No Brasil e EUA: homens negros são mortos e mulheres negras lutam contra violência policial

Stephanie Reist – RioOnWatch

Nas favelas do Rio de Janeiro, a polícia não precisa alegar que suas vítimas possuem armas para justificar as execuções extrajudiciais, em sua maioria de pobres e negros. Jhonata Dalber Matos Alves de 16 anos nascido na favela do Borel na Zona Norte do Rio foi baleado na cabeça pela Polícia Militar no dia 30 de junho por, supostamente, estar segurando uma sacola com drogas. Eles não alegaram que ele estava armado, apenas que possuía drogas. Família e amigos contestam essa alegação, e no funeral o avô de Jhonata jogou um saco de pipoca no caixão em um ato poético de desafio e luto: “Aqui estão as drogas que meu neto usou”.

De acordo com um ditado popular: “Se você quer saber quem é negro, pergunte a um porteiro ou a um policial”. A miscigenação racial e a falta de leis explícitas de apartheid têm permitido que as elites brasileiras promovam o mito da democracia racial. Ações afirmativas e políticas anti-discriminação, apesar de serem mantidas pela Suprema Corte Brasileira, são muitas vezes pintadas como uma importação americana inclinada a incitar a desconfiança racial e a violência. Embora as fronteiras entre brancos e negros não sejam tão claras como são nos EUA, a polícia brasileira mata mais de 2000 pessoas por ano, cuja maioria são pobres e negros. Devido aos altos índices–os quais testemunhas e moradores locais acreditam ser de execuções sumárias–muitos chamam a violência policial contra os pobres e negros brasileiros de genocídio. Grupos defensores dos direitos humanos e ativistas estão atualmente documentando que a preparação para as Olimpíadas–que está a menos de um mês de distância–estimula ainda mais a violência policial nas favelas do Rio, devido à tentativa das autoridades de segurança pública de tornar os Jogos seguros para os turistas, em um Estado que já possui uma das taxas mais altas de mortes por policiais.

As mortes causadas por policiais no Brasil superam as nos EUA, apesar de, dos 990 mortos pela polícia nos EUA em 2015, homens negros desarmados corresponderam a cerca de 40% das vítimas e, considerando a população, foram sete vezes mais propensos do que os homens brancos desarmados a serem fatalmente baleados pela polícia.

A polícia brasileira e a norte-americana têm muito em comum. Ambas estão travando uma guerra cada vez mais militarizada contra as drogas que, apesar do nível semelhante de uso entre as raças, aprisiona e mata em grande parte jovens negros. E em ambos os países a cultura de impunidade da polícia levou a altos níveis de desconfiança entre a polícia e comunidades predominantemente negras. Um relatório recente da Human Rights Watch sobre o Rio, O Bom Policial Tem Medo, constatou que de 3441 mortes por policiais registradas entre 2010 e 2015, o Procurador-Geral apresentou queixas em apenas 15 casos. Da mesma forma, entre 2005 e janeiro de 2016, apenas 13 policiais nos EUA foram condenados por assassinato ou homicídio culposo em tiroteios em serviço.

No dia 10 de julho, Alva Braziel se tornou a mais recente vítima negra da violência policial nos EUA. A polícia de Houston alega que Braziel estava apontando uma arma para cima e, quando solicitado a abaixá-la, Braziel foi acusado de ter apontado-a diretamente para eles. Então a polícia atirou em Braziel dez vezes. Embora os detalhes do tiroteio ainda não estejam claros, um vídeo de segurança de um posto de gasolina que está circulando na mídia mostra um homem que muitos afirmam ser Braziel sendo baleado com suas mãos para cima.

Se Braziel estava com uma arma, a polícia certamente possuía o direito de temer pela sua vida. A questão é se eles precisavam matá-lo, especialmente quando há outras maneiras disponíveis de controlar a situação, como é evidente com o uso de gás e de negociadores da SWAT para prender um homem branco que havia disparado sete vezes contra policiais durante um impasse em outra parte de Houston no dia anterior. Por que uma arma não disparada foi muito mais ameaçadora nas mãos de um homem negro?

O recente homicídio de Philando Castile pela polícia em um ponto de ônibus no subúrbio de St. Paul, Minnesota, reforça esse medo generalizado das mãos negras e seu potencial, imaginado ou não, de estar armada e ser mais mortal do que as mãos brancas. Philando Castile possuía uma licença de posse de arma de fogo e comunicou isso aos policiais–de acordo com sua namorada Diamond Reynolds que transmitiu ao vivo as consequências do assassinato no Facebook–antes de pegar sua carteira e sua identidade. Da mesma forma, Alton Sterling foi baleado no peito do lado de fora de uma loja de conveniência em Baton Rouge, Louisiana, enquanto estava sendo preso por oficiais que temiam que ele ainda fosse capaz de alcançar uma arma que supostamente estava em seu bolso.

Muitas organizações brasileiras de direitos humanos com base no Rio, como o Coletivo Papo Reto e o Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, demonstraram solidariedade a Castile, Sterling e movimentos como o Black Lives Matter através das redes sociais.

Como Jhonata, muitos jovens negros tanto nos EUA como no Brasil têm sido baleados por causa daquilo que a polícia temia que eles pudessem estar carregando. Em novembro de 2014, Tamir Rice de doze anos foi morto em alguns segundos pela polícia de Cleveland por supostamente ter tentado alcançar uma arma, o qual o operador do 911 foi informado que era provavelmente um brinquedo em sua cintura. Quase um ano depois, a Polícia Militar do Rio atirou 111 vezes contra um carro em Costa Barros matando cinco jovens: Roberto de Souza Penha de 16 anos, Carlos Eduardo da Silva de 16 anos, Cleiton Correa de Souza de 18 anos, Wilton Esteves Domingos Junior de 20 anos e Wesley Castro Rodrigues de 25 anos. A polícia alegou que tiros foram disparados do carro, enquanto a família e amigos afirmam que os jovens haviam simplesmente saído para comemorar o primeiro salário de Roberto.

Pelas mulheres negras serem frequentemente deixadas em luto pela perda de seus filhos, namorados, maridos e irmãos, em ambos os países elas são as principais fundadoras e sustentadoras de movimentos sociais que lutam contra a violência policial para que outras não tenham que suportar a dor de perder entes queridos nas mãos do Estado.

Mulheres negras homosexuais, Alicia Garza e Patrisse Cullors, em conjunto com a negra feminista transnacional Opal Tometi, fundaram o movimento Black Lives Matter (As Vidas Negras Importam) e ajudaram o movimento a crescer pelas cidades dos EUA. A filha de Eric Garner, Erica, se tornou uma ativista declarada após a morte de seu pai por um policial de Nova York que o estrangulou, apesar dele ter dito repetidamente “eu não consigo respirar”.

Ana Paula Oliveira, que perdeu seu filho Jonatha quando ele foi baleado nas costas enquanto fugia de uma briga entre moradores de Manguinhos e os policiais da UPP local, foi recentemente para Genebra, na Suíça, com Maria da Penha da Vila Autódromo para participar do debate “O Legado de Direitos Humanos em Eventos Esportivos” no 32º Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. A rede Mães de Maio foi formada em 2006 por Débora Maria da Silva depois que ela perdeu seu filho durante um mês brutal de violência policial contra membros da gangue Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo que deixou 564 pessoas mortas. Mas a falta de justiça e a mudança sistêmica podem ser demais para suportar, como no caso de Joselita de Souza, mãe de Roberto de Souza Penha, que faleceu de “tristeza” na quinta-feira apenas alguns meses após o processo de liberação dos policiais envolvidos no massacre de Costa Barros.

De carteiras à telefones celulares à sacos de pipoca, as polícias brasileira e norte-americana confundem repetidamente objetos com armas ou drogas ilícitas para justificar assassinatos, especialmente de jovens negros. O Brasil já se comprometeu a implantar 85.000 agentes de segurança no Rio para os Jogos Olímpicos e uma mudança legislativa recente estabelece que aqueles que ferirem ou matarem civis durante as Olimpíadas sejam julgados pelo tribunal militar em vez do civil, com os críticos afirmando que isso vai permitir mais violência e impunidade.

Tanto o tiroteio em massa de 7 de julho em Dallas que resultou na morte de 5 policiais pelo negro veterano do exército Micah Johnson quanto as altas taxas de morte entre os policiais brasileiros serão utilizados para justificar o temor de homens negros potencialmente armados. No entanto, ativistas como os afiliados ao movimento Black Lives Matter em cidades ao redor dos EUA e Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência no Rio e em outras cidades brasileiras estão reconhecendo e lutando contra–o similar nos dois países— histórico de escravidão e o presente racismo e excesso de policiamento dos espaços e dos corpos de negros em ambos os países.

A comunicação e colaboração entre os movimentos dos dois países fortalecerá estes esforços. De 20 a 23 de julho ativistas do movimento Black Lives Matter e o Brazil Police Watch estarão no Rio em solidariedade, e encontrarão com ativistas e vítimas de violência policial. Os ativistas norte-americanos se encontrarão com o Coletivo Papo Reto, as Mães de Maio, a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência e o Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro para compartilhar experiências e ideias e “afirmarem que as vidas negras importam em qualquer lugar”.

Stephanie Reist está pleiteando um Mestrado em Políticas Públicas e um doutorado em Estudos Latino-Americanos na Universidade de Duke, EUA. Sua pesquisa analisa a dinâmica centro-periferia, pertencimento, cidadania e direitos sobre a terra em favelas e quilombos do Rio de Janeiro.

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