Após as críticas que recebeu por ter declarado, nesta segunda (17), que ”a partir do momento que a família é dissociada”, por ”agendas particulares que tentam impor ao conjunto da sociedade”, ”áreas carentes”, ”onde não há pai e avô”, apenas ”mãe e avó” transformam-se em ”uma fábrica de elementos desajustados” que tendem a ingressar em ”narcoquadrilhas”, o general da reserva Hamilton Mourão afirmou que fez apenas uma ”constatação”. E trouxe mais um preconceito.
”Eu deixei claro que esse atingimento da família é muito mais crucial nas nossas comunidades carentes, onde a população masculina, em grande parte, está presa, ligada à criminalidade ou já morreu, e deixa a grande responsabilidade de levar a família à frente nas mãos de mães e avós”, afirmou.
Ou seja, na tentativa de mostrar que foi criticado gratuitamente pela imprensa, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro conseguiu acrescentar outro elemento além do machismo, da homofobia e do preconceito contra pobres presentes na fala de ontem. Pois, de acordo com essa declaração, grande parte dos homens moradores de comunidades pobres são bandidos: estão presos ou ligados à criminalidade. O que é uma afirmação rasa e uma premissa perigosa.
As taxas de resolução de homicídios são muito baixas no Brasil. Ao mesmo tempo, a maioria esmagadora de furtos e assaltos são resolvidos apenas quando há flagrante policial, porque a investigação também é limitada. É possível traçar perfis de quem cumpre pena e medidas socioeducativas, mas não extrapolar para o universo de uma comunidade carente. O perfil da principal vítima de violência, contudo, é facilmente identificável: jovem, negro e pobre.
Talvez esses preconceitos estejam tão enraizados na visão de mundo do general que ele não perceba que a existência desses problemas não está relacionada com o tipo de família estabelecida, o gênero dos envolvidos na educação e no cuidado com as crianças ou mesmo a classe social. Mas a uma série de outros elementos de responsabilidade do poder público, como a criação de oportunidades aos mais jovens, a presença do Estado através de equipamentos de assistência social, educação e saúde de qualidade, a urbanização de bairros pobres, entre outros, tudo discutido em conjunto com a comunidade.
Pelo contrário, a experiência tem mostrado que mulheres apresentam um posicionamento mais crítico ao discurso da violência do que os homens (discurso promovido, aliás, pelo próprio cabeça da chapa do general) e são mais racionais e estáveis na gestão dos recursos, tanto que em programas de moradia popular ou de transferência de renda, o registro familiar é feito em nome delas e não deles.
Ao mesmo tempo, o mais lucrativo crime organizado não está nas favelas, mas nos bairros ricos onde moram políticos e empresários que sugam bilhões dos cofres públicos ou dos grades traficantes que são responsáveis pelo comércio internacional de psicoativos ilegais.
Nessas horas falta um amigo honesto que chegue no ouvido dele e explique que ele está sendo criticado não por cobrar que o Estado esteja presente através de creches e escolas integrais e de boa qualidade, como acertadamente afirmou em seus discursos. Mas por destilar preconceitos e nem se atentar disso.
Em tempo: O Ministério Público Militar pode enumerar dezenas de casos de desvios milionários praticados tanto por praças quanto por oficiais de alta patente. Eles vão da cobrança de propina em contratos a roubo de peças de tanques militares. Mais de uma centena de militares já foi condenada por crimes desse tipo entre 2010 e 2017. Sobre isso, vale a pena ler a reportagem de Leandro Prazeres, do UOL. Diante disso, afirmar que isso prova que o Exército é tão corrupto quanto qualquer outra instituição da República e que a ausência de comando faz da instituição uma ”fábrica de elementos desajustados” é preconceito ou apenas uma ”constatação”?.
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Imagem: Jair Bolsonaro, Levy Fidelix e Antonio Hamilton Mourão. Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo