Paralisação do Teleférico e violenta operação policial deixa moradores do Complexo Alemão ameaçados e ilhados

Ciara Ní Longaigh – RioOnWatch

A paralisação por seis meses do teleférico no Complexo do Alemão, na Zona Norte, foi anunciada no dia 14 de setembro, ao mesmo tempo em que ocorriam implacáveis operações policiais na favela. Segundo a Secretaria Estadual de Transportes, o teleférico não vai funcionar até 2017, devido ao desgaste atípico dos cabos de tração, descobertos durante uma inspeção de rotina. De acordo com a secretaria, a fabricação, entrega e instalação das novas partes dos cabos de tração levarão seis meses para se concretizar.

Os moradores do Alemão prontamente demonstraram o desapontamento com a situação nas redes sociais. A artista local Mariluce Souza disse: “Alguém sabe por que recolheram todas as gôndolas do teleférico? Muita falta de respeito com o morador!”.

Usuários do Facebook comentaram detalhes da paralisação na postagem de uma matéria na página do Facebook do jornal Voz da Comunidade. Anna Carollyna Santos expressou suas preocupações com defeitos nas portas das cabines, “barulhos estranhos”, as cabines abriam do nada e “balançavam mais do que o normal, como se fossem cair”.

Outras pessoas utilizaram a ocasião para contestar a utilidade do teleférico para os moradores. Jeferson Oliveira Don afirmou que o teleférico é “insustentável financeiramente”, enquanto Luiz Pinheiro disse que o teleférico beneficia “menos de 10% da comunidade”.

Essa notícia veio após vários dias de operação da Polícia Militar no Alemão, para prender traficantes escondidos na região. Na manhã do dia 9 de setembro, o Coletivo Papo Reto relatou que os moradores acordaram com furos de balas de revólveres em carros e casas, uma vez que a operação policial ocorreu durante a madrugada. Houveram outros relatos de intenso tiroteio no dia 11 de setembro entre meia noite e 2 da manhã na Alvorada e em Nova Brasília.

Logo após a paralisação do teleférico, as operações policiais foram retomadas e intensificadas. Na manhã do dia 15 de setembro, a Polícia Militar começou uma operação que teve três dias de tiroteio, impossibilitando os moradores de saírem de suas casas.

Os moradores afirmaram terem ouvido longas rajadas de tiros, explosões e helicópteros.Vídeos e fotos na internet mostram os agentes policiais entrando nas casas e as utilizando como lugar para atirarem. O Voz da Comunidade , o Coletivo Papo Reto, assim como jornalistas comunitários e ativistas, incluindo Raull Santiago, postaram nas mídias sociais atualizações sobre a operação.

No dia 16 de setembro, dois moradores do Alemão e dois membros da Polícia Militar foram feridos no intenso tiroteio “próximo a base da UPP Nova Brasília e estação do teleférico do Itararé”. Na manhã do dia 17 de setembro, o BOPE participou da operação policial, e a violência continuou durante todo o dia.

Quando as operações terminaram na noite do dia 17 de setembro, o Voz da Comunidade relatou que sete pessoas foram atingidas no tiroteio, incluindo dois policiais militares, sendo que “três dos atingidos morreram”.

Moradores e ativistas usaram a hashtag #GuerranoAlemão para expressar o desanimo e descrença na operação policial em dominar a área. A moradora Lari Martins tuitou, “favela é um lugar de paz!”, enquanto Tiago Thomazine tuitou uma foto com vários policiais enfileirados na rua dizendo: “Isso porque tá pacificado”. Outros postaram tweets, tais como: “O que fazer quando você estuda longe e não pode ir pro colégio por causa do tiroteio?”.

Alguns moradores foram ameaçados pessoalmente quando tentaram descobrir o que estava acontecendo. No primeiro dia das operações, a Polícia Militar teria tentado intimidar ativistas comunitários e o jornalista Raull Santiago, junto com seu amigo Luciano Garcia.

De acordo com a publicação no Facebook por Raull, ele se aproximou das tropas da Polícia Militar quando os policiais puxaram um jovem rapaz para fora do ônibus, e começou a gravar. O policial então disse que se Raull Santiago e Luciano Garcia quisessem ficar e assistir, eles precisariam ser advogados ou eles teriam que prestar depoimento como testemunhas validando a prisão dos criminosos. Raull respondeu que ele só seria testemunha da agressão policial e, então, o policial começou a ameaçá-lo.

Raull Santiago disse que o policial começou a filmá-lo, dizendo que ele [Raull] ia “filmar bandido” e que ele estava “atrapalhando o trabalho policial”. Outro policial disse, “você mora ali na sem saída, no beco, eu tô ligado”. Outro policial o ameaçou diretamente dizendo, “passa uma moto a paisana, te pega e ninguém vê”.

Mais tarde, Santiago ouviu que os policiais estavam o procurando na favela, chamando-o de traficante e fazendo ameaças violentas sobre o que eles fariam se o encontrassem. Ele também recebeu mensagens de amigos dizendo que a polícia estava batendo de porta em porta o procurando. Durante a procura, a polícia o chamou de defensor da criminalidade, criminalizando a atitude dele em não testemunhar os crimes que ele, de fato, não tinha visto serem cometidos.

No dia 16 de setembro, o grupo de Direitos Humanos, Frontline Defenders (Defensores na Linha de Frente), publicou um post condenando as ameaças feitas a Raull Santiago, o qual no passado foi reconhecido pelo grupo por sua coragem e comprometimento com os direitos humanos. Santiago disse que ele estava “bem, mas alerta máximo“. Ele continuou publicando atualizações sobre a situação no Facebook e no Twitter ao longo dos três dias de operações.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

7 + dezenove =