Campanha em defesa dos direitos indígenas: pelo direito do povo Kaingang à tradução em processo judicial

Constantemente negada no Brasil, a tradução de processos judiciais é imprescindível para que indígenas tenham acesso à  Justiça. Participe da campanha

Do Cimi

Contrariando dispositivos constitucionais e internacionais, o poder Judiciário brasileiro vem reiteradamente negando aos povos indígenas o direito à diferença, impedindo que se expressem em sua língua nativa e que tenham acesso a intérpretes e à tradução de documentos e peças dos processos judiciais em que estão envolvidos. Assim, o direito à ampla defesa e a própria compreensão dos processos ficam prejudicados, perpetuando as injustiças contra os povos indígenas no Brasil.

Recentemente, o Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4) negou ao Povo Indígena Kaingang, do estado do Rio Grande do Sul, o direito de se expressar na própria língua, ter traduzidas as peças processuais e contar com o acompanhamento de um intérprete na língua originária, bem como a realização de perícia antropológica nos processos criminais em que os indígenas são acusados.

Tais medidas são usuais em outros países, que tomam por base tratados internacionais dos quais o Brasil também é signatário, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Ignorando estes mecanismos internacionais e a própria Constituição Federal, os Tribunais brasileiros têm negado estes direitos, especialmente na região sul, sob o argumento de que os indígenas estariam “integrados” à sociedade nacional brasileira. Trata-se de um conceito ultrapassado: em 1988, a Constituição Federal aboliu o caráter integracionista ao reconhecer, no artigo 231, a organização social, os costumes, línguas, crenças, tradições e direitos originários dos povos indígenas.

Um Recurso em Habeas Corpus, de número 86305/RS, reivindica o acesso a tais direitos para os Kaingang, reformando a decisão do TRF, e atualmente tramita na 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A data do julgamento ainda deverá ser definida.

Agradecemos o seu apoio. A causa indígena é de todos(as) nós!

Participe: Envie emails aos ministros da sexta turma do STJ pedindo que garantam o direito dos Kaingang à tradução, ao acompanhamento de intérpretes e à expressão na própria língua. Incluímos abaixo uma sugestão de carta e os endereços eletrônicos dos Ministros.

Um parecer da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) sobre o tema, disponível AQUI, também pode ser anexado.

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Sugestão de carta:

Assunto: Recurso em Habeas Corpus Nº 86305 / RS

Excelentíssimo Senhor Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ),

Além da Constituição Federal cabe citar os tratados internacionais que o Brasil é signatário, a exemplo, a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DADPI) e a Declaração Universal sobre os Direitos Linguísticos, os quais sedimentaram o arcabouço jurídico protetivo dos direitos dos povos originários.

Na Constituição de 1988 destaca-se a proeminência com que o constituinte originário tratou as questões indígenas, disciplinando a matéria em inúmeros dispositivos como nos arts. 20, XI; 22, XIV, 49, XVI; 109, XI; 129, V; 176, § 1º; 210, § 2º e, especialmente no capítulo VIII do tà­tulo VIII que trata da ordem social, constituídos pelos arts. 231 e 232¹.

O Recurso em Habeas Corpus Nº 86305 / RS, que será julgado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, defende o direito de se expressar na própria língua, a tradução das peças processuais e de intérprete na língua originária, bem como a realização de perícia antropológica para melhor compreensão dos fatos de acordo com a cultura e não da condição dos réus. Neste sentido, transcrevemos uma breve síntese do trabalho da doutora Luciana Ramos, sobre o Povo Indígena Kaingang:

“Muitas vezes os Kaingang adotam terminologia e prática do sistema jurídico nacional internamente às suas TIs. Todavia, isto não significa que, entre eles, elas tenham o mesmo conteúdo, significado ou valor argumentativo. Deste modo, nota-se que o sistema jurídico nacional está, ao mesmo tempo, dentro e fora do sistema Kaingang: está fora, porque é outro sistema lógico e de significação, mas também está dentro porque os Kaingang o incorporam como complementar ao seu próprio.” (RAMOS, Luciana Maria de Moura. Vénh Jykré e Ke Há Han Ke: Permanência e Mudança do Sistema Jurídico dos Kaingang de Tabagi. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. UnB, 2008)

Oportuno reforçar a menção de que a doutrina e os Tribunais brasileiros já abordaram intensamente o tema sobre direitos indígenas, consagrando entendimento de que determinados conceitos não foram recepcionados pelo constituinte de 1988, dentre os quais a tese da integração. É o que defende o jurista e ex-presidente da FUNAI, Carlos Marés², quando discorre sobre a Constituição de 1988 e a Tutela. Vejamos:

A Constituição de 1988 reconhece aos índios o direito de ser índio, de manter-se como índio, com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Além disso, reconhece o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Esta concepção é nova, e juridicamente revolucionária, porque rompe com a repetida visão integracionista. A partir de 5 de outubro de 1988, o índio, no Brasil, tem direito de ser índio.

Sobre a situação jurídica dos povos indígenas, foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 3.388/RR, referente ao caso Raposa Serra do Sol que, a proteção constitucional não se limita aos indígenas que optaram por permanecer isolados. Vejamos parte da ementa:

4. O SIGNIFICADO DO SUBSTANTIVO “ÍNDIOS” NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O substantivo “índios” é usado pela Constituição Federal de 1988 por um modo invariavelmente plural, para exprimir a diferenciação dos aborígenes por numeradas etnias. Propósito constitucional de retratar uma diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica. Índios em processo de aculturação permanecem índios para o fim de proteção constitucional. Proteção constitucional que não se limita aos silvícolas, estes, sim, índios ainda em primitivo estádio de habitantes da selva.

Por estes motivos, manifestamos nosso apoio ao pleito da Comunidade Indígena Kaingang, para que seja reconhecido o direito de se expressar na própria língua perante o Poder Judiciário, a tradução das principais peças processuais e de intérprete, assim como a elaboração de perícia antropológica para melhor compreensão dos fatos de acordo com a cultura, assim como já ocorre em outros países.

Local e data.

Organização responsável

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1. APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO 0003846-47.2002.4.01.3700 (2002.37.00..003918-2)/MA – TRF1. RELATOR DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN.

2. SOUZA FILHO, Carlos Federico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. P. 106/107. 1ª Ed. (ano 1998), 7ª reimpressão (ano de 2010). Curitiba: Juruá, 2010.

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Nome e endereço eletrônico dos ministros da 6ª Turma do STJ:

Ministro Antônio Herman Benjamin
[email protected]

Ministro Napoleão Maia Filho
[email protected]

Ministro Mauro Campbell Marques
gab.min.campbellmarques@stj.jus.br

Ministro Benedito Gonçalves
apoio.beneditogoncalves@stj.jus.br

Ministra Assusete Dumont Reis Magalhães
[email protected]

Ministro Sérgio Luiz Kukina
[email protected]

Ministra Regina Helena Costa
[email protected]

Ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria
[email protected].br

Ministro Og Fernandes
[email protected]

Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto
[email protected]

Menina Kaingang, Foto de Lylian Cândido.

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