Comunidades indígenas da região Baixo Cotingo na Terra Indígena Raposa Serra do Sol discutem mudanças climáticas e o acesso à água

CIR

O tema sobre mudanças climáticas tem sido pauta das conferências globais ocorridos nos últimos anos, reunindo países do mundo inteiro para discutir a principal fonte da humanidade, a água.

Nesse mesmo contexto de preocupação, durante três dias, 14, 15 e 16 de fevereiro, tuxauas, professores, agentes indígenas de saúde, mulheres, jovens e demais lideranças indígenas debateram sobre mudanças climáticas e o acesso à água durante a Oficina: Mudanças Climáticas, Resíduos Sólidos, Acesso e a Qualidade da Água. O evento ocorreu em uma das comunidades indígenas, mais antiga da região do Baixo Cotingo, chamada de Teso do Gavião.

Na abertura do seminário a expressão dos tuxauas, das mulheres e dos jovens indígenas que viram na ocasião uma perspectiva de melhoria na qualidade de vida das comunidades indígenas principalmente melhoria no acesso ao bem mais precioso da vida, à água, que já faz falta não só para o consumo humano, mas às plantações e aos animais. São as reações visíveis de que o clima mudou nos últimos anos e sentido no cotidiano das comunidades indígenas.

Associando a luta pela terra à luta em defesa do meio ambiente, o líder Macuxi, Waldir Tobias, Tuxaua da comunidade indígena Congresso, defensor da Constituinte de 1988 e um dos protagonistas da luta indígena no Brasil e no mundo recordou importantes eventos sobre meio ambiente e mudanças climáticas que participou ao longo da trajetória do movimento indígena. Citou a ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, que participou juntamente com o líder Davi Kopenawa Yanomami, como sendo o grande evento que questionou a relação do índio e o meio ambiente.

Tobias reafirmou o conhecimento tradicional dizendo que “o índio, os povos indígenas, nós temos um tratamento diferente com o nosso meio ambiente, pois respeitamos a natureza”. Citou vários exemplos de que, quem destrói e polui o meio ambiente, são os grandes empresários, latifundiários que causam desmatamento para fazer pastagens, mineradoras que poluem os rios e exploram a terra.

Em Roraima há várias iniciativas desastrosas, como o lixão no município de Pacaraima, causando grande destruição ambiental e poluição dos rios Miang, Surumu, Parimé e Cotingo, a Cachoeira de Tamanduá na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde existe a proposta de construção de uma hidrelétrica e consequentemente, a construção de mineradoras.

Depois de mais de meia hora de profunda reflexão deixada pela voz da experiência, voz de quem viveu e vive uma vida inteira em defesa do direito indígena, em defesa da vida dos povos indígenas, Waldir Tobias, deixou a expressão: “somos amigos da natureza e do meio ambiente”.

Para nortear o debate, a programação do evento contou com palestras, troca de experiências, mesa redonda, exibição de filmes e trabalhos de grupos (GTs). No primeiro dia, 14, houve o nivelamento de informações sobre mudanças climáticas, com a geógrafa e diretora do IPAM, Ane Alencar, a pesquisadora Isabel Mesquita e a gestora ambiental do CIR, Sineia Bezerra do Vale.

Com a presença de mais de 25 mulheres indígenas, entre jovens e anciãs, ocorreu à palestra “mulheres e a percepção as mudanças climáticas e boas práticas com água”, ministrada pela secretária do movimento de mulheres indígenas de Roraima, Telma Marques Taurepang. “As mulheres que lhe dão diariamente com a água, tem feito esse papel de preservar o meio ambiente, e nós, mulheres devemos ter o olhar diferenciado, porque o mundo precisa de nós, precisa dos povos indígenas”, expressou Telma Marques ao falar sobre o tema.

À tarde, os indígenas tiveram a oportunidade de aprofundar os conhecimentos sobre mudanças climáticas por meio da palestra “instrução ao tema mudanças climáticas e a relação com a falta de água”, ministrada pelas representantes do IPAM, Ane Alencar e Isabel Mesquita.

Na troca de experiências, o segundo dia, 15, contou com a apresentação do estudo de caso realizado em três terras indígenas localizadas na região da Serra da Lua, Jacamim, Manoá-Pium e Malacacheta, que resultou na publicação “Amazad Pana`adinha – Percepções das Comunidades Indígenas sobre Mudanças Climáticas”.

A apresentação do estudo de caso foi feita pela gestora ambiental, Sineia Bezerra do Vale, que desde 2008 coordena o projeto de Formação dos Agentes Territoriais e Ambientais Indígenas (ATAI), principais protagonistas da construção do estudo de caso. Sineia destacou a importância do estudo de caso, porque reúne várias informações coletadas pelos próprios indígenas, assim como demandas que precisam ser implementadas como políticas públicas.

Outra experiência tratou-se do projeto de acesso e proteção dos mananciais de água, executado há mais de três anos, na região do Murupu. A experiência foi relatada pelo jovem coordenador dos Agentes Territoriais e Ambientais Indígenas (ATAI) da região do Murupu, Jabson Nagelo, da comunidade indígena do Morcego. Jabson é filho do líder pioneiro da iniciativa na região, Jairo Pereira da Silva, falecido no mês de janeiro desse ano.

O seminário não só discutiu a participação e o envolvimento da comunidade indígena em relação aos cuidados e conscientização sobre o uso da água, o enfrentamento as mudanças climáticas, mas também lembrou a responsabilidade e compromisso do poder público de atender as necessidades das comunidades indígenas que sofrem com a escassez de água.

Para fazer essa abordagem, houve a presença de representantes da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), do coordenador geral do CIR, Mario Nicacio, atual coordenador do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial (PNGATI), da bióloga e professora do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Ise de Goreth. O convite foi enviado a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), mas o órgão não enviou representante.

Os representantes, além de levar informações sobre o uso da água e as preocupações com a falta, também deixaram as possibilidades de parcerias para o atendimento das necessidades, com intuito de minimizarem o problema na região.

A região do Baixo Cotingo que possui aproximadamente 45 comunidades, uma população de mais de 3 mil indígenas, tem sofrido nos últimos anos com a seca que atinge a região. O coordenador regional, Agnaldo Constantino, preocupado com a situação relatou fatos que ocorrem na região com a falta de água.

“A nossa preocupação é com as fontes que estão secando, os poços artesianos, as comunidades indígenas sem água e a gente pede apoio para as nossas crianças que estão estudando, às vezes brincando e não tem água para beber”, relatou o coordenador. A seca misturada com a chuva, reações que confundem o calendário tradicional das lideranças indígenas, tem sido umas das preocupações como contou Agnaldo, “em tempo de seca a gente planta na beira do rio, mas em seguida vem à chuva e leva tudo, não conseguimos segurar as nossas plantações”.

Embora nos últimos anos tenha sido difícil, mas esse ano, 2016, segundo o coordenador, foi um ano bom, onde as comunidades indígenas conseguiram fazer o seu plantio de melancia, macaxeira, mandioca, alimentar seus animais, porém, não diminui a preocupação e por isso buscam apoio para ações emergências.

O último dia foi dedicado para a apresentação dos trabalhos de grupos. Entre os grupos, o das mulheres indígenas que também expressaram a sua preocupação não só com a questão da água, mas com a organização social das comunidades indígenas que, segunda elas, a comunidade precisa se fortalecer para o enfrentamento contra a bebida alcóolica, apontada pelas mulheres, como o principal problema existente nas comunidades indígenas.

Maria Tobias, da etnia Macuxi, da comunidade indígena Curapá, umas das comunidades que estão entre as sete da região que mais precisam de atendimento, relatou as dificuldades que tem enfrentado com o problema da falta de água. “Quando a fonte seca, a gente passa de dois a três dias sem água, e quando volta, pegamos na vasilha para usar, por isso estamos pedindo poço artesiano, porque já abriu verão e a fonte pode secar de novo”, reivindicou Maria.

A água na região não é utilizada somente para o consumo humano, os indígenas também utilizam para os animais e as plantações da roça. Maria contou que a comunidade abriu um poço manual para os animais beberem água, “nós cavamos um poço para os nossos animais, mas não teve jeito, secou e perdemos muitos animais”, contou Maria de 68 anos, umas das mulheres indígenas da região que na firmeza da luta, tem superando dias difíceis na só para sua sobrevivência, mas dos animais e das plantações de onde vem o sustento.

Entre as diversas propostas apresentadas pelos grupos consta a construção de poços artesianos, mapeamento das fontes de água na região, a criação do regimento interno das comunidades indígenas, instalação do sistema de abastecimento de água, reflorestamento de áreas com plantio de cajueiro e buritizal, além, dos temas sobre bebida alcóolica, violência contra mulheres e sustentabilidade. E como forma de melhor atender as necessidades apresentadas, as comunidades indígenas ficaram com o deve de fazer o levantamento do uso e as fontes de água existentes na região.

Durante o debate foi visível à preocupação dos líderes mais experientes com os jovens que, segundo eles, tem pouca participação no movimento indígena. Porém, ao contrário dessa percepção, os jovens indígenas Marcos Leite Segundo, 20 anos, da comunidade indígena Teso do Gavião e Gríshima Oliveira Rodrigues, 25, da comunidade Santa Maria reafirmaram compromisso de continuidade da luta em defesa dos direitos indígenas e busca pela melhoria das comunidades indígenas.

“Eu gostei, aprendi muito e isso foi um estudo para mim, e com certeza com a nossa união, vamos melhorar a comunidade e ajudar os jovens, porque quero ser um exemplo, para que os demais jovens participem conosco com responsabilidade e respeito à comunidade e ao povo”, destacou a jovem Gríshima.

O jovem Marcos também expressou vontade e interesse de ajudar as comunidades e as lideranças. “Saúdo os Tuxauas que ainda estão de pé lutando por nós, porque acredito que essa luta não vai servir mais para eles, não, e sim, para nós, jovens e eles, que estão indo não verão mais nosso sofrimento mais tarde, então, cabe a nós, despertar os jovens a criar, fortalecer a autonomia e sustentabilidade” expressou Segundo.

No encerramento ocorreu uma breve avaliação dos parceiros e lideranças indígenas. Izabel Mesquita do IPAM apontou como positivo o evento, principalmente, por ver os mais antigos trocando experiência, a sabedoria com os mais novos e segundo ela, “os momentos de união é que são importantes para a superação dos desafios”.

O Tuxaua da comunidade indígena do Teso do Gavião manifestou gratidão pelo evento e disse que o momento foi só um passo para que as comunidades avancem nos trabalhos. “Acredito que esse momento foi um passo para que possamos avançar. Então o diálogo continua, porque é um projeto que nos trará mais atividades e informações ”.

O seminário, realizado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) por meio do departamento ambiental e territorial, teve parceria do Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia (IPAM) e Fundação Ford, com o apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e das comunidades indígenas da região do Baixo Cotingo. Houve a participação de aproximadamente 80 indígenas.

Foto: Comunidades indígenas recebem mais informações e esclarecimentos sobre mudanças climáticas – Mayra Wapichana

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