Petróleo na Amazônia: MPF pede à Justiça a reavaliação integral de impactos climáticos e socioculturais

MPF complementa ação de organizações sociais e volta a pedir a anulação da licença concedida à Petrobras

Ministério Público Federal no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou um pedido à Justiça, na  última sexta-feira (5), que reforça e complementa ação civil pública movida originalmente por oito organizações da sociedade civil contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Petrobras e a União. No documento, o MPF reforça o pedido de nulidade da Licença de Operação (LO) nº 1.684/2025, concedida à estatal para perfuração exploratória no Bloco FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas, citando graves deficiências técnicas, climáticas e violações de direitos de comunidades tradicionais.

O MPF aponta a necessidade de reavaliação dos impactos ambientais do empreendimento exploratório de petróleo e requer a realização de estudo sobre impactos a comunidades tradicionais e medidas de redução e compensação desses impactos, além de plano de monitoramento climático, e que todas essas providências sejam finalizadas antes da emissão da LO.

A ação original, ajuizada no final de outubro por organizações e redes dos movimentos indígena, quilombola, ambientalista e de pescadores artesanais, já solicitava a suspensão das atividades sob a alegação de falhas na modelagem de risco para o Grande Sistema Recifal Amazônico e ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) a essas comunidades. Com o aditamento, o MPF ratifica os pedidos das autoras e introduz novos argumentos técnicos e jurídicos, classificando a emissão da licença como “prematura e ilegal”.

Falhas na licença – Um dos pontos centrais levantados pelo MPF é a ocorrência de “vícios [falhas] de escopo e tempo”. Segundo o órgão, a condicionante (nos licenciamentos, as obrigações são chamadas de condicionantes) 2.1 da licença autorizava originalmente apenas a perfuração do poço “Morpho”. Contudo, apenas um dia após a emissão, a Petrobras solicitou — e o Ibama acatou — a inclusão de três “poços contingentes” (Manga, Maracujá e Marolo).

Para o MPF, essa alteração contradiz o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que condicionava novos poços aos resultados da primeira perfuração, e transforma a licença em uma “carta em branco”, permitindo à Petrobras decidir discricionariamente onde perfurar.

Além disso, o MPF contesta a validade de seis anos (72 meses) concedida na licença. O documento aponta uma “desproporção flagrante”, visto que o cronograma para o poço Morpho é de apenas cinco meses e, mesmo com os quatro poços, a atividade duraria no máximo 20 meses. O órgão argumenta que o prazo viola a Portaria do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima nº 422/2011 e a lógica do licenciamento, invertendo a ordem processual ao permitir a apresentação do cronograma após a emissão da licença.

Deficiências na modelagem – O aditamento destaca falhas críticas na modelagem de dispersão de óleo. O MPF afirma que a licença foi concedida com base em dados antigos, ignorando a nova Base Hidrodinâmica da Margem Equatorial (BHMeq), finalizada em 2024. O órgão cita evidências do Projeto Maretórios Amazônicos (das universidades federais do Pará, São Paulo e Paraná), que demonstrou que destroços lançados a 350 km do bloco chegaram à costa do Amapá, um cenário não previsto pelo modelo da empresa.

Diante do histórico de baixa confiabilidade nas modelagens da Petrobras — citando como exemplo o vazamento na plataforma P-53, onde o óleo chegou a praias do Rio de Janeiro de forma imprevista —, o MPF requer à Justiça que determine a realização de uma nova modelagem hidrodinâmica por uma entidade técnica independente e isenta, indicada pelo MPF e custeada pela concessionária.

Omissão climática – Outro argumento central é a nulidade do EIA no que tange à avaliação de impactos climáticos. O MPF sustenta que o licenciamento ignora as emissões de gases de efeito estufa de toda a logística de apoio (embarcações, aeronaves, etc) e utiliza premissas falsas baseadas em equipamentos incorretos (navio-sonda DS-9 em vez do navio-sonda ODN-II).

O órgão aponta uma “incoerência administrativa” na atuação do Ibama. O pedido do MPF à Justiça compara o caso da Foz do Amazonas com o licenciamento da Etapa 4 do Pré-Sal na Bacia de Santos, onde o órgão ambiental exigiu um rigoroso “Programa sobre Mudanças Climáticas”, com inventários completos e planos de mitigação. Para a Foz do Amazonas, o MPF alega que o Ibama adotou uma postura leniente, incompatível com as obrigações internacionais do Brasil e com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760. A ação resultou na determinação para que a União adote medidas concretas para combater o desmatamento na Amazônia Legal, estabelecendo metas claras de redução.

Impactos em comunidades e pedidos – O MPF denuncia a ausência de Estudos de Componente Indígena (ECI), Quilombola (ECQ) e de Comunidades Tradicionais (ECT). A área de influência abrange pelo menos 6 povos indígenas, 63 comunidades quilombolas certificadas e mais de 350 comunidades pesqueiras artesanais entre o Amapá e o Pará, segundo estudo do próprio empreendedor. O órgão argumenta que os impactos não se restringem à área do poço no mar, havendo graves impactos em terra em razão da logística terrestre e nos territórios pesqueiros (“maretórios”).

Nos pedidos apresentados à Justiça, o MPF requer, em caráter urgente, a suspensão imediata de todas as atividades autorizadas pela LO nº 1.684/2025. E, para decisão definitiva, solicita que a Justiça:

• Determine a realização de nova modelagem hidrodinâmica e de dispersão de óleo para o bloco FZA-M-59, por entidade técnica independente e isenta, indicada pelos autores da ação e custeada pela Petrobras, utilizando dados atualizados e capazes de simular, com a precisão e o rigor técnico adequados, todos os cenários de vazamento (incluindo toque na costa, afundamento do óleo e risco aos recifes de corais amazônicos), visto que a modelagem atual é considerada defasada e de baixa confiabilidade.

• Condene os réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valor a ser estabelecido pela Justiça, a ser revertido em favor das comunidades tradicionais afetadas.

• Determine que o Ibama não deve emitir licenças ambientais para empreendimentos petrolíferos na bacia sedimentar da Foz do Amazonas e em outras bacias da Margem Equatorial sem:

• a revisão do processo de licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59, no item de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), exigindo que o empreendedor: refaça o cálculo das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), com base nas características atualizadas da unidade de perfuração; inclua a totalidade da logística da operação no cálculo das emissões, contabilizando o consumo de combustível/energia para transporte (embarcações, aeronaves) e outras fontes emissoras diretas e indiretas; incorpore ao EIA/RIMA um inventário prévio de emissões de GEE, por fase do empreendimento (implantação, operação e desativação), utilizando metodologias consolidadas, de modo que este diagnóstico climático integre a avaliação de viabilidade socioambiental.

• a criação de um Programa Específico sobre Mudanças Climáticas para o empreendimento (FZA-M-59), nos termos do rigor exigido para a 4ª Etapa do Pré-Sal, o qual deve conter, no mínimo: um Plano de Mitigação com metas claras de redução de GEE, alinhado aos objetivos setoriais de energia; um Plano de Compensação das emissões que não puderem ser mitigadas, com ambição compatível à urgência da emergência climática, como condicionante específica da LO.

• Determine que a Petrobras elabore e apresente o inventário prévio de emissões de GEE e o Programa sobre Mudanças Climáticas (Mitigação e Compensação) para o Bloco FZA-M-59, financiando os estudos necessários e adotando medidas para reduzir suas emissões e abordar sua contribuição para o clima em todas as suas operações, conforme exigido para as empresas no contexto da emergência climática.

• Determine que a Petrobras apresente no EIA as estimativas de emissões futuras do Bloco FZA-M-59 e publique inventários anuais das emissões de GEE por plataforma e por fonte.

• Determine que a Petrobras seja obrigada a financiar e apresentar os Estudos do Componente Indígena, do Componente Quilombola, e demais comunidades tradicionais, como etapa essencial no processo de licenciamento. O objetivo é obter dados consistentes sobre suas especificidades, modos de vida e territorialidades, visando garantir uma adequada caracterização da área de influência e viabilizar a CPLI, cobrindo todos os impactos diretos e indiretos sobre a pesca artesanal e/ou extrativismo costeiro, bases de apoio, bases aéreas (tráfego), proximidade e rota de barcos de apoio, destinação de resíduos sólidos, pressões e mudanças na dinâmica socioterritorial, etc, que afetem os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) na área de influência.

• Determine à União, por meio dos seus órgãos competentes, a realização imediata da CPLI, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com as populações indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais potencialmente afetados pelos empreendimentos petrolíferos na bacia sedimentar da Foz do Amazonas e em outras bacias da Margem Equatorial.

Recurso – No mesmo processo, também na sexta-feira passada, o MPF apresentou recurso à Justiça Federal no Pará contra decisão judicial que remeteu o caso para a Justiça Federal no Amapá. O MPF apontou que a decisão contém omissões significativas que precisam ser resolvidas.

Primeiramente, o MPF pediu que a Justiça se manifeste sobre o pedido da instituição de figurar como coautora da ação e a concessão de prazo para aditamento da ação original, temas cruciais que foram ignorados. Além disso, o MPF solicitou a reversão da decisão de remessa do caso para a Justiça Federal no Amapá, alegando que a Justiça Federal no Pará não analisou os fundamentos que demonstram a autonomia e a maior amplitude da ação em relação a outros processos. A principal meta do MPF é manter a competência na 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária no Pará.

Ação Civil Pública nº 1056477-24.2025.4.01.3900

Íntegra do aditamento à ação

Íntegra do recurso

Consulta processual

Foto: Canva

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