Empresa Herculano, que já teve uma barragem de rejeitos rompida, faz de tudo para avançar seu projeto em Minas
Luiz Paulo Guimarães de Siqueira*, no Brasil de Fato
O município do Serro é conhecido nacionalmente por suas inúmeras atrações, famoso pelos saborosos queijos, pelas belas igrejas, pela arquitetura urbana tradicional centenária e por seus distritos, que atraem milhares de turistas com suas deslumbrantes paisagens e cachoeiras.
Localizado na região central da Serra do Espinhaço, sua formação, no início do século XVIII, remete à busca e exploração de pedras preciosas pelos bandeirantes. A singularidade e beleza do patrimônio histórico-cultural do Serro teve um importante reconhecimento em 1938, quando se tornou a primeira cidade do país tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Porém, todo esse patrimônio está ameaçado pelo avanço da mineração no município.
A empresa Herculano, que recentemente obteve os direitos minerários da multinacional Anglo American, pleiteia a instalação de um grande projeto de extração de ferro, denominado “Projeto Serro”. Apesar de ser uma corporação pequena, com ativos em Itabirito, a mineradora Herculano ganhou os holofotes da grande mídia quando, em 2014, teve sua barragem de rejeitos rompida causando a morte de três trabalhadores, a contaminação de cursos d’água e graves impactos ambientais na bacia hidrográfica do Rio da Velhas. Os sócios-proprietários e o engenheiro de minas da empresa foram indiciados por crimes ambientais e por crime de homicídio doloso – quando se assume o risco de matar.
A mineradora Herculano tem feito de tudo para avançar com seu projeto e obter as licenças ambientais para iniciar a exploração mineral. No último período se esforçou para influenciar a elaboração do plano diretor do município e, recentemente, apresentou ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) uma solicitação de declaração do poder executivo que autorize o prosseguimento do processo de instalação do empreendimento.
Em suas propagandas a mineradora afirma que o projeto não impactará as águas, não irá causar emissão de poeira, o transporte do minério por caminhões não causará incômodos às comunidades e nenhum transtorno social será gerado com a mineração. Além disso, defende que as únicas consequências do projeto serão benefícios econômicos com a extração do ferro.
Triste exemplo
Ora, foi esse mesmo discurso que a Anglo American utilizou para se instalar em Conceição do Mato Dentro e, infelizmente, os resultados foram bem diferentes das promessas propagandeadas. Importante lembrarmos que o “Projeto Serro” já foi apresentado e recusado pelo Codema em 2015. Na época, a empresa proponente era a Anglo American, agora, a Herculano apresenta o mesmo projeto, mas fragmentado, alegando que os impactos terão proporções menores. Entretanto, em seus documentos a mineradora deixa claro que o projeto pode ser ampliado na medida que apresentar bons resultados.
Em 2015, um dos motivos que levou o Codema a recusar o projeto foi devido aos impactos iminentes que seriam causados no manancial do Rio do Peixe, principal fonte de água que abastece a cidade do Serro. Para muitos, essa deveria ser uma questão óbvia. Se a região é estratégica, considerada fundamental para garantir a segurança hídrica do município, ela deve ser conservada e medidas devem ser implementadas para assegurar sua sustentabilidade e não permitir a abertura de cavas para exploração de minério que irão destruir a capacidade de recarga hídrica da região.
Com a implantação da mina, além do secamento de nascentes, contaminação dos cursos d’água, emissão de poeira, poluição sonora e outros impactos ambientais, as consequências sociais serão significativamente prejudiciais. Uma delas é o impacto na produção do leite, seja pela diminuição de oferta de água ou pela poluição sonora, que irá impactar todas as comunidades ao redor, prejudicando diretamente a produção do tradicional queijo do Serro. Outra questão a se levar em consideração serão os transtornos gerados com a movimentação de maquinários pesados, descaracterizando completamente o território, em especial, os modos de vida de comunidades tradicionais, como é o caso do Quilombo Queimadas, que sequer foi consultado sobre o empreendimento.
Nas ruas do Serro a ameaça da mineração tem trazido grande apreensão. O povo sabe as consequências terríveis da instalação de um projeto do porte pretendido pela Herculano, os impactos na água, na terra, na paisagem, nos modos de vida e os prejuízos econômicos que podem ser gerados com os efeitos negativos no turismo.
Por isso é preciso pressionarmos as diferentes esferas do Estado com mobilização e organização popular para impedir esse retrocesso. A negação desse projeto minerário é crucial para garantia dos direitos das comunidades e para a defesa de nosso patrimônio histórico-cultural. Serro é uma cidade sem vocação para atividade minerária e deve ser mantida livre desse tipo de empreendimento.
*Luiz Paulo Guimarães de Siqueira é biólogo e coordenador do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
Edição: Joana Tavares
—
Imagem: Rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Herculano em 2014, na bacia do Rio das Velhas / Divulgação/Corpo de Bombeiros