Por Fernanda Fernandes, no MultiRio
Você já ouviu falar em “racismo ambiental”? O termo foi empregado pela primeira vez por Benjamim Franklin Chavis, nos Estados Unidos.
Chavis era químico, reverendo e liderança do movimento negro no país. Cunhou o termo em 1981, a partir de pesquisas e investigações apontarem que depósitos de resíduos tóxicos concentravam-se em áreas habitadas pela população negra norte-americana.
“Racismo ambiental é a discriminação racial nas políticas ambientais. É discriminação racial no cumprimento dos regulamentos e leis. É discriminação racial no escolher deliberadamente comunidades de cor* para depositar rejeitos tóxicos e instalar indústrias poluidoras. É discriminação racial no sancionar oficialmente a presença de venenos e poluentes que ameaçam as vidas nas comunidades de cor*. E discriminação racial é excluir as pessoas de cor*, historicamente, dos principais grupos ambientalistas, dos comitês de decisão, das comissões e das instâncias regulamentadoras”, escreveu Chavis.
*No final do século XX, expressões como “pessoa de cor” ou “comunidade de cor” foram introduzidos e amplamente usadas nos Estados Unidos, em substituição e crítica aos termos “não-brancos” e “minoria”.
Racismo ambiental x injustiça ambiental
No Brasil, o conceito passou a ser usado, sobretudo, a partir do início dos anos 2000.
Segundo Tania Pacheco, pesquisadora e coordenadora-executiva do projeto Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça ambiental e Saúde no Brasil – desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) –, muitas pessoas estranham o uso do termo e questionam o porquê de se usar a palavra “racismo”, uma vez que exista a expressão “injustiça ambiental”.
Mas, afinal, o que é e por que falar em “racismo ambiental”?
“Podemos dizer que se tratam de injustiças ambientais que foram praticadas contra populações vulnerabilizadas, escolhidas a dedo, pela facilidade que seria atingi-las. Por meio dessa injustiça, ganha-se algo que não se ganharia tão facilmente se não se estivesse lidando com esse tipo de população”, diz Tania Pacheco, antes de trazer um exemplo elucidativo.
“Ainda na época da ditadura militar, a Aracruz Celulose foi ao Espírito Santo plantar eucalipto e criar os chamados ‘desertos verdes’ (termo usado para designar grandes áreas cobertas por vegetação introduzida artificialmente pelo homem). Havia, na ocasião, três tipos de lugar para plantar: uma área ocupada por pequenos fazendeiros, em sua maioria descendente de italianos; uma área com quilombolas; e uma terceira área, onde moravam povos indígenas. Então, escolheu-se com quem brigar. Os descendentes de italianos teriam advogados, imprensa, poder para defender suas áreas. Os outros, quilombolas e indígenas, habitavam terras ainda não homologadas e plenamente reconhecidas. Bem, até hoje, os eucaliptos estão lá, e indígenas e quilombolas seguem lutando por suas terras. Essa é a grande diferença entre ‘injustiça ambiental’ e o ‘racismo ambiental’. Se tivessem atacado os italianos, seria injustiça. Mas buscam onde é mais fácil vencer a luta”, explica a pesquisadora, destacando que o debate sobre o Marco Temporal vigora ainda hoje.
Doutora em História e militante no combate ao racismo ambiental, Tania Pacheco reforça a necessidade de um olhar atento para a História do Brasil, desde a colonização.
“Até hoje, há pessoas que acham – e dizem, sem maior cerimônia – que há ‘terra demais para pouco índio’. Isso é inaceitável do ponto de vista ético e de dignidade. Os portugueses chegaram ao nosso país e usaram os indígenas. Havia uma visão de que eles não tinham alma, uma visão colonizadora. Escravizaram indígenas e negros africanos, a quem consideravam menores, menos humanos… diferentes dos europeus”, diz.
Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil
O projeto Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, do qual Tania Pacheco é coordenadora-executiva, pesquisa e disponibiliza na internet conflitos socioambientais existentes no país, desde 2010.
No site do projeto, são sistematizadas informações sobre o tipo de conflito, localidade (município/estado), populações atingidas, atividades geradoras do conflito, danos à saúde e impactos socioambientais. É possível, ainda, ler sobre o histórico de cada conflito – síntese e contexto ampliado.
O trabalho teve início entre os anos 2007 e 2008. Em 2010, o mapa entrou no ar, reunindo 297 conflitos. Atualmente, são cerca de 600 conflitos. A maioria deles, segundo a pesquisadora, é de casos de racismo ambiental.
“Temos muito orgulho porque o mapa parte das populações, algo fundamental para nós. A partir disso, pesquisamos sobre as atividades geradoras, os danos, os impactos ambientais. A ideia é buscar o histórico dessas lutas desde o início”, explica.
Segundo Tania Pacheco, o mapa é consultado e usado como fonte de dados pelo Ministério Público, por professores e pesquisadores do Brasil e de outros países e, também, pelas próprias comunidades.
“Quando denunciamos, ajudamos a visibilizar as lutas dessas pessoas, tirando-as dessa coberta e trazendo para a luz o direito delas. É um grande instrumento de luta porque está tudo documentado, disponível na internet, com imagens e, acima de tudo, com o referendo de uma instituição como a Fiocruz”, reforça.
Dos 613 conflitos documentados, 197 envolvem agricultores familiares, 181 envolvem povos indígenas e 134 envolvem quilombolas.
No estado do Rio de Janeiro, estão retratados 40 conflitos. Entre as populações mais atingidas estão quilombolas, moradores de aterros e/ou terrenos contaminados, comunidades urbanas, moradores em periferias, ocupações e favelas e, ainda, de entorno de lixões.
Por que falar sobre racismo ambiental na escola?
“Por trás do racismo ambiental está o racismo em si”, afirma Tania Pacheco.
Segundo ela, desde pequena, a criança começa a pensar no mundo e a ter, a partir dos pais, a noção do certo e do errado.
“Quando uma pessoa negra se senta no banco do parque e os pais tiram a criança e colocam do outro lado do banco, eles estão mandando uma mensagem para essa criança. Depois, ela vai reproduzir. Enquanto considerarmos natural o preconceito, atravessarmos a rua, fecharmos a janela do carro – tudo o que fazemos no dia a dia –, será difícil reverter esse cenário”, observa, ressaltando que essas atitudes se perpetuam em casa e, também, na escola.
Mestre em Educação, ela destaca a importância de a escola trabalhar com os alunos, desde pequenos, questões relacionadas ao racismo, ao preconceito e ao respeito ao próximo.
“Quando a criança quer uma boneca loira de olhos azuis ou quando acha que uma boneca negra é feia; quando não quer o amiguinho preto sentado ao lado dela na hora da merenda… Esse é o mundo que criamos. É fundamental que se comece desde cedo a trabalhar o respeito ao outro ou iremos perpetuar, a partir dessas crianças, todo esse preconceito. E vira uma bola de neve: começa nessa idade, vai crescendo e se abrindo em diversos vórtices que vão alimentar vários tipos de preconceito. Racismo religioso, ambiental, estrutural, todas as nuances”, afirma.
Na visão da especialista, uma série de atitudes precisa mudar e a educação, no seu sentido mais amplo, é chave pra isso. Ela destaca a riqueza de se estudar a História do país e de os professores dialogarem com a realidade do aluno, das mais diferentes formas.
“Precisamos começar a questionar por que a professora é branca e a faxineira é negra. Não é algo natural. Por que a criança negra está brincando na lama na periferia e a branca está sendo buscada de ônibus? Que país é esse que permite esse tipo de naturalização do preconceito? Precisamos lutar contra isso. Precisamos fazer uma revolução cultural e moral para ter um mundo diferente. Se eu não sinto que a desigualdade social, o preconceito e o racismo são abomináveis, não vou mudar o mundo. Vou naturalizar uma série de coisas.”
Fontes:
Blog Combate ao Racismo Ambiental
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos./ organizado por Marcelo Firpo Porto, Tania Pacheco e Jean Pierre Leroy. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
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Veja também:
https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/dicionario-jornalistico/racismo-ambiental
https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/nada-a-comemorar
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