MPF rebate Petrobrás e reforça necessidade de paralisar parcialmente atividades da Reduc em Caxias (RJ) enquanto normas ambientais não forem observadas

Manifestação em ação civil pública requer, ainda, a concessão de liminar para que se regularize a emissão de efluentes no Rio Iguaçu e na Baía de Guanabara

Procuradoria da República no Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou réplica, em ação civil pública contra a Petrobrás, em que pede a paralisação parcial de atividades da Refinaria Duque de Caxias (Reduc) enquanto normas ambientais não forem observadas (processo n. 5014835-18.2019.4.02.5118). Na manifestação, o MPF apresenta argumentos que se contrapõem à posição da estatal e requer o prosseguimento do processo, com a reconsideração quanto ao pedido de concessão de tutela de urgência. Dentre os pedidos da inicial, o MPF busca garantir o cumprimento de obrigações socioambientais por parte da Reduc para que suas atividades sejam parcialmente paralisadas até que haja uma regularização da emissão de efluentes no Rio Iguaçu e na Baía de Guanabara, em observância às normas técnicas estaduais (NT-202.R-10 e DZ-205.R-6). 

Na réplica, o MPF rebate, dentre outros, o argumento da petrolífera de que a área em discussão não integraria o mar territorial brasileiro, o que afastaria a competência federal para apreciar o feito. “No entanto, esse não é o entendimento prevalente nos tribunais. A poluição de águas sob domínio da União pela Reduc, localizada no município de Duque de Caxias, distrito de Campos Elíseos (RJ) atrai o interesse federal na resolução do feito, especialmente frente ao potencial danoso que um vazamento de óleo, seja diretamente na Baía de Guanabara, seja a partir do Rio Iguaçu, pode causar a toda biota marinha pertencente ao ecossistema local”, contra-argumentou o procurador da República Julio José Araujo Junior, responsável pela ação. 

Outro ponto questionado pela Petrobras foram os valores da causa. Para o MPF, o valor de R$ 100 milhões leva em conta a parte controvertida do termo de ajustamento de conduta (TAC) descumprido (artigo 292, inciso I, do CPC) e o montante pretendido a título de indenização (artigo 292, inciso V, do CPC), parâmetros esses indicados pela legislação como referência na especificação do valor a ser atribuído na petição inicial. “Destacamos ainda que não é uma execução do TAC, mas sim tem por objeto garantir o cumprimento de obrigações socioambientais, utilizando-se o ajuste como parâmetro. No caso em exame, verifica-se de forma clara que, ao procurar encerrar o termo, o Inea apontou diversas pendências, que servem como indicações claras para os fundamentos da presente demanda”, ponderou.

A estatal questionou, ainda, a utilização de laudo técnico de processo penal em andamento. “O Laudo Técnico Pericial n. 1078/2019 comprovou todos os fatos narrados e demonstrou que os danos ambientais relatados se prolongavam ao menos até a data dos exames realizados, em 06/02/2019, quando os técnicos sublinharam que persistia a contaminação cruzada entre as canaletas contaminadas e as de água pluviais na área dos tanques de armazenamento de petróleo e nas tubovias”, alertou o procurador.

Histórico do caso – Em dezembro de 2019, o MPF ingressou com ação pedindo a paralisação parcial das atividades da Reduc enquanto as normas ambientais não fossem observadas. De acordo com o MPF, foi constatado o descumprimento de condicionantes de licenças ambientais e a violação de obrigações firmadas com o Inea e o Estado, além de laudo pericial em ação penal apontar danos ao meio ambiente e potenciais danos à saúde da população de Duque de Caxias.

A ação (5014835-18.2019.4.02.5118) pedia a paralisação parcial das atividades de refinaria até que houvesse uma regularização da emissão de efluentes no Rio Iguaçu e na Baía de Guanabara, em observância às normas técnicas estaduais (NT-202.R-10 e DZ-205.R-6). Em caráter subsidiário, o órgão pedia a redução do lançamento de efluentes e a adequação da atividade produtiva no prazo de 30 dias.

A ACP solicitou ainda a adoção de plano emergencial para o cumprimento de diversas ações que a empresa deveria ter adotado no termo de ajustamento de conduta (TAC) que firmou com o Poder Público em 2011. O TAC se encerrou em 2017 sem o cumprimento de medidas que seriam fundamentais, na visão do MPF, para uma proteção efetiva do meio ambiente. Para o órgão, a assinatura de acordos da empresa com o Inea e o Estado do Rio de Janeiro vinha servindo ao adiamento de cumprimento de obrigações por parte da empresa. A ação pedia, ainda, o reconhecimento da responsabilidade civil dos três réus e a adoção de medidas de reparação. 

Com isso, a Petrobras deverá reparar os danos causados ao meio ambiente e à saúde da população, por meio de investimentos em projetos socioambientais no valor de R$ 50 milhões, a serem estabelecidos em conjunto com a população local, com participação obrigatória do MPF. Já o Inea e o Estado do Rio de Janeiro devem reparar os danos causados pela omissão na fiscalização, por meio do aporte de recursos para a implantação de projetos destinados ao tratamento de saúde da população afetada. Além disso, os três réus deverão reparar os danos morais coletivos causados à população, em conjunto com o Inea e o Estado do Rio de Janeiro. No valor de R$ 40 milhões.

A apuração do MPF em três inquéritos civis apontou a existência de problemas no licenciamento da refinaria e constante despejo de substâncias tóxicas na Baía de Guanabara e seus corpos hídricos adjacentes, com fortes impactos na biodiversidade local.

As Licenças de Operação FE007284, FE007482 e FE007990, emitidas em 2005, disciplinavam o funcionamento da refinaria até 2010, quando foram objeto de pedido de renovação, situação que permitiu a operação do empreendimento em caráter precário até a análise conclusiva da solicitação. Para evitar a interrupção do funcionamento da Reduc em razão do descumprimento de condicionantes de outras licenças, o Inea celebrou o TAC nº 006 em 2011. Desde então, diversas obrigações foram estipuladas, mas muitas delas não foram cumpridas.

No plano de ação previsto no TAC, há, segundo relatório conclusivo do Inea produzido em 2019, três itens descumpridos (itens 21, 22 e 23) em parte e cinco totalmente descumpridos (4, 14, 18, 19 e 20). O primeiro grupo (itens parcialmente descumpridos – ações 21, 22 e 23) diz respeito à implantação de um sistema de monitoramento contínuo das emissões oriundas das chaminés da refinaria, com o objetivo de acompanhar as emissões de óxidos de enxofre (SOX), nitrogênio (NOX), vazão de gás emitido, quantidade de oxigênio e umidade. Já o segundo grupo (exigências totalmente descumpridas – ações 4, 14, 18, 19 e 20) corresponde à implantação de um sistema de tratamento dos gases ácidos residuais gerados nas unidades de destilação da planta de lubrificantes, de modo a possibilitar a redução de 97% da emissão de óxidos de enxofre (SOx) nas unidades U-1710 e U-1510. Está entre as exigências dessa categoria de obrigações a adequação das drenagens oleosas, contaminadas e pluviais da Reduc, para prevenir o contágio da água de chuva com óleo, formação de áreas impactadas, alagamento de tubovias e eventos de instabilidades operacionais na estação de tratamento de despejos industriais (ETDI).

Além do descumprimento do TAC, a ação apresenta laudo pericial em ação penal que trata de um vazamento ocorrido em 2011 (Processo nº 0810735-07.2011.4.02.5101). No documento, os peritos detectaram fatores que levaram aos vazamentos de líquidos contaminados, todos eles de fácil previsão e solução pela empresa. O laudo pericial destaca que as vazões que excediam os limites máximos da estação (1.100 m³/h) eram lançadas sem passar pela estação de tratamento de despejos industriais da Reduc. Os resíduos eram lançados diretamente do tanque de acumulação de águas contaminadas para a bacia de resfriamento. Como consequência, havia constante vazamento de óleo, sobretudo em tubovias e tanques de armazenamento de petróleo, tanto para o solo quanto para as canaletas de drenagem de águas contaminadas e, até mesmo, para as de águas pluviais limpas.

Segundo o laudo, a presença de misturas oleosas (águas pluviais contendo resíduos oleosos e óleo em fase livre) ao redor dos tanques de armazenamento de petróleo, TQU137 e TQU-138, assim como a contaminação cruzada entre as drenagens de águas pluviais contaminadas e o vazamento de óleo pelo coletor de amostra destes tanques também foram constatados durante os exames realizados no local, em 6 de fevereiro.

O MPF reforça o reconhecimento, pelos peritos, de que os efluentes da Reduc causaram dano ao meio ambiente, gerando a morte direta por recobrimento e asfixia de parte da vegetação característica de mangue (Rizophora mangle). Segundo o laudo, alguns dos efeitos não podem ser sentidos imediatamente, pois são indiretos e sub-letais. Contudo, a médio e longo prazo, causam a incorporação de substâncias carcinogênicas, morte ecológica e perturbação nos recursos alimentares dos grupos tróficos superiores, morte de larvas e recrutas e redução na taxa de fertilização.

Na perícia, constatou-se ainda a presença de danos potenciais à saúde humana gerados por Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno e Xileno (BTEX) e Naftaleno, Antraceno, Fenantreno, Benzoantraceno, Benzofluoranteno e Bonzopireno e seus vários isômeros (HPA), todos constatados nos efluentes da Reduc. O resultado da perícia judicial também comprovou que o transbordamento de uma canaleta de óleo estava sendo drenado por uma de águas pluviais limpas, alcançando a Baía de Guanabara por meio do rio Iguaçu. O laudo observa também que a estação não sofreu nenhuma mudança significativa entre 1978 a 2011, embora tenha havido, no período, a instalação e ampliação de mais de 37 unidades de processo em toda a refinaria.

O MPF valeu-se ainda do relatório final de auditoria ambiental apresentado pela entidade Hidrosfera Oceanografia e Consultoria Ambiental Ltda, apresentado em março de 2019, que avaliou o desempenho da gestão ambiental na refinaria. A análise constatou irregularidades no lançamento de efluentes gerados pelo separador de água e óleo no Rio Iguaçu, tendo em vista a ausência de outorga para o lançamento. Além disso, não se demonstrou o atendimento de norma técnica sobre os limites orientadores dos parâmetros de qualidade do Separador de Água e Óleo – SAO. O relatório detalhou graves problemas, convergindo com a análise do Inea e com o laudo pericial produzido em ação penal.

Em fevereiro de 2020, o MPF reforçou pedido da inicial, alegando que  paralisação parcial da Redução deve ocorrer até que o lançamento de efluentes seja realizado em níveis que atendam às normas técnicas previstas pelo Inea e outros órgãos ambientais. Subsidiariamente, em caso de não atendimento, a ação pedia a determinação para que a Reduc reduzisse o lançamento de efluentes e adote medidas necessárias para informar ao Inea diariamente o quantitativo lançado, realizando a adequação da atividade produtiva aos padrões ambientais, além de não implementar novas intervenções na refinaria. “A intervenção judicial foi necessária, uma vez que o Inea, passados vários anos da constatação das irregularidades, não foi capaz de impedir a continuidade da poluição ambiental decorrente da operação da Reduc. Assim sendo, o meio ambiente não pode aguardar até o trânsito em julgado de uma decisão, que pode demorar até que eventuais recursos sejam julgados. As questões ambientais não podem e não devem tolerar a omissão do Poder Público e a proteção constitucional deficiente”, afirmou o procurador.

Foto: Stock Photos

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