Estudo aponta 169 defensoras e defensores de direitos humanos assassinados no Brasil nos últimos 4 anos

Terra de Direitos

A vida de defensores de direitos humanos corre, constantemente, um grande perigo segundo o estudo “Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil“. A pesquisa desenvolvida pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global registrou os casos de violência contra quem defende direitos no Brasil ao longo de todo o governo do ex-presidente da república Jair Bolsonaro (PL), 2019 a 2022. Os dados alarmantes apontam 1171 casos de violência, sendo 169 assassinatos e 579 ameaças. Os dados mostram o acirramento de conflitos territoriais e ambientais no país, com casos registrados em todos os estados brasileiros.

O estudo considerou casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos que aconteceram como forma de impedir a reivindicação e defesa de direitos. As violências foram categorizadas em oito tipos: ameaça, agressão física, assassinato, atentado, criminalização, deslegitimação, importunação sexual e suicídio. Foram considerados episódios de violência registrados em todo o território brasileiro. Além disso, o levantamento considerou casos de violência individuais e contra coletivos, como por exemplo ataques contra povos indígenas e quilombolas. Bruno Pereira, Dom Phillips, Dilma Ferreira, Fernando Araújo dos Santos, Paulo Paulino Guajajara são alguns dos 169 defensores de direitos humanos assassinados ao longo dos último 4 anos. A maior parte dos assassinatos foi provocada por arma de fogo (63,3%, se somadas as categorias tiro e múltiplos tiros).

Em 11 dos assassinatos, há referência à sinais de tortura encontrados no corpo da ou do defensor morto. No caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari (AM), em junho de 2022, ambos foram emboscados e mortos quando viajavam de barco pela região. Segundo as investigações, eles foram assassinados a tiro, queimados e enterrados. O crime teria sido motivado pelo trabalho desempenhado por Bruno na denúncia de pesca ilegal em território indígena.

Os dados do levantamento destacam que defensores indígenas foram alvos de grande parte das violências sofridas por defensores de direitos humanos:  346 casos, sendo 50 assassinatos e 172 ameaças. O quadriênio foi marcado pela adoção de uma política anti-indígena pelo governo federal e aumento da invasão e exploração dos territórios tradicionais pelo garimpo, desmatamento e agronegócio.

Na avaliação do coordenador executivo da Terra de Direitos, Darci Frigo, os dados são reflexo de um período em que atacar defensoras e defensores de direitos humanos era política de governo. “O governo de Jair Bolsonaro elegeu, indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e sem-terra como inimigos centrais da sua estratégia de governo. Tudo isso com ataques diretos aos seus direitos constitucionalmente assegurados”, destaca. E acrescenta: “Ao mesmo tempo, [o governo Bolsonaro] realizou um desmonte das políticas públicas de demarcação de terras indígenas, foi conivente com o desmatamento e invasão das terras indígenas por grileiros e fazendeiros, apoiou o armamento e a mineração. E toda essa situação se manteve impune ao longo desses quatro anos de governo”.

Ameaças 

A ameaça é o tipo de violência com maior número de ocorrência nos dados coletados pela pesquisa. O levantamento aponta 579 ocorrências nos quatro anos. Apesar de homens cisgênero serem vítimas de 45,3% dos casos de ameaça registrados, a pesquisa identificou que mulheres cisgênero tendem a sofrer mais esse tipo de violência do que outros tipos.

Nos casos em que foi possível identificar que uma mesma pessoa foi vítima de mais de um episódio de violência durante o período analisado, percebeu-se que a ameaça é o tipo de crime mais recorrente, pois quando não são investigadas, tendem a se repetir e até se agravar. A pesquisa aponta diversos casos emblemáticos em que as ameaças são constantes, acirram os conflitos e, em alguns casos, resultaram em mortes.

Governo Bolsonaro

Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a situação das defensoras  e dos defensores de direitos humanos no Brasil foi motivo de preocupação e denúncias nas esferas nacional e internacional. O ex-presidente frequentemente expressou visões controversas sobre diversas questões relacionadas aos direitos humanos, o que criou um ambiente hostil para aqueles que trabalham em defesa desses direitos fundamentais. Bolsonaro muitas vezes descreditou movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs), acusando-os de “defender bandidos” ou de terem uma agenda contrária aos interesses nacionais. Essa estigmatização contribui para um clima de hostilidade e desconfiança em relação aos defensores de direitos humanos, tornando seu trabalho mais difícil e perigoso.

Além disso, diversos estudos e relatórios apontaram a falta de enfrentamento por parte do Governo Federal a problemas estruturais, como a concentração fundiária, não demarcação de territórios indígenas, a não titulação de quilombos e etc – o que aumentou a exposição de defensores a violências. O Brasil retrocedeu na garantia dos direitos humanos no último período, apontaram os países que compõem o Sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) e organizações sociais no processo de Revisão Periódica Universal.

As organizações autoras do estudo também alertam para as modificações urgentes que devem ser realizadas no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Em 2022, Justiça Global e Terra de Direitos também lançaram o relatório Olhares críticos sobre mecanismos de proteção de defensoras e defensores de direitos humanos na América Latina, que alertou para o fato de a política de proteção não dispor de aparatos e recursos para a proteção efetiva da vida das defensoras e defensores de direitos humanos, carecendo de uma reestruturação com dotação orçamentária e pessoal.

Para a socióloga e coordenadora de projetos da Justiça Global, Sandra Carvalho, os dados reforçam a necessidade de priorizar o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). “É urgente que o governo do presidente Lula assuma os compromissos acordados durante o governo de transição priorizando o PPDDH, e se comprometa a não medir esforços para fortalecer o programa com orçamento adequado, paridade entre estado e sociedade civil em seu Conselho Deliberativo e uma nova propositura legislativa que institua o marco legal da política pública de proteção”, afirmou.

Metodologia de pesquisa 

O estudo classifica defensoras e defensores de direitos humanos como sujeitos, povos, movimentos populares ou coletivos que atuam em defesa de direitos humanos, mesmo que alguns desses direitos ainda não tenham assumido uma forma jurídica.  De acordo com a Nações Unidas, defensores de direitos humanos são “pessoas físicas que atuem isoladamente, pessoa jurídica, grupo, organização ou movimento social que atue ou tenha como finalidade a promoção ou defesa dos direitos humanos”. Atualmente este é o mesmo conceito que dá origem a principal política brasileira de proteção para quem atua na defesa dos direitos humanos.

O levantamento desenvolvido pelas organizações foi feito com base em notícias, na consulta a outros relatórios e a pesquisas internas de casos acompanhados pelas organizações e por redes que integram. Os casos foram organizados e categorizados por dados de informações demográficas do defensor, gênero, raça, o local onde foi registrada a violência, o tipo de violência, contexto da ação, agente violador e denúncias realizadas, entre outras.

Acesse o estudo completo aqui

Dados Gerais:  

  • Foram mapeados 1171 casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos entre os anos de 2019 e 2022;
  • O ano de 2019 registrou 355 casos de violência; 2020 registrou 285 casos; 2021 registrou 302 casos; e 2022 registrou 229 casos de violência;
  • De acordo com as categorias de tipo de violência o estudo identificou os seguintes casos: Ameaças (579 casos); Atentados (197 casos); Assassinato (169 casos); Criminalização pela via institucional (107 casos); Deslegitimação (63 casos); Agressão física (52 casos); Importunação sexual (2 casos); Suicídio (2 casos).

Dados por Regiões:  

  • Todos os 27 estados da federação encontram-se representados no levantamento, ou seja, tiveram pelo menos uma ocorrência de violência mapeada no período de 2019 a 2022;
  • O Estado com maior número de violações registradas contra pessoas defensoras de direitos humanos foi o Pará, onde 143 violações ocorreram, seguido pelo Maranhão com 131 casos.
  • Dentre as cinco regiões brasileiras, o Nordeste e o Norte concentram o maior número de violações contra defensoras e defensores de direitos humanos, tendo 379 e 367 casos respectivamente;
  • A região Sudeste registrou 198 casos nos 4 anos; Centro-oeste registrou 146 casos; a região Sul registrou 81 casos;
  • Quase metade (47%) dos casos violência contra defensoras e defensores de direitos humanos foram registrados na Amazônia Legal.
  • Apesar do número total de violações no Sul ser abaixo das demais regiões, chama a atenção que um percentual alto dos casos mapeados nessa região seja composto de assassinatos (18,5%). É possível que a subnotificação de casos de outras categorias explique a alta taxa de assassinatos no Sul, pois esse tipo de violência mais grave é mais facilmente monitorado e registrado.

Assassinatos:  

  • Em média, 3 defensoras e defensores de direitos foram assassinados por mês;
  • Apesar de 2021 ser o ano com maior número de assassinatos, 2022 foi o ano em que assassinatos apresentaram maior proporção, em relação aos outros tipos de violência representando 19.2% dos casos no ano.
  • Praticamente 1/3 dos casos de assassinatos de defensores foi registrado entre o segundo semestre de 2021 e o primeiro semestre de 2022.
  • Maranhão é o estado com maior número de defensoras e defensores assassinados, com 26 casos, seguido do Amazonas e do Pará, com 19 casos, e Rondônia, com 18 casos.
  • A maior parte dos assassinatos foi provocada por arma de fogo (63,3%, se somadas as categorias tiro e múltiplos tiros).
  • Em 11 dos assassinatos há referência à sinais de tortura encontrados no corpo da ou do defensor morto.

Ameaças e Atentados:

  • Os casos de Ameaças ocupam a categoria com o maior número de casos nos 4 anos, registrando 579 casos (49,4% dos casos totais); em segundo lugar estão os casos de Atentados, com 197 registros;
  • Os atentados registraram o maior número de casos em 2019 com 56 casos; a média de atentados no período é de 49,25 casos ao ano e ao todo representam 16.8% dos casos;
  • A região Nordeste é a região com o maior número total de casos de ameaças, com 380 casos registrados (39%).  No entanto a região Sudeste é a região que tem maior frequência proporcional de ameaças, já que de 195 casos de violência, 76 foram ameaças;
  • Das 5 regiões do país, o Centro Oeste e o Sul têm médias de atentado acima das médias do total das outras violações. Tendo o Centro Oeste 44 casos de atentados de 146 casos totais e a região Sul com 17 atentados de 81 casos;
  • A maior parte das defensoras e defensores ameaçados entre 2019 a 2022 atua na defesa de direitos ligados à terra, território e meio ambiente;
  • Um quinto das ameaças (103 casos) atingiram coletividades. São comunidades, povos de uma terra indígena, famílias ou lideranças que foram, enquanto sujeito coletivo, vítimas de violência.
  • Atentados são a violência mais frequente praticada contra coletividade.

Perfil dos Defensores e Defensoras:  

  • 140 defensoras e defensores assassinados lutavam pelo direito à terra, ao território e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado; esse é o tipo de luta de 78,5% dos defensores e defensoras vítimas de qualquer tipo de violência identificada pelo levantamento;
  • A média de idade das pessoas assassinadas é 41.87 anos, pouco acima da média de 39.27 para as demais violações.

Gênero: 

  •  Foram registrados 292 casos de violações contra defensoras mulheres (cis gênero, transexuais e travestis).
  • Nos casos que envolvem mulheres cis, ameaças são os mais frequentes com 161 casos de 253 registros contra elas;
  • A população transexual e travesti registrou 40 casos de violência sendo 10 casos de assassinatos;
  • A cada cinco assassinatos, quatro foram de homens defensores de direitos humanos.

Cor e Raça 

  • O cenário das mortes e violência atinge com maior intensidade defensores e defensoras indígenas e negros.
  • Dos casos possíveis de identificar a cor e raça, defensoras e defensores indígenas são as maiores vítimas de violência, com 346 casos (58% dos casos em que foi possível identificar cor e raça), sendo 50 assassinatos. 2022 foi o ano de maior letalidade para esta população, com 17 assassinatos;
  • As pessoas negras (pretas e pardas) também são alvo prioritário, registrando 153 casos sendo 30 assassinatos (34% dos casos em que raça e cor foram identificados);
  • Defensoras e defensores brancos foram vítimas em 16% dos casos de violência em que foi possível identificar cor e raça das vítimas, e em 10% dos casos de assassinato;
  • As políticas de proteção para defensoras e defensores de direitos humanos não levam em conta as especificidades de raça e gênero.

Violadores:  

  • Os agentes privados são os principais responsáveis por ataques à vida de defensoras e defensores, pelas ameaças e pelos atentados. Registrando 343 ocorrências de 450 ocorrências desse tipo em que foi possível identificar o agente violador;
  • Na maioria dos assassinatos foram fazendeiros, garimpeiros, seguranças privados ou outros atores pertencentes à tipologia de agentes privados que praticaram o crime.
  • Os agentes públicos estiveram envolvidos em 279 ocorrências como violadores;
  • Os agentes públicos estão mais frequentemente associados a violações de criminalização (100 casos) e deslegitimação (37 casos).
  • Os Agentes públicos estiveram envolvidos em 26 casos de assassinatos e em 46 casos de Ameaças; nos assassinatos com a presença de agente público trata-se da polícia. Em alguns desses a polícia é citada como corresponsável ao lado de fazendeiros e jagunços.

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