de perseguição, assassinatos e silenciamento de seus costumes. Portanto, no país inteiro diversas comunidades indígenas promovem fóruns de debates, manifestações culturais, encontro de vivências… Tudo isso com intuito de visibilizar a verdadeira realidade que se encontram submetidos os povos indígenas no Brasil; segregados do direito à terra e do direito à vida, isto é, do direito de viverem de acordo com seus costumes, suas tradições e de permanecerem em suas Tekoá.

Além de tudo isso, há o preconceito e a discriminação que esse tipo de história constrói no imaginário da pessoa não indígena que, infelizmente, termina por entender o indígena como alguém deslocado da realidade contemporânea, ou seja, um ser que vive pelado na mata, estacionado no tempo e no espaço, com uma cultura que não se desdobra e que não se movimenta de acordo com os desafios que o mundo lhe coloca. Com isso os esteriótipos construídos em relação ao povos indígenas contribuem para legitimar todo o processo de dizimação que tem ocorrido historicamente sobre a chancela do Estado. (que não tem sido inocente em momento algum).

As culturas indígenas são milenares e existem no Continente Americano muito antes de portugueses, espanhóis, holandeses, ou seja qual for a nação européia ter aportado por essas terras, dado nome, e consequentemente ter se declarado donas de tudo. Portanto, podemos afirmar que há 516 anos que os povos indígenas tem resistido arduamente, todavia, essa resistência sempre foi conflituosa, e tem chegado ao limite em algumas regiões do país como no Estado de Roraima, onde grileiros, latifundiários, madeireiros, empresas do agronegócio tem constantemente entrado em conflito com comunidades indígenas na disputa pela terra, o resultado tem sido um verdadeiro massacre, há casos de famílias indígenas inteiras assassinadas; crianças, jovens e lideranças (absurdamente) sendo mortas por jagunços e grupos de pistoleiros. A serviço de quem? As parcas investigações não dão nenhuma resposta. E, tudo isso, diante do silêncio da mídia e dos governos de todas as esferas.

Na verdade, o Governo Federal, por exemplo, tem enviado o exército para retirar comunidades de áreas tradicionalmente indígenas, quais ele considera que precisam ser desocupadas para a construção de projetos desenvolvimentistas que atendem (na verdade) ao capital privado. No Xingu, (Amazônia) por exemplo, num projeto faraônico, 35 mil hectares de terras foram destruídas para a construção da Hidroelétrica Belo Monte, mais de 20 mil pessoas foram removidas e cerca de 28 etnias foram impactadas diretamente, isso sem contar o imenso impacto na fauna e flora. (dados do Governo Federal, organizações sociais/ambientais contestam esses números) Vale dizer que Belo Monte resgata o projeto de Balbina, hidroelétrica projetada pelos militares. (leia também sobre o impacto na cidade de Altamira) (leia aqui sobre Belo Monte)

O povo Guarani e a luta pela sobrevivência

Desde o suposto descobrimento que os povos indígenas tiveram que suportar a invasão e a expulsão de suas terras, ameaças contra seus costumes e modos de vida, além do desprezo dos invasores que foram impondo leis e criando condições favoráveis para legitimar ataques. Com isso os Guarani, por exemplo, saíram de áreas centrais do país (fugindo dos Bandeirantes que caçavam índios para escravização) e migraram para o litoral e se instalaram na área da Mata Atlântica, hoje, com o crescimento das cidades, a proximidade com os povos Guaranis se encurtaram. Mas os mesmos continuaram a migrar pelo litoral, e como são um povo pacifico procuraram ficar distantes do povo branco. Porém essa distância tem se tornado (no pais inteiro) quase que inevitável, devido o intenso desenvolvimento predatório impulsionado pela construção civil, (que precisa explorar novas áreas, neste caso, as terras indígenas são ricas em recursos minerais) da especulação imobiliária e de um turismo que se transveste de responsável pelo meio ambiente, mas cuja finalidade é gerar mais-valia.

Tekoá Paranapuã e a luta pela terra

A aldeia Tekoá Paranapuã, localizada na cidade de São Vicente, litoral sul de São Paulo, vive essa triste realidade de estar situada num Parque Estadual, local considerado uma área de preservação ambiental, logo, o Estado não permite (e não aceita) a existência da aldeia.  A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) como órgão responsável na defesa dos direitos indígenas tem trabalhado juridicamente na defesa da aldeia, assim como na elaboração de documentos e registros para a demarcação das terras. Em paralelo, há doze anos tramita na justiça processos que são engavetados e desengavetados de acordo a “pressão política” do momento, o que leva acreditar que a área possui interesses para além da preservação ambiental, mas sim, políticos/financeiros, e diante disso, a discussão não limita-se apenas a questão de preservação do meio ambiente. Não é à toa que nenhum politico da região – no minimo – se pronunciou a respeito.

Com a liminar de reintegração de posse expedida em dezembro do ano passado, a aldeia decidiu promover uma manifestação em repúdio a liminar, o ato aconteceu em janeiro (veja aqui), e neste abril aproveitando a data decidiu realizar uma atividade que pudesse criar um canal de diálogo com as pessoas não indígenas, principalmente, as que desconhecem a aldeia, de modo também a apresentar a cultura indígena e desconstruir alguns esteriótipos, além de fortalecer as relações de solidariedade com organizações e pessoas que apoiam a causa.

De acordo com o parecer da justiça, a aldeia que existiu em São Vicente, estaria localizada no Morro dos Barbosas, e não no Morro Xixová, a questão é que o local no Morro dos Barbosas, hoje, localiza-se um condomínio de luxo, um hotel, dentre outros casarões que são impossíveis de serem removidos, certo que, devido o poder econômico envolvido. É por isso que é muito difícil dissociar a forma como o Estado brasileiro lida com determinadas situações, há sempre o poder econômico inerente as questões sociais, ambientais e culturais determinando (autoritariamente) a direção da vida. (Entenda questões do Parque aqui, lembrando que o Plano de Manejo do parque ignora a existência da aldeia, sendo que lideranças indígenas participaram da discussão.)

Tekoa Paranapuã resiste, e neste abril indígena decidiu por meio dos jogos indígenas fazer sua voz ecoar, mesmo com todos os empecilhos burocráticos e discriminatórios.

Durante os dias 19, 20 e 21 de abril aconteceu o primeiro festival de jogos indígenas na aldeia, o festival foi aberto a comunidade e o objetivo dos jogos foi apresentar um pouco da cultura Guarani: seus costumes, suas tradições, culinária e cantos, no festival houve apresentação dos corais de jovens guaranis, rodas de conversa sobre a cultura Guarani e a realidade indígena atual, cerca de mil pessoas devem ter passado pela aldeia nesses três dias, e a maior parte desconhecia a existência da aldeia na cidade, porém considerava importante a presença da aldeia na região para o fortalecimento da cultura Guarani e também para que toda a sociedade conheça e aprenda para além do que os livros de escola ensinam. A existência da aldeia na cidade, na verdade, é fundamental para a troca de experiência e a consolidação da identidade local.

Discriminação

Especialistas e acadêmicos sempre ressaltam que para toda discussão os argumentos de defesa ou de crítica precisam ter respaldo teórico e base na realidade concreta. No caso da população indígena a realidade concreta como citada neste texto, é de morte, está ocorrendo um massacre.

Partindo da realidade de Tekoa Paranapuã pretendo colocar uma caso que cabe à reflexão, afinal,  até quando vamos tratar questões de discriminação como questões menores? Ou, de imaginação fértil?

Karaikarai Fernandes é liderança da aldeia Tekoa Paranapuã e organizou juntamente com outras lideranças a atividade na aldeia, no segundo dia dos jogos precisou sair da aldeia para ir comprar gás de cozinha, foi até o supermercado Fiel Barateiro, (Centro de São Vicente) ao chegar não conseguiu entrar, pois o segurança o proibiu por não estar calçado, Fernandes não insistiu, não criou conflito, não perguntou se o mercado possuía alguma norma de proibição e se essa informação estava visível para todos. Acatou.

Enfim, nós, não indígenas, sabemos que é possível entrar em um mercado descalço, ainda mais numa cidade praiana. Talvez este mercado tenha lá suas regras, porém, não foram explicadas, apenas impostas de forma autoritária. E no caso de Fernandes, é difícil dissociar que o acontecido não foi motivado por um olhar discriminatório que sempre opera por meio de um recorte social, cultural e étnico.

Vamos lá, temos alguns elementos, o primeiro problema é a invisibilidade do povo indígena, (fruto de um processo histórico) segundo: a cor da pele, negra? Pois bem, vivemos num pais qual não resolvemos o problema do racismo, pior, não aceitamos, terceiro: estava com roupas simples e alguns colares, portanto, ele poderia ser um hippie/andarilho, um morador de rua, ou as duas coisas. Traduzindo: Fernandes estando na sociedade branca carrega todos esses esteriótipos discriminatórios, todas essas mazelas não resolvidas da sociedade branca que mantém este estado de preconceito, de discriminação e de intolerância.

Veja o vídeo com o relato:

Foto: Ailton Martins

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.

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