22º Grito dos Excluídos: “esse sistema é insuportável: exclui, degrada e mata”

Por Frei Marcos Sassatelli, no Correio da Cidadania

No dia 8 de julho de 2016, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, enviou a todos os bispos e agentes de pastoral da Igreja uma “Carta de apoio ao 22º Grito dos Excluídos”.

A Carta diz: “O Grito dos(as) Excluídos(as) está completando 22 anos e já alcançou dimensão continental. Nasceu a partir da Campanha da Fraternidade de 1995, cujo tema era “Fraternidade e os excluídos” e o lema: “Eras tu, Senhor?”. Ao contemplar as faces da exclusão na sociedade brasileira, setores ligados às Pastorais Sociais da Igreja optaram por estabelecer canais de diálogo permanente com a sociedade promovendo, a cada ano, na semana da Pátria, o Grito dos(as) Excluídos(as). Em seu percurso, o Grito experimentou desafios e dificuldades e soube, acima de tudo, manter, com liberdade profética, sua presença crítica diante da desafiante situação de exclusão que persiste para grande parte da população brasileira”.

A Carta lembra: “o Grito dos(as) Excluídos(as) não se limita ao 7 de setembro. Vai além. Em preparação ao evento são promovidos debates, seminários, fóruns temáticos e conferências envolvendo entidades, instituições, movimentos e organizações da sociedade civil fortalecendo as legítimas reivindicações sociais e reforçando a presença solidária da Igreja junto aos mais vulneráveis, sintonizando-a aos seus anseios e possibilitando a construção de uma sociedade mais justa e solidária”.

Diz ainda: “em 2016, o 22º Grito dos(as) Excluídos(as) tem como lema “este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata”. O lema inspira-se no discurso do papa Francisco durante o 2º Encontro Mundial com os Movimentos Populares, ocorrido na Bolívia, em 2015. Nele, o papa conclama a promoção de mudanças que transformem este sistema capitalista depredador em uma economia a serviço da vida e dos povos”.

A Carta termina reafirmando o compromisso da Igreja com os(as) Excluídos(as) e faz um caloroso pedido aos bispos e agentes de pastoral: “comprometemo-nos a continuar gritando pela vida em primeiro lugar. Solicitamos-lhes, mais uma vez, o efetivo apoio a essa iniciativa que renova a esperança dos pobres e os torna sujeitos de uma nova sociedade, sinal do Reino de Deus” (Dom Guilherme Antônio Werlang. presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz – CNBB).

É com muita indignação, mas por amor à Igreja (eu também sou Igreja) que faço agora uma denúncia: infelizmente, a maioria das nossas igrejas (dioceses, paróquias, comunidades) nem tomou conhecimento da Carta da CNBB. É lamentável! É um grave pecado de omissão! Lutemos por “uma Igreja pobre, para os pobres, dos pobres e com os pobres”! É a Igreja de Jesus de Nazaré!

Neste clima de retrocesso eclesial que estamos vivendo hoje no Brasil e na América Latina – em relação à renovação do Concílio Vaticano II e de Medellín – aproveito para fazer um apelo às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do Brasil: em união com a Coordenação Nacional do Grito dos Excluídos, as pastorais sociais e os movimentos populares assumam no Brasil inteiro – a partir do próximo ano – a articulação do Grito dos Excluídos para que seja realmente um grito cada vez mais forte e ouvido por todos e todas. Sejamos uma Igreja profética! Como diz Dom Helder Câmara: “não deixemos a profecia cair!”.

Mesmo no contexto do impeachment (um verdadeiro golpe político parlamentar), onde, nas manifestações de resistência e de luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores(as) – predominaram (e ainda predominam) os slogans “Fora Temer!” e “Diretas já!”, no dia 7 de setembro o Grito dos(as) Excluídos(as) aconteceu – com maior ou menor participação – no Brasil todo: nas capitais e em muitas outras cidades.

As palavras do lema – “este sistema é insuportável: exclui, degrada e mata” – definem, de maneira muito clara, a iniquidade estrutural do sistema neoliberal no qual vivemos.

“Os seres humanos e a natureza – afirma Francisco – não devem estar a serviço do dinheiro. Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, na qual o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra”. “A propriedade, sobretudo quando afeta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas. E estas necessidades não se limitam ao consumo”.

“O novo colonialismo – continua o papa – assume variadas fisionomias. Às vezes é o poder econômico do ídolo dinheiro, outras são os tais tratados de ‘livre comércio’. A concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adota o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico. Digamos não às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos sim ao encontro entre povos e culturas”.

“A casa comum de todos nós está sendo saqueada, devastada, arrasada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave, vemos com crescente decepção sucederem-se uma após outras conferências internacionais, sem qualquer resultado importante. Peço-vos em nome de Deus que defendais a mãe terra”.

O informativo “Insaciável riqueza, sempre mais para os que já têm tudo”, apresentado pela ONG britânica OXFAM, na abertura do Fórum Econômico de Davos, em janeiro 2016, denuncia: “em, 2009, 1% dos mais ricos do planeta tinham um patrimônio igual a 44% da riqueza mundial; em 2014 o patrimônio desse 1% aumentou para 48% da riqueza; e, em 2016 esse 1% terá um patrimônio equivalente a 50% da riqueza mundial. Isto quer dizer que este pequeno grupo de 1% dos multimilionários terá em suas mãos um patrimônio maior do que os restantes 99% da população mundial”.

Esse dado concreto mostra-nos que o sistema capitalista neoliberal – um “sistema insuportável” – é diabólico. Tornou-se hoje a institucionalização legalizada do Antirreino de Deus na história do ser humano e do mundo.

Lutemos, unidos e organizados, por um sistema alternativo, justo e igualitário. A esperança nunca morre!

Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG.

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