MPF/RJ denuncia médico da ditadura por participação em tortura

Essa é a 31ª ação penal ajuizada pelo MPF em face de agentes da ditadura militar envolvidos em crimes contra a humanidade

Procuradoria da República no Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) denunciou o general reformado Ricardo Agnese Fayad como partícipe das torturas aplicadas contra o dissidente político Espedito de Freitas, praticadas no Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, entre os dias 10 e 22 de novembro de 1970.

O crime foi cometido no contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população, promovido pelo governo militar da época e, por esse motivo, é imprescritível e insuscetível de anistia, sustentam os procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama e Antonio do Passo Cabral, que assinam a denúncia. Esta é a 31ª ação penal ajuizada pelo MPF em face de agentes da ditadura militar envolvidos em crimes contra a humanidade naquele período.

Segundo apurou o MPF, a vítima Espedito de Freitas foi sequestrada por agentes do DOI do Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1970, próximo à sua casa, e conduzida, encapuzada, para o Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca, onde também funcionava o DOI.

Segundo a denúncia, Espedito foi colocado em pau-de-arara, sofreu queimaduras com cigarro e choques elétricos lhe foram aplicados pelo corpo. Após algumas horas de tortura, a vítima foi levada a uma cela no interior do DOI. Lá, apareceram um cabo-enfermeiro, chamado de “Gil”, e um médico posteriormente reconhecido pela vítima como sendo o denunciado Ricardo Fayad. Na ocasião, o general reformado determinou que o enfermeiro aplicasse uma injeção na vítima para que ela suportasse o prosseguimento das torturas. Nos dias que se sucederam, Fayad, mesmo inteiramente ciente da prática sistemática de torturas e lesões corporais como forma de repressão política e obtenção de informações, omitiu-se de seu dever ético-legal de médico, de prestar o devido atendimento aos ferimentos decorrentes da sessão de tortura contra a vítima.

Médicos torturadores – Segundo o relatório final apresentado pela Comissão Nacional da Verdade, “a existência de uma metodologia a embasar a tortura explica também a presença de médicos e enfermeiros nos centros de tortura. Denúncia apresentada em 24 de julho de 1970 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos já apontava a presença de médicos militares nas câmaras de tortura. Esses médicos supostamente atuariam nesses locais para tratar dos presos após as sessões de tortura, mas o que na realidade faziam era distribuir tranquilizantes e outros paliativos – omitindo-se, no mais das vezes, quanto à medicação apropriada. Tinham também a função de avaliar os limites da resistência dos presos à tortura e contribuir com a manutenção deles em estado no qual pudessem continuar a ser interrogados. Os médicos faziam diagnósticos sobre a resistência dos presos, aplicavam-lhes injeções com estimulantes (quando ocorressem desmaios) e usavam relaxantes musculares para que os corpos das vítimas voltassem a ficar sensíveis aos golpes”.

Especificamente em relação ao denunciado Ricardo Fayad, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) determinou a cassação de seu registro profissional em 1994, decisão posteriormente confirmada pelo Conselho Federal de Medicina. A cassação pelo Cremerj, no entanto, foi anulada judicialmente − por decisão contra a qual ainda há recurso pendente de apreciação.

No âmbito das investigações desenvolvidas pelo MPF, a testemunha Maria Helena Gomes da Silva, viúva do médico já falecido Amílcar Lobo, igualmente envolvido nos crimes de tortura e homicídio cometidos no DOI do I Exército, relatou que a função de seu marido no Destacamento era “tratar dos ferimentos apresentados pelos presos, fazendo suturas, ministrando relaxantes musculares para que o preso aguentasse as dores e tratando dos machucados, muitas vezes nas regiões genitais. Houve também um caso em que ele recebeu a ordem de ministrar uma substância para uma presa política que havia recentemente dado à luz para fazer secar o leite”. Especificamente a respeito do denunciado, a testemunha confirmou que o general Fayad atendia na enfermaria da Polícia do Exército (situada em prédio anexo às salas de interrogatório e às celas) na parte da tarde, e que durante o expediente tanto Amílcar Lobo como Fayad eram chamados para atender presos políticos.

Intimado a depor pelo MPF, o denunciado optou por permanecer em silêncio.

Ação penal nº 0014922-47.2018.4.02.5101, distribuída à 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

Leia a íntegra da denúncia.

Image ilustrativa (iStock Photo)

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