Pescadores artesanais relatam sofrer ameaças de milícias ligadas à indústria petrolífera. Programa de proteção federal está suspenso até 2017, denuncia Anistia Internacional
O pescador Alexandre Anderson de Souza luta há décadas contra os prejuízos à pesca causados pelo esgoto e pelo avanço da indústria do petróleo na Baía de Guanabara. Ele relata ameaças por milícias e, há sete anos, precisa se mudar com frequência. Já viveu sob escolta policial e conta que foi alvo de pelo menos seis atentados. Ele atribui tais atentados a milícias supostamente ligadas aos interesses da indústria petrolífera na região.
Quando questionada sobre eventuais os conflitos com os pescadores, a Petrobras, principal petrolífera na baía, disse à DW que segue rigorosamente as medidas de controle ambiental e dialoga com as comunidades do entorno das suas unidades e empreendimentos, incluindo os pescadores da Baía de Guanabara.
Os conflitos na região, porém, de fato existem. O pescador Alexandre Anderson, sua esposa Daize Menezes de Souza e o amigo também pescador Maicon Alexandre Rodrigues de Carvalho (Pelé) passaram a integrar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), do Governo Federal, em 2009, depois que dois de seus colegas pescadores e membros da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR) foram assassinados a tiros na frente de seus familiares.
Em 2012, outros dois colegas e membros da associação de pescadores apareceram mortos por afogamento próximos de seus barcos. Devido aos constantes atentados, a sede dessa associação, em Magé, no interior da baía, permanece fechada.
Os membros ativos da AHOMAR ainda relatam ameaças e desejam a condenação dos responsáveis pelas mortes dos colegas. Mas a situação deles piorou após a suspensão, até 2017, dos convênios do programa de proteção do Governo Federal.
“As ameaças antes apenas direcionadas ao Alexandre estenderam-se a outras lideranças da AHOMAR […] O programa está desmantelado pela falta de convênios e, sem apoio, a situação dos pescadores é precária”, diz à DW a assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil, Fátima Mello.
Uma portaria do Ministério da Justiça publicada em 5 de setembro estendeu até o fim do ano a suspensão do repasse de verbas para contratos e convênios, entre eles aqueles ligados à Secretaria Especial de Direitos Humanos, que administra o PPDDH.
A secretaria nega a suspensão do programa e diz que “há cinco convênios em vigor, todos com os pagamentos regularizados. Alguns convênios foram encerrados com o próprio fim da vigência”. O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro confirma haver uma ação na Justiça pela permanência dos pescadores no programa.
Dubai brasileira
Os problemas para os pescadores se intensificaram em 2008, com o início as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O projeto de cerca de 8,4 bilhões de dólares da Petrobrás prometia ampliar a capacidade de refino da estatal e dinamizar a economia das cidades do entorno da baía, tornando Itaboraí, sua sede, a “Dubai brasileira”.
Em 2015, no entanto, a crise da Petrobrás e as denúncias da Lava Jato culminaram na paralisação das obras do Comperj. Atualmente, contrariando a crise, o projeto deve ser retomado para escoar gás do pré-sal, conforme anunciou em junho o presidente da empresa, Pedro Parente.
Segundo Breno Herrera, biólogo e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Baía de Guanabara é suporte para exploração petrolífera, e seu uso tende a aumentar diante da perspectiva de que o pré-sal na costa brasileira eleve o Brasil a um dos maiores produtores internacionais do petróleo.
Isso implica a disputa ainda maior entre pescadores artesanais e grandes navios petrolíferos pelo uso dos espelhos d’água da baía. Segundo Alexandre Anderson, a participação de empresas estrangeiras na exploração do pré-sal deve tornar a situação ainda mais confusa para os pescadores. “Antes ao menos sabíamos que os navios circulando por aqui eram da Petrobrás. Hoje, nem se sabe mais quem continuará explorando a baía”, diz.