Linchar quem matou o ambulante no metrô é Justiça ou outro assassinato?

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog

Após serem presos, os dois assassinos do vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas foram ameaçados de linchamento por pessoas que se aglomeraram em um distrito policial na Barra Funda. Barreiras metálicas foram armadas, o Grupo de Operações Especiais foi acionado e um policial teve que atirar para cima para dispersar a multidão que pedia Justiça.

Escrevi sobre o assassinato covarde de Luiz, ao defender uma travesti, na estação de metrô, sem que ninguém interviesse.

A polícia foi rápida ao identificar e prender os criminosos. Mas se o povo quer Justiça, deve esperar o julgamento de ambos, que deverão cumprir pena conforme a lei brasileira. Que, pelo menos em teoria, não prevê pena de morte.

Ao pedir o linchamento dos dois criminosos, a multidão parece querer se igualar a eles.

E depois? Lincharemos os que lincharam os que lincharam Luiz?

Em momentos de intensa emoção e de profundo desespero é bem possível que qualquer um de nós esqueça regras e normas e queira fazer Justiça com as próprias mãos. Devolvendo, assim, parte da dor e do sofrimento que alguém causou.

E é exatamente por causa disso e para evitar que entremos um ciclo de vingança sem fim trazido pelo olho por olho, dente por dente, parente por parente, vida por vida, linchando pessoas no meio do caminho, que transferimos para o Estado o poder de apurar um crime e garantir Justiça.

Que nem sempre ocorre, deixemos bem claro. Principalmente se você é pobre. Desembargadores que chamam massacres – em que 111 morrem de um lado e ninguém do outro – de ”legítima defesa” estão aí para nos provar isso. Mas as instituições que criamos ao longo de milênios, com todos os defeitos, ainda são nossa melhor alternativa frente à barbárie.

Quando uma turba resolve fazer Justiça com as próprias mãos, partindo para o linchamento de uma pessoa que cometeu um crime, usa – não raro – o discurso de que as instituições públicas não conseguirão ou não conseguiram dar respostas satisfatórias para punir ou prevenir.

Afirmam, dessa forma, que estão resolvendo – como policial, promotor, juiz, júri e carrasco – o que o poder público não será ou foi capaz de fazer, baseado em um entendimento do que é certo, do que é errado e do que é inaceitável. Mesmo que, ao final de um espancamento, isso os transforme em criminosos tão vis quanto alguém que comete o crime.

Ao se criticar execuções públicas de pessoas que estão presas, sob o controle do Estado, não defendemos ”bandido”, mas sim o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Se o pacto não funciona, que resolvamos os problemas e não joguemos ele fora.

E é exatamente a sensação de impunidade,  consequência do mal funcionamento desse pacto, que cria o ambiente propício para que outros Luizes morram à luz do dia.

O Brasil vive um clima em que, no afã de combater crimes que lesam os cofres públicos ou a dignidade humana, muitos acreditam que podemos passar por cima das leis.

Mas nenhuma exceção pode ser aberta com a justificativa de erradicar um crime sob o risco de limarmos as liberdades individuais e os direitos fundamentais nesse processo.

Muitos podem não acreditar nisso. Mas continuo insistindo em trazer esse debate aqui. Pois a alternativa é a mais completa barbárie.

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