Gestão ambiental indígena no Acre: Paralelos com a “Ética do Bem Viver” e a “Ecologia Profunda” (parte 1)

Por Roberta Graf1  para Combate Racismo Ambiental

  1. Gestão ambiental e agroecologia indígena no Acre

Agradeço imensamente o convite ao Agroecol-2016. Me chamaram para falar da agroecologia dos indígenas e a Ética do Bem Viver. Para os indígenas, a agroecologia é de fato destaque, mais usualmente praticada e conhecida por eles nos SAFs (sistemas agroflorestais). Mas faz parte de algo maior e planejado: a gestão ambiental de seus territórios.2

As terras indígenas em nível nacional apresentam maior grau de conservação ambiental até mesmo do que as unidades de conservação de proteção integral, como vemos em estudos periodicamente publicados do Inpe e do ISA. Cada vez mais os próprios indígenas são protagonistas na gestão completa de seus territórios, incluindo o esforço pela conservação.

No Acre, a “gestão territorial e ambiental” (segundo a nomenclatura da lei) de terras indígenas é algo consolidado, exitoso e crescente. A agroecologia, parte desta gestão, puxa conceitos correlatos que vêm sendo trabalhados, pelos indígenas e por pesquisadores: agroecossistemas, agrobiodiversidade, segurança alimentar e nutricional e produtos da sociobiodiversidade (neste ponto, inclui os produtos do extrativismo florestal, ou seja, não só os cultivados).

A gestão ambiental de TIs surgiu como uma necessidade óbvia de zelar de um território demarcado para uma população crescente. Historicamente, os indígenas povoavam áreas mais vastas e eram nômades (algumas etnias mais, outras menos), conforme a necessidade de recursos naturais. Hoje não, estão fixos e com territórios limitados, alguns bem pequenos. O Acre é pioneiro nessa questão, pelo próprio protagonismo indígena e pela ação principal da CPI-Acre, entre outras instituições. Obteve projetos-piloto que serviram de base à importante Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI, Lei n. 7.747 de 2012).3

Todas as 15 etnias do Acre praticam agroecologia e gestão ambiental em maior ou menor grau.4 Algumas são referência nacional e até mundial no assunto, como o povo5 Ashaninka, na TI Kampa do Rio Amônia, da associação Apiwtxa. Conta com Benki Piyãko, um líder político e pajé mundialmente conhecido, revelado pelo músico Milton Nascimento na sua obra “Txai”. Seu irmão Issac foi secretário de meio ambiente de Marechal Thaumaturgo e hoje é prefeito no município, o primeiro prefeito indígena do estado. Seu outro irmão, Francisco, está há anos presente na Funai ou na Assessoria Indígena do Estado do Acre. Os Ashaninka criaram uma escola de formação agroecológica no município denominada Yorenka Ãtame – Centro de Cultura da Floresta, com cursos de formação para indígenas, vizinhos do entorno de sua terra (extrativistas, ribeirinhos e pequenos colonos) e público em geral.6

Outra referência é o povo Kuntanawa, da Área Indígena Kuntanawa do Alto Rio Tejo, em processo de demarcação, situada dentro da Reserva Extrativista Alto Juruá (a mais antiga do Brasil), também no município de Marechal Thaumaturgo. Eles ajudaram, inclusive, com protagonismo central, a criar esta reserva, junto a importantes lideranças como Txai Antônio Macedo, Txai Terri Aquino, Chico Ginú e Antônio de Paula no Vale do Rio Juruá (em concomitância com Chico Mendes, Wilson Pinheiro e outros, no Vale do Rio Acre). Trata-se, em especial, do Seu Milton, o patriarca de origem indígena desta família, cuja esposa, Dona Mariana, também de origem indígena, foram e são grandes guerreiros da causa ecológica e agroflorestal, gerando um bom número de filhos e netos também ativistas na causa, como o filho Osmildo e o neto Haru Kuntanawa, e seus vários parentes que vivem praticando SAFs e gestão ambiental em geral.7 Eles plantam e distribuem para o entorno milhares de mudas todos os anos, reflorestando e enriquecendo a mata com alimentação variada para eles e para a fauna, e com madeira e palha necessária ao seu sustento.

Por fim, uma terceira referência belíssima de recuperação de área degradada, da menor TI do Acre, de cerca de 300 hectares, que não contém nenhum igarapé, que eles receberam totalmente degradada com pastos antigos, e que hoje é um exemplo de produção agroflorestal vasta e de piscicultura, é a TI Colônia 27, do povo Huni Kuin, em Tarauacá, bem próxima da cidade. Seu cacique, Assis Kaxinawá, incansável, foi um dos mais de 200 Agentes Ambientais Voluntários indígenas formados e apoiados pelo Ibama, de 2003 em diante,8 e é também AAFI (Agente Agroflorestal Indígena), do programa exemplar da CPI, que funciona até hoje9 e conta, por épocas, com uma bolsa fornecida pelo governo do Acre.10 Com pouco apoio e muita labuta, os indígenas dessa TI apresentam uma incrível produtividade de toda espécie de frutas, leguminosas e peixes, e escoar a produção é difícil, pois o seu “ramal” (estrada de terra) está sempre repleto de atoleiros, embora seja muito perto da cidade. Este povo, também produtivo em artesanato, mantém intercâmbios e são professores de indígenas e público em geral, em diversos cursos de gestão ambiental e produção agroflorestal.

Sem desmerecer as demais TIs do Acre. As TIs Igarapé do Caucho e Nova Olinda, por exemplo, são exemplares em vigilância territorial. Trata-se da fiscalização, contra as invasões de madeireiros e caçadores, entre outros. Incansavelmente, fazem rondas de seus limites de áreas vastas, e agem com as próprias mãos, devido à imensa falta dos órgãos de controle os quais, sucateados, quase não têm presença em suas e em outras áreas (no caso, Ibama e Funai). O estado do Acre, embora elogiado e tido como um dos mais preservados, apresenta sim um alto índice de crimes ambientais, em especial extração de madeira, caça e pesca predatórias (boa parte para venda).11 O Ibama aqui está super reduzido, em especial após o fechamento, em “processo” irregular, dos seus escritórios de Cruzeiro do Sul e Sena Madureira. O Imac também é fraco, desprovido de recursos. Até a Polícia Ambiental, também diminuta, tem atuado mais fortemente do que os órgãos ambientais. Este é um cenário complicado, de sucateamento proposital da política e gestão ambiental públicas, desde o governo federal (principalmente) até os municipais, mas não é o foco desse artigo.

Os indígenas do Acre, então, fazem gestão ambiental. Elaboram seus Planos de Gestão Ambiental (PGTIs, ou PGATIs), frutos dos projetos de etnomapeamento da CPI e do etnozoneamento do governo do Acre via Sema.12 Os Planos têm sido publicados desde 2004, sendo documentos amplos,13 contendo os mapas completos, com as ocorrências dos SAFs, as áreas de refúgio de fauna e pesca, as áreas permitidas para agricultura, as áreas de pressão e vulnerabilidade (por exemplo, as que sofrem invasões), os limites e seus marcos, a localização das aldeias e dos postos que usam para expedições de caça ou vigilância e fiscalização, etc. Há também os principais dados, de população, habitação, água e saneamento, resíduos sólidos, produção agrícola e de pequenos animais, produção florestal, projeções, etc. Quanto à pecuária, há terras que permitem e outras que não. As que permitem, o fazem com fortes restrições. As que não, estão aos poucos acabando com os rebanhos.

Nos PGTIs, há recomendações das melhores práticas de gestão para cada assunto, e em alguns casos, metas, para cada ano, por exemplo. Os Planos são revistos periodicamente, em geral a cada 5 anos, usados e disseminados em reuniões internas e externas, periódicas. A depender do apoio financeiro do governo e/ou de editais, alguns Planos têm sido impressos em lindas publicações coloridas bilíngues (português/língua materna indígena), e contém muitas fotos e figuras que realçam a valorização cultural. Todos eles estão imbuídos de educação bilíngue e pesquisa e revalorização cultural constante, dos seus ancestrais, nas histórias, conhecimentos agroecológicos e medicinais,14 pinturas (os kenê),15 artesanato (como cerâmica, tecelagem, de borracha [tapetes, utensílios, enfeites, sapatos, bijuterias], cocares, colares e pulseiras [de algodão tecido ou miçangas]), desenhos, canções, rezas, rituais, etc.

Os indígenas acreanos têm praticado o etnoturismo, de forma incipiente, principalmente através de festivais anuais (com destaque ao festival Yawanawá da Aldeia Nova Esperança, na TI Rio Gregório, mas quase todas as terras possuem seu festival anual, de maior ou menor porte). Os festivais lhes têm sido ótima oportunidade da ampliação de alianças e projetos de apoio com variadas pessoas e instituições nacionais e internacionais que procuram ajudar as causas indígena e ecológica.16

Com destaque aos AAFIs, os indígenas também fazem, sistematicamente, educação ambiental e agroflorestal, dentro e fora das escolas, em todas as reuniões e eventos, para seu público de todas as idades. Nas questões  de água, saneamento e gestão de resíduos sólidos, contam com significativa ajuda dos agentes de saúde e sanitários (AIS e AISANs, respectivamente).17

Os AAFIs possuem uma importante associação estadual, a Amaaiac, desde 2002, e os professores, a Opiac, ainda mais antiga. Ambas funcionam com apoio da CPI, captam recursos e promovem abundantes projetos de plantio, formações e intercâmbios indígenas. Há também a Sitoakore, organização de mulheres indígenas. O povo Huni Kuin possui uma federação, já que são espalhados em muitas terras e municípios (a FEPHAC). E cada terra possui uma ou mais associações juridicamente estabelecidas. A organização e  institucionalização crescente de suas ações e demandas demonstra seu profissionalismo, e tem sido efetivamente cada vez mais necessário para assegurar sua participação nas redes de governança socioambiental (como conselhos, fóruns, etc), nos movimentos sociais organizados e ter acesso a editais e fontes de financiamento.18

Em termos de produção agroecológica, mormente na forma de SAFs, há muita fartura. A cultura indígena é conhecida por valorizar a fartura e a diversificação alimentar. Produzem macaxeira (mandioca – e a farinha dela), variedades de inhame, cará e batata, amendoim (mudubim), milho, feijão, frutas exóticas e nativas da mata enriquecida (como banana, mamão, limão, laranja, graviola, abacate, cacau, cana, coco, pupunha, cupuaçu, açaí, buriti, bacaba), temperos, plantas medicinais e derivados (“garrafadas”, pomadas, os produtos in natura – como óleos de copaíba e andiroba – e cosméticos, etc, de produção e comercialização ainda tímida). A CPI contabiliza 188 espécies agroecológicas nas TIs acreanas (ROCHA, 2016). Procura-se enfatizar a produção e uso de sementes nativas. Felizmente, não se observa a penetração de agrotóxicos. A maior parte da produção é de consumo interno, mas há comercialização do excedente, a depender das condições de escoamento da produção (nada simples no Acre, pois chove muito – má condição de ramais – e a maior parte das aldeias estão bem distantes das cidades – alto consumo de gasolina nos barcos). Estão começando a criar abelhas (meliponicultura), com interesse crescente, e têm a prática de coletar mel nativo (como da abelha jandaíra). Também manejam quelônios, para repovoamento dos corpos d’água (rios e igarapés) e consumo alimentar. Reflorestam áreas, principalmente de matas ciliares, e recuperam áreas degradadas com práticas agroecológicas.

Em piscicultura, produzem variadas espécies, principalmente o tambaqui, e pescam variadas também. Na pesca, têm procurado eliminar ou controlar o uso do tingui e outras plantas venenosas (proibidas na legislação, mas de uso cultural arraigado).19 Na caça, usam de tudo, mas têm procurado caçar de forma controlada, mantendo espécies e áreas de refúgio, conforme verificam alguma espécie diminuir em diários de caça (monitoramento de caça). Sempre caçam somente para subsistência. As espécies mais comuns são paca e cutia, inclusive pela abundância, mas apreciam anta e veado (ambas tidas como nobres), jabuti, porquinho (queixada) e muitas outras. Procuram ter boas práticas, como preservar filhotes e fêmeas prenhas. O povo indígena acreano em geral é carnívoro, mas não em excesso como os não indígenas urbanos. Inclusive em termos de criação de animais, há criação de variadas espécies exóticas (galinha, pato, ganso, porco, ovelha, etc). Há projetos bem pequenos e a maioria ainda não exitosa de criação (manejo) de animais silvestres para consumo, como paca, cutia, capivara e jabuti, mas devido à dificuldade e à falta de apoio, ainda não há avanços significativos nesse tema.

Quanto às madeiras e palhas para construção, há preocupação de plantio e boa gestão, e muitas aldeias têm optado pela alvenaria nas novas construções de casas e locais coletivos (escola, sede da associação), com apoio de projetos ou da CEF (Programa Minha Casa, Minha Vida), ainda que com arquitetura e pintura indígenas, exatamente para preservar os recursos florestais, já em declínio. Não há comercialização de madeira. Plantam madeiras-de-lei (mogno – aguano, cerejeira, cedro) e palheiras (paxiúba, jarina, jaci, etc).

Há uma preocupação presente, já atentada pelos indígenas, de declínio do cultivo de alimentos em favor da compra de produtos industrializados, o que atinge frontalmente a segurança alimentar e a valorização cultural. Isso ocorre com as TIs muito próximas das cidades ou das estradas. Com a chegada também de mais dinheiro vivo nas aldeias, crescente com políticas sociais inclusivas (como as aposentadorias rurais e as bolsas-família) e a própria profissionalização endógena (professores, agentes de saúde, sanitários e agroflorestais – todos indígenas), a “tentação” de comprar as coisas prontas nos supermercados é grande e efetivamente ocorre. O que causa grande preocupação, porque, com o dinheiro “pouco”, dão preferência aos produtos “ruins” (refrigerante, açúcar, suco em pó e macarrão, conservas de carne enlatada, frango e carne bovina das grandes empresas), repletos de agrotóxicos, transgênicos, corantes e toda a sorte de substâncias prejudiciais à saúde. Bem como, o lixo, as famosas sacolas plásticas e muitas embalagens e “bugigangas” de consumo barato. Por fim, com isso corre-se o risco de ir pretendo a prática e conhecimento da agroecologia e da sociobiodiversidade. Um rico conhecimento, abundante em sua cultura. As lideranças indígenas percebem isso, e fazem esforços contrários. Porém, a população cresce, o impacto socioambiental capitalista chega a todos, indistintamente. É um desafio crescente combate-lo, para indígenas e as populações tradicionais e rurais em geral.

Um dos muitos desenhos que compõem os trabalhos dos AAFIs e os PGTIs do Acre. Desenho de Arlindo Kaxinawá. Fonte: OCHOA & TEIXEIRA, 2006.
  1. A cultura indígena como apoio à gestão ambiental

Há diversos fortes atributos da cultura indígena, em especial presentes nas etnias do Acre, que venho ressaltar aqui, que em tudo coadunam positivamente à gestão ambiental/ecológica.

Eles são comunitários e coletivos, de fato. Tudo é pensado coletivamente. A construção e distribuição das casas e roçados, as equipes de vigilância, as turmas de caçada, pescaria, plantio e etc. Toda o produto agrícola, florestal e da caça e pesca é partilhado: se for pouco, dentro da família, e se for muito, dentro da aldeia ou para um conjunto de famílias. Os que têm salário contribuem mais, financeiramente, com a associação e os eventos, proporcionalmente, e isso é demonstrado com transparência nas assembleias.

Eles são democráticos internamente. Bem mais do que os não índios, nos dão grandes exemplos de política. As decisões são lentamente construídas em dias de reuniões, se preciso for, todo mundo efetivamente tem voz ativa. As lideranças agem democraticamente, e quando não o fazem, são trocadas. Consideram-se lideranças os caciques, os líderes de aldeias, professores, agentes (de saúde, sanitários e agroflorestais), os anciãos e pajés, os líderes de grupos de jovens, de mulheres e de artesãos.

Eles são espiritualizados. Há farta literatura e estudo antropológico sobre a espiritualidade indígena, fortemente conectada com a natureza. Para eles, cada ser ou elemento natural (incluindo todas as plantas, animais, o solo, as águas, o vento, o sol, a lua, as estrelas, etc) possui espírito (yushin), se comunica com eles, é sagrado e tem a mesma importância que eles. Algo que será analisado mais adiante, nas Éticas do Bem Viver e da Ecologia Profunda. Não se pode impactar ou mau usar os recursos naturais, pois espiritualmente eles se vingam dos homens, e vice-versa: se bem tratados, conferem saúde física, mental e espiritual. Tudo é permeado de espíritos, e é preciso trata-los bem. O xamã (pajé) transita entre eles, conversa, negocia com eles.

Em particular, as etnias do Acre consagram a espiritualidade junto à bebida Ayahuasca,20 chamada por eles nos nomes maternos, como Huni, Nishi Pãe e Kamarãpi. Com destaque aos povos Ashaninka e Huni Kuin, os grandes professores da Ayahuasca, eles obtém boa parte de sua orientação de como agir através do seu uso ritual/religioso. E a Ayahuasca, de fato, segundo as pesquisas publicadas, proporciona a ampliação da percepção da natureza, e portanto das práticas de sua conservação. Para os indígenas, a prática ambiental e ecológica está ligada com sua espiritualidade, e arrisco dizer, com segurança de minha vivência de 20 anos nesta seara, que os indígenas do Acre são ainda mais ecológicos e espiritualizados que a média nacional, pelos benefícios conferidos pela Ayahuasca.21

Artigo vinculado à palestra da autora no Seminário Agroecol-2016, na UFGD – Universidade Federal Grande Dourados, em novembro de 2016.

Notas:

  1. Servidora do ICMBio / CNPT / Acre, ex-servidora do Ibama / Acre e doutora em Gestão e Política Ambiental pela Unicamp, com atuação nestas áreas e correlatas há mais de 23 anos, em universidades, ONGs e instituições públicas.
  2. Gestão “ambiental” é o termo mais usado e aceito, porém também pode ser visto, em especial para os indígenas, como gestão “socioambiental” ou mesmo “ecológica”.
  3. A PNGATI surgiu de um processo lento e participativo de elaboração, de 2008 a 2012, fruto de um GT entre o MMA, a Funai e a Apib.
  4. No Acre, são 15 etnias, distribuídas em 27 terras povoadas, em cerca de 305 aldeias, num total de mais de 17 mil indígenas.
  5. Os indígenas preferem o termo “povo” à “etnia”, e assim também têm-se guiado, cada vez mais, os autores e a legislação. O conceito de “populações” tradicionais também tem dado lugar ao de “povos”.
  6. Ver em: http://apiwtxa.blogspot.com.br/2010/08/yorenka-atame-centro-de-cultura-da.html.
  7. Para mais detalhes dessa bonita história do ressurgimento étnico Kuntanawa, ver o livro de Mariana C. Pantoja Franco, “Os Milton” (2008).
  8. Coordenei o Programa dos AAVs de 2006 a março de 2011, quando extinto pelo Ibama, mas continuei apoiando os AAVs indígenas e não indígenas de diversas formas: outros cursos de formação, visita às áreas, obtenção de recursos financeiros para uso direto pelos AAVs (por exemplo, com apoio da Dra. Meri Cristina Gonçalves do MPE via transação penal) e redação e revisão de projetos de gestão ambiental em TIs. Com apoio dos valorosos colegas do Ibama, formei mais de 500 AAVs, sendo cerca de 200 indígenas, de 44 terras e áreas não demarcadas, a maior parte no Acre, mas contemplando também o sudoeste do Amazonas, incluindo outras 4 etnias. Atingimos todas as terras indígenas povoadas do Acre. E até hoje, mesmo estando no ICMBio / CNPT há três anos, embora o Centro tenha como foco principal os extrativistas das UCs, e o Instituto apresente extrema carência de servidores, procuro apoiar e alavancar a agenda indígena tanto quanto possível.
  9. O programa da CPI-Acre, de formação continuada e apoio às ações práticas dos AAFIs nas aldeias, é exitoso, bem conhecido e documentado, e foi o pivô da gestão ambiental indígena no estado. Em execução de 1996 até hoje, conta com mais de 170 AAFIs na ativa.
  10. O governo do Acre apoia os indígenas por meio da Aepi, do setor indígena da Sema (programa de etnozoneamento) e da ATER indígena da Seaprof, principalmente. Mas há críticas constantes dos indígenas aos governos das três esferas, de que falta apoio, por exemplo na saúde, educação, produção e escoamento, e manutenção de ramais.
  11. Há iminência de problemas bem mais sérios, que continuam com dados sigilosos, nos gabinetes de governo e empresas, por exemplo as explorações de gás natural (e talvez petróleo) no Vale do Juruá e as rodovias e ferrovias “transoceânicas” que pretendem cruzar o Brasil até o Oceano Pacífico, e atingir o Peru via Acre, cruzando UCs e TIs na região de maior biodiversidade do mundo (Serra do Divisor).
  12. Uma experiência semelhante de bom êxito é o programa de Cartografia Social, coordenada por Alfredo Wagner B. de Almeida, da Ufam. Um dos seus projetos beneficiou a Área Indígena Kuntanawa do Alto Rio Tejo, supracitada.
  13. Similares aos planos de manejo de unidades de conservação.
  14. Os indígenas acreanos costumam fazer seus “parques medicinais” ou “parques de cura” nas clareiras da floresta, em geral em torno de uma frondosa árvore de samaúma, para eles sagrada e também chamada de “rainha da floresta”. Estes parques são o enriquecimento da mata com plantas nativas medicinais e ornamentais. Geralmente liderados pelos próprios pajés.
  15. Os kenê são grafismos típicos indígenas, em geral com geometria simétrica. São figuras ancestrais e de pesquisas atuais, todas ensinadas pelo espírito da jiboia. A jiboia é, para eles, um animal especialmente sagrado, que ensina os kenê, boa parte do artesanato (como a cerâmica e a tecelagem, essa também inspirada pela aranha) e os cantos. É preciso invocar e entrar em contato com a jiboia para aprender, ter autorização e supervisão dela. Mormente através dos rituais com Ayahuasca, a serem comentados mais adiante. Aliás, foi também a jiboia encantada que os ensinou a preparar a Ayahuasca e que dirige, espiritualmente, todo o ritual. Há também a prática do uso da sananga e do bawã, ambas plantas das quais se faz colírios para os olhos, que curam doenças físicas e abrem a visão espiritual da pessoa.
  16. Se bem que há, também, impactos negativos, mas observo que os indígenas têm cada vez mais se precavido quanto a isto, na seleção e orientação da entrada de pessoas nos festivais, principalmente estrangeiros. Já houve pelo menos um caso de biopirataria/“pirataria cultural” que tomei conhecimento, afora outros que podem ter havido. E há numerosos riscos de impactos culturais, de entrada de drogas e/ou crimes, de venda ou doação (proibida) de artesanato de origem animal (em especial os cocares), e de impactos ambientais em si, com a entrada de muita gente de uma vez em áreas preservadas. Esse tema é muito amplo para o artigo, mas também é objeto de atuação minha e de outros atores, em especial da Funai local, que busca apoiar os festivais, mas alertando para as boas práticas de minimização dos impactos. De qualquer forma, repito, os festivais têm tido visível impacto positivo para as populações indígenas, para a valorização cultural e a gestão ambiental.
  17. O abastecimento de água tem avançado mais rapidamente nas aldeias, com esforços de instalação de poços artesianos ou similares, e na melhor gestão de cacimbas. Já nas questões de saneamento básico e de resíduos sólidos, há muito o que avançar. Ainda há considerável “esgoto” a céu aberto e nos corpos d’água e má disposição de lixo, inclusive com a péssima prática da sua queima. E ainda há considerável uso direto de sabão e detergente nos corpos d’água, questão preocupante, e particularmente grave no caso dos açudes, que rapidamente eutrofizam.
  18. As associações indígenas participam de conselhos de governança socioambiental e de movimentos sociais, crescentemente ocupando os espaços políticos. A Amaaiac, por exemplo, participa do Consea (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional) e da ANA (Articulação Nacional de Agroecologia). Também participam de intercâmbios e efetuam viagens individuais ou em grupos para tratar de variados temas ambientais, políticos, culturais e espirituais/religiosos, nacional e internacionalmente.
  19. Assim como o controle ou abandono do tingui, outras questões polêmicas que as lideranças indígenas têm procurado controlar, nos PGTIs e na prática, são a diminuição do uso do fogo (comum culturalmente), o consumo de ovos de tracajá, o transporte de carne de caça para a cidade e a venda de artesanato animal (contendo penas, ossos, dentes e peles). A venda de artesanato de penas é especialmente preocupante, e infelizmente muitos indígenas ainda têm essa prática ilegal, sofrendo, às vezes, sanções dos órgãos ambientais quando pegos em fiscalização. A legislação restritiva é nacional e necessária diante do grave cenário de diminuição da fauna, e, embora a maioria dos indígenas não concordem com ela, com referência à sua prática cultural histórica, têm que se adaptar.
  20. Bebida milenar, de amplo uso dos Andes à baixa Amazônia, já mundialmente espalhada pelas doutrinas do Daime e da União do Vegetal, obtida pelo cozimento do cipó banisteriopsis caapi com a folha do arbusto psychotria viridis.
  21. Há o uso de outras plantas de poder ou “plantas professoras” (ALBUQUERQUE, 2011), como o tabaco e o paricá (angico branco), usados mormente na forma de rapé, e o mucá, uma batata altamente sagrada e acessível somente a quem pratica longas dietas, retiros e formações junto a pajés experientes.

Imagem destacada: O povo Ashaninka em uma das atividades de etnomapeamento – Foto de Ricardo Maia.

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