MPF divulga nota de repúdio a projeto de lei que altera nomenclatura de agrotóxicos para produtos fitossanitários

Nota ainda critica criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito) proposta pelo projeto

MPF

A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal divulgou nesta quarta-feira, 18 de maio, nota de repúdio ao projeto de lei da Câmara dos Deputados nº 3200/2015. De autoria do deputado federal Luis Antônio Franciscatto Covatti, o PL institui a Política Nacional de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle Ambiental. Entre outras propostas, o projeto pretende alterar a nomenclatura de “agrotóxicos” para “produtos defensivos fitossanitários”. O projeto de lei está sendo discutido em comissão especial destinada a debater o assunto.

A nota de repúdio da Câmara de Meio Ambiente pontua que o termo “agrotóxicos” expressa a nocividade dos produtos e é amplamente difundida e conhecida da população, “sendo a substituição por termo novo, na prática, ofensa aos princípios da transparência e da informação”. A alteração também confundirá a distinção entre as substâncias utilizadas nas culturas orgânicas e não orgânicas. A prática “é um verdadeiro greenwashing, ou seja, modificação da imagem mediante métodos que levam a pensar tratar-se de produto ecologicamente responsável”, observa o documento.

A nova denominação não exigirá o registro de herbicidas, como o 2,4D, o paraquat e o glifosato, os mais consumidos no Brasil, já que estes não pertencem ao conceito de defensivos fitossanitários previsto no projeto de lei. No entanto, pesquisas já apontaram a relação entre esses agrotóxicos e a incidência de câncer.

Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários – A nota divulgada pelo MPF é contrária, também, à criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito) proposta pelo projeto de Lei. Criada no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a comissão ficará responsável pela apresentação de “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins” (art. 6º).

A Comissão será constituída majoritariamente por membros indicados e de confiança do Mapa, “o que trará desequilíbrio na defesa e contraposição dos diversos interesses nas decisões desse Colegiado (afinal, as decisões são realizadas pela maioria absoluta dos membros – art. 19 caput –, com desempate pelo Presidente da Comissão – art. 19, §2º), evidentemente prejudicando o Meio Ambiente (MMA) e a Saúde (MS)”.

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Nota com os argumentos do MPF contra o PL

A 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal, repudia, por meio desta Nota, o Projeto de Lei da Câmara n.º 3200/2015, de autoria do Deputado Federal Luis Antonio Franciscatto Covatti, pelos fundamentos a seguir expostos:

Da alteração da nomenclatura

O PL pretende a alteração de nomenclatura, passando a denominar os agrotóxicos de “produtos defensivos fitossanitários”, retirando a denominação que transparece a exata noção do produto: “agrotóxico” agro, do grego, agrós (campo/agricultura) e tóxico, do grego toxikós, (“que tem a propriedade de envenenar”1).

O termo “agrotóxicos” delineia precisamente a nocividade ínsita ao produto. Além disso, é palavra já amplamente difundida e conhecida da população, sendo a substituição por termo novo, na prática, ofensa aos princípios da transparência e da informação.

A alteração da nomenclatura dissimula os efeitos deletérios dos agrotóxicos, mediante a utilização de um termo mais brando (consiste em “medidas sanitárias adotadas na defesa dos vegetais”2). Com isso, a população será ludibriada por meio de uma “roupagem” mais suave para o mesmo produto, que continua apresentando os mesmos riscos e nocividade.

Ainda o PL utiliza terminologia já atualmente empregada aos produtos que contêm “exclusivamente substâncias permitidas, em regulamento próprio, para uso na agricultura orgânica”, ou seja, o chamado “produto fitossanitário com uso aprovado para a agricultura orgânica” (art. 1º, inciso XLVII do Decreto n.º 4.074/02).

Verifica-se, portanto, ter havido a intenção de diferenciar, terminologicamente, os produtos usados na cultura orgânica e naquela não orgânica, difundindo-se o termo “produto fitossanitário” à primeira e “agrotóxico” à segunda. A alteração pretendida confundirá essa necessária distinção entre as substâncias utilizadas nas culturas orgânicas e não orgânicas.

A prática é um verdadeiro greenwashing,3, ou seja, modificação da imagem mediante métodos que levam a pensar tratar-se de produto ecologicamente responsável.

Ademais, o Brasil vai na contramão dos países da União Europeia, que continuam utilizando a terminologia “pesticides” (pesticidas), a qual, ainda que etimologicamente não seja tão precisa quanto “agrotóxico”, traz, para o ouvinte, também a concepção de veneno. Verifica- se o uso da palavra no próprio endereço eletrônico da EFSA (European Food Safety Authority)4, bem como do “REGULATION (EC) NO 396/2005 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL”, tratando dos limites máximos de resíduos de pesticidas5.

Alcance da nova definição

A denominação “produto defensivo fitossanitário”, consoante define o PL, abarca somente o “produto e agente de processos físicos, químicos ou biológicos, destinado ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas plantadas cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos” (art. 5º inciso XXXIV).

Difere, portanto, da atual regulamentação da Lei n.º 7.802/89, a qual se aplica aos agrotóxicos e afins, ou seja, “os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”, além das “substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento”.

Verifica-se que algumas categorias de produtos ficam de fora da abrangência do PL.

Inclusive, conforme Nota de Repúdio do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, a nova denominação deixa “lacunas que promoverão um vazio legal”, pois, por exemplo, “não haverá necessidade de registro de herbicidas, tais como o 2,4D, o paraquat e o glifosato, por não se enquadrarem no conceito de ‘defensivos fitossanitários’ proposto”6.

Igualmente, os “produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de ambientes urbanos e industriais são regidos pela Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1.976” (art. 3º, §º único), ou seja, serão regulados pela Lei que “dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos”.

A lei acima citada classificou “saneantes domissanitários” como “substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no tratamento da água”, incluindo-se os inseticidas, ou seja, produtos “destinados ao combate, à prevenção e ao controle dos insetos em habitações, recintos e lugares de uso público e suas cercanias”. O registro fica, dessa maneira, a cargo somente do Ministério da Saúde (art. 12 da Lei n.º 6.360/1976).

Criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito)

O PL visa ainda a criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a qual ficará responsável pela apresentação de “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins” (art. 6º).

Essa Comissão será formada por 23 (vinte e três) membros efetivos e respectivos suplentes, todos eles designados pelo Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Desses vinte e três membros, os especialistas de notório saber científico e técnico das áreas de química/biologia, produção agrícola, fitossanidade, controle ambiental e saúde humana e toxicologia (ou seja, quinze componentes) serão não só designados, mas escolhidos pelo Ministro do MAPA (art, 7º, §2º). Da mesma maneira, pelo Ministro do MAPA serão nomeados os representantes de órgãos legalmente constituídos de proteção à saúde do trabalhador, representativos dos produtores rurais e de produtores de defensivos fitossanitários (art. 7º, incisos III, IV e V, c/c §§ 5º, 6º e 7º).

A presidência da CTNFito também será designada pelo Ministro do MAPA (art. 10), a partir de lista tríplice elaborada pelo Colegiado.

Dessa maneira, a Comissão será constituída majoritariamente por membros indicados e de confiança do MAPA, concentrando poderes nas mãos deste Ministério, o que trará desequilíbrio na defesa e contraposição dos diversos interesses nas decisões desse Colegiado (afinal, as decisões são realizadas pela maioria absoluta dos membros – art. 19 caput –, com desempate pelo Presidente da Comissão – art. 19, §2º), evidentemente prejudicando o Meio Ambiente (MMA) e a Saúde (MS).

Limitação do campo de atuação do Ministério do Meio Ambiente

Restringiu-se a atuação do Ministério do Meio Ambiente em caso de autorização e registro de produtos e atividades de produtos de controle ambiental e afins destinados para uso não agrícola7. O art. 31 diz que, apesar desta atividade ficar a cargo do MMA, ele estará vinculado ao parecer técnico, à monografia, às diretrizes e aprovação correspondente da CTNFito, sendo vedadas “exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos relacionados à segurança e eficiência”.

Portanto, ainda que o MMA verifique a necessidade de exigências maiores quanto a um produto de controle ambiental de uso não agrícola, em decorrência de riscos à segurança, estará proibido de fazê-las, o que se mostra um ataque aos Princípios da Precaução e da Vedação ao Retrocesso.

Limitação do competência legislativa dos Estados e dos Municípios

Os artigos 26 e 27 do PL estipulam a competência vedam aos Estados, Distrito Federal e Municípios a restrição do alcance do registro federal, “a menos que seja para atender uma particularidade regional devidamente justificada”.

Por conseguinte, os demais entes federativos foram engessados quanto à possibilidade de legislar de forma mais protetiva ao meio ambiente, a menos que baseada em alguma peculiaridade regional e ainda fundamentada.

Os “riscos inaceitáveis”

Ainda que pareça, num primeiro momento, positiva a explicitação de critérios para proibição de “produtos defensivos fitossanitários”, contidas no Capítulo IV (“Das Proibições”), não fica claro o que serão considerados “riscos inaceitáveis”. O art. 51 assevera que os “critérios técnicos e científicos atualizados para verificação dos riscos inaceitáveis deverão considerar a avaliação do risco toxicológico e ambiental, segundo as diretrizes estabelecidas pela CTNFito”. Tais riscos devem ser avaliados apropriadamente pelo MMA e MS, mas não serão realizados tendo em conta a limitação que os membros sofrerão diante da estruturação da CTNFito.

O grande risco é que, na prática, os dispositivos que deveriam ser direcionados à defesa da saúde, do meio ambiente e da população, serão violadores desses valores, caso adotada uma posição extremamente restrita do que seriam estes “riscos inaceitáveis”.

Notas:

  1. Extraído de <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=t %F3xico>. Consulta em 2/5/2016 14:59.
  2. Definição de fitossanitário. Extraído de <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php? lingua=portugues-portugues&palavra=fitossanit%E1rio>. Consulta em 2/5/2016 15:10.
  3. “Um procedimento de marketing utilizado por uma organização com o objetivo de prover uma imagem ecologicamente responsável dos seus produtos ou serviços”, em que “apelos (…) se apresentam como falsos ou que induzem o consumidor a falsas conclusões sobre o produto ou serviço” – Extraído de <http://marketanalysis.com.br/wp-content/uploads/2014/07/Greenwashing-in-Brazil.pdf> Consulta em 12/4/2016 às 14:28.
  4. <http://www.efsa.europa.eu/en/topics/topic/pesticides>. Consulta em 13/4/2016 às 18:07.
  5. <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/ALL/?uri=CELEX:32005R0396>. Consulta em 13/4/2016 18:10.
  6. Extraído de <http://www.mpf.mp.br/rs/sala-de-imprensa/docs/outros-documentos/nota-de-repudio-do-forum-gaucho-de-combate-aos-impactos-dos-agrotoxicos-contra-projeto-de-lei-no-3200-2015/view> Consulta em 2/5/2016 17:23.
  7. 5º, XXXII do PL: “produto de controle ambiental – produto e agente de processos físicos, químicos ou biológicos, destinado ao uso nos setores de proteção de florestas nativas ou de outros e ecossistemas e de ambientes hídricos, cuja finalidade seja alterar a composição da fauna ou da flora, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”.

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