Justiça coordena negociações em busca de um novo acordo de reparação e compensação dos danos às aldeias
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
As comunidades indígenas de Aracruz, no norte do Estado, realizaram na tarde da última sexta-feira (13) o desbloqueio da ferrovia da Vale, que corta seus territórios, cumprindo o anúncio feito no último sábado (4), em assembleia geral. Foram retirados, de forma pacífica e ordeira, as máquinas agrícolas, tendas e estruturas de alimentação e vigília instaladas por centenas de indígenas desde o dia 17 de setembro.
“Conforme deliberação da assembleia, as comunidades vão manter desobstruída até a audiência do dia 17, tendo um retorno que atenda o pleito das comunidades seguirá desbloqueada. Caso contrário, as comunidades irão se reunir e deliberar sobre a retornada das ações com outra postura contra as empresas”, informa o comunicado do Conselho Territorial dos Caciques.
A decisão é um “voto de confiança” ao juiz federal da 4ª Vara de Belo Horizonte, Vinicius Cobucci, que coordena a retomada das negociações com as empresas responsáveis pelo crime contra o Rio Doce, em novembro de 2015, em busca de um novo acordo de reparação e compensação dos danos causados às aldeias. A expectativa do magistrado é conseguir homologar um novo acordo a partir desta audiência de terça-feira (17), garantindo os direitos dos povos indígenas atingidos pelo maior crime ambiental do país e um dos maiores do mundo.
Os indígenas também estão sendo acompanhados pelo Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPES), Coordenação-Geral de Gestão Ambiental da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (CGGAM/Funai) e Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
“Acordo-desastre”
A desobstrução da ferrovia acontece no 27º dia da mobilização, período em que as seis maiores aldeias Tupinikim e Guarani do município impediram a passagem de todo tipo de carga industrial nos trilhos, em protesto à negativa da mineradora – uma das responsáveis pelo crime contra o Rio Doce, em novembro de 2015, ao lado da BHP Billiton e da Samarco – em rever o acordo de reparação e compensação dos danos firmado com a Fundação Renova no final de 2021.
O acordo denunciado pelos indígenas como um verdadeiro “acordo-desastre”, por ter sido imposto pela Renova, sem respeitar a consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por não indenizar individualmente os moradores, pelos baixíssimos valores estipulados por núcleo familiar, entre outras reivindicações.
“A Fundação Renova, que tinha obrigação de garantir um acordo justo e igualitário, fez o exato oposto, transformando o acordo contra o qual lutamos em um novo desastre (…) Tivemos um acordo injusto, ilegal e violador de direitos, que resultou na pior indenização de toda a Bacia do Doce. Não houve consulta livre, prévia e informada [conforme determinada a Convenção 169 da OIT], na verdade as pessoas foram obrigadas a aceitar os termos do acordo-desastre porque ‘ou era aquilo ou nada’ (…) Todos os demais problemas surgem dessa violação, desse desrespeito. E nós, povos originários, não temos opção: só nos resta lutar contra essa violação continuada”, relatou o Conselho Territorial de Caciques Tupinikim e Guarani em carta enviada à Justiça Federal em setembro, posição com a qual o MPF e a DPU concordam.
A pauta de reivindicações é a mesma que motivou a ocupação da ferrovia há um ano, que resultou em algumas conquistas para as comunidades, como a saída da Fundação Renova das tratativas com as comunidades, que passaram a ser feitas diretamente com as mineradoras mantenedoras, e com a retomada do pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE), equivalente ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), pago aos atingidos não-indígenas. Os outros pontos de pauta, no entanto, não foram cumpridos pelas mineradoras, o que motivou essa segunda ocupação.