MPF defende em Nota validade de atos do Executivo em favor de povos indígenas, quilombolas e para fins de reforma agrária

Projetos de Decreto Legislativo em trâmite na Câmara tentam anulação dos atos

Na PGR

A Câmara do Ministério Público Federal que trata de questões referentes à populações indígenas e comunidades tradicionais (6ª CCR) divulgou nota nesta terça-feira, 12 de julho, reafirmando a legalidade e a validade dos atos do Poder Executivo que homologaram terras indígenas, reconheceram terras quilombolas ou que declararam, de interesse social, imóveis para fins de desapropriação para reforma agrária.

Atualmente, 29 projetos de Decreto Legislativo tramitam na Câmara dos Deputados com o intuito de anular os atos. Segundo nota, os decretos presidenciais só poderiam ser anulados se o Congresso considerasse como violada, pelo Executivo, atribuição conferida pelo próprio Parlamento para que o Executivo legislasse ou em caso de abuso, excesso ou desvio de regulamentação de matéria legislativa votada pelo Parlamento (Constituição, art. 49, V).

A nota lembra que, de acordo com a Constituição, a União deveria ter concluído a demarcação das terras indígenas brasileiras no prazo de cinco anos de sua promulgação (art. 67 do ADCT); ou seja, em 5 de outubro de 1993. O atraso é de 23 anos. “A não regularização de terras tem sido causa de conflitos fundiários já existentes em várias dessas áreas, expondo em risco a integridade física e cultural dos grupos envolvidos. Em 2007, 92 líderes indígenas foram assassinados, ao passo que em 2014 o número havia aumentado para 138”, diz o texto.

“Qualquer medida que tente esvaziar ou desfazer tais atos (de demarcação), em razão de pressões econômicas e políticas, significa renúncia de bem público da União, tal como são as terras indígenas (arts. 20, XI, e 231 da Constituição), e grave violação de direitos humanos, em clara afronta ao que dispõe o texto constitucional”, reforça a nota.

Confira abaixo a íntegra:

Nota pública da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal

Diante de projetos de Decreto Legislativo em trâmite na Câmara dos Deputados, com o objetivo de sustar os efeitos concretos dos decretos da presidente da República afastada Dilma Rousseff em favor de povos indígenas, quilombolas e para fins de reforma agrária, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª CCR) vem a público reforçar a legalidade e a validade dos atos do Poder Executivo.

As proposições de Decretos Legislativos não respeitam a previsão de sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, tal como constante do art. 49, V da Constituição, pois só seriam cabíveis se o Congresso entendesse como violada, pelo Executivo, uma delegação que tivesse conferido para que o Executivo legislar em nome do Parlamento, ou diante de abuso, excesso ou desvio de regulamentação de matéria legislativa votada pelo Parlamento.

Os decretos do Executivo impugnados pelos PDCs são atos concretos que tem, no âmbito do próprio Executivo, ritos de impugnação, pelos eventuais titulares de direitos atingidos ou ameaçados.

A fundamentação contida nas proposições legislativas inverte a presunção jurídica de legitimidade e auto-executoriedade dos atos administrativos, como tem reiteradamente afirmado o Supremo Tribunal Federal, em processos de identificação de terras indígenas. Para a Suprema Corte, [A] demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é “ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade” (RE 183.188, da relatoria do ministro Celso de Mello), além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória. (Pet 3388, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2009).

Portanto, qualquer medida que tente esvaziar ou desfazer tais atos, em razão de pressões econômicas e políticas, significa renúncia de bem público da União, tal como são as terras indígenas (arts. 20, XI, e 231 da Constituição), e grave violação de direitos humanos, em clara afronta ao que dispõe o texto constitucional.

De acordo com a Constituição, a União deveria ter concluído a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos de sua promulgação (art. 67 do ADCT), ou seja, 5 de outubro de 1993, demonstrando que a mora do Estado na demarcação, bem como na garantia de proteger e fazer respeitar a todos os seus bens, é de quase 23 anos. Do mesmo modo, é dever do Estado garantir a propriedade das terras ocupadas pelo remanescentes das comunidades de quilombos, emitindo os títulos respectivos, conforme art. 68 do ato das disposições constitucionais transitórias.

A não regularização de terras tem sido causa de conflitos fundiários já existentes em várias dessas áreas, expondo em risco a integridade física e cultural dos grupos envolvidos. Em 2007, 92 líderes indígenas foram assassinados, ao passo que em 2014 o número havia aumentado para 138. Com frequência, os ataques e assassinatos constituem represálias em contextos nos quais os povos indígenas reocuparam terras ancestrais depois de longos períodos de espera da conclusão dos processos de demarcação.

A Sexta Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal, está realizando diálogos com o Parlamento e com o Ministério da Justiça, compartilhando as razões jurídicas que dão sustentação às iniciativas do Poder Executivo referidas acima. Estamos convencidos de que os parlamentares compreenderão o acerto jurídico-constitucional dos decretos do Executivo.

Por outro lado, caso aprovados, os Decretos Legislativos, como apontado, incidirão em violação à separação de poderes. Como consequência, ficam sujeitos a controle de constitucionalidade, perante o Judiciário.

Foto: Mídia Ninja

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