O Porteiro da Lei e a Resistência Indígena Feminista

Por Célia Regina Ody Bernardes, no Justificando

“Para nós, território é todo o conjunto. É o universo, onde estão todas as coisas que garantem a nossa sobrevivência, o exercício do nosso modo de vida no sentido cultural, político e a relação íntima com a natureza e meio ambiente. Não é terra, lote ou bem que se quer para vender. É espaço onde se tem relação muito íntima com a água, o sol, a lua, as estações, as árvores. (…) índio sem território deixa de existir. Sem território não temos como manter viva a nossa identidade (…) nos reafirmar e nos manter como povos indígenas. Para as mulheres, isso é ainda mais forte. Para nós, terra é como mãe. A terra é a nossa mãe, a nossa protetora. É uma relação sagrada e onde temos tudo. A gente acredita que a terra é que dá toda a força para as mulheres atuarem e exercerem o seu próprio jeito. (…) A principal luta continua sendo a garantia do território, porque a partir daí a gente consegue garantir as outras políticas sociais, culturais e políticas para as mulheres”. (Sônia Guajajara, do povo Tenetehara (Maranhão), secretária-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e liderança do projeto Voz das Mulheres Indígenas (ONU), 2015). 

(…) vamos parar com essa discussão sobre terras. Terra enche a barriga de alguém?” (Ministro da Justiça (sic) Osmar Serraglio, 2017). 

O golpe de estado[1] que depôs a Presidenta Dilma Rousseff alçou ao poder o projeto político-econômico rejeitado pelos cidadãos brasileiros nas últimas quatro eleições e, assim ilegitimamente originado por e mantido em desvio de função, o atual governo vem agravando mortalmente a situação dos já combalidos direitos dos povos indígenas.

Nas últimas semanas, assistimos a uma série de retrocessos, dentre os quais destaco o desmonte da FUNAI, materializado pelo corte orçamentário e de pessoal[2], e as propostas, formuladas ao final do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito FUNAI/INCRA, de indiciamento de agentes públicos e atores da sociedade civil que trabalham pela concretização de políticas públicas fundiárias. Essa ofensiva da Frente Parlamentar do Agronegócio, bancada ruralista no Congresso Nacional, objetiva impedir as demarcações de terras indígenas e quilombolas e é versada em documento tecnicamente fraco: seus argumentos revelam o mais rasteiro desprezo por todo o conhecimento acumulado sobre a realidade dos povos tradicionais e a mais profunda ignorância acerca das normas jurídicas nacionais e convencionais e dos procedimentos administrativos que regem a atuação do poder público na matéria, o que, no dizer da Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD), dá “a exata medida do descompromisso manifesto com os direitos dos povos tradicionais e a total submissão do relatório a interesses que colidem com o ideal de justiça fundiária no Brasil.”[6] Também correto o posicionamento da Associação Juízes para a Democracia (AJD) ao afirmar que “A mobilização social, a independência funcional, o cumprimento de deveres por agentes estatais e a construção do saber científico, em um Estado Democrático de Direito, não podem ser criminalizados.”. 

Quando o Estado brasileiro falha ao não garantir aos povos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, provoca violências das mais variadas, sendo uma das mais perversas a negação aos indígenas da possibilidade de ser povo indígena de acordo com seu modo de vida, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Como já alertado em relatórios endereçados aos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos, as violações de direitos perpetradas pelos Estados, ainda que por conduta omissiva, são diretamente ligadas à violência no campo[3].

Não é coincidência, então, que exatamente agora tenha ocorrido o horrendo massacre contra a etnia Gamela, no Maranhão, ao fim do qual indígenas sofreram golpes de facão que quase arrancaram suas mãos e foram golpeados nas articulações dos joelhos. Alguns seguem hospitalizados, gravemente feridos, correndo o risco de virem a ter seus membros amputados. Dezenas foram feridos por disparos de armas de fogo.

O conflito entre indígenas e agricultores se iniciou no final de 2015, quando os Gamela iniciaram a retomada das terras[4] cuja ocupação tradicional reivindicam. No dia do massacre, os Gamela fariam a nona retomada: cerca de 30 indígenas chegaram à terra reivindicada no mesmo momento em que cerca de 5.000 proprietários de terras discutiam a situação das retomadas indígenas por aqueles a quem chamam de “pseudo-índios”.[5]

A história dos Gamela repete a dos demais povos indígenas brasileiros. Há documentos que indicam sua relação com a terra ora reivindicada desde o século XVIII[6], que dela foram expulsos por grilagem e ocupações irregulares e longe dela mantidos com a conivência do poder público, como, por exemplo, registros falsos de terras feitos por cartórios a partir de atestados de inexistência de indígenas mentirosamente firmados por órgão indigenista.

Também há registro de que continuaram a lutar pelas terras, ao menos em duas ocasiões, em 1960 e em 1987.[7] Mais recentemente, os Gamela se reorganizaram e passaram a lutar para que a FUNAI instalasse um Grupo de trabalho para a identificação e demarcação das terras que ocupam tradicionalmente, mas, devido à morosidade do órgão, decidiram proceder à retomada de suas áreas tradicionais reivindicadas. Nesse contexto, recomeçaram os conflitos, tendo sido registrados ao menos dois ataques armados aos Gamela em 2015 e 2016.

Essas breves linhas sobre a resistência dos Gamela ajudam a compreender como e em que medida o Poder Judiciário vem obstruindo o acesso à justiça aos povos indígenas. A Constituição da República de 1988 inaugura o paradigma do pluriculturalismo e estabelece o direito do indígena de permanecer indígena e não ser assimilado ou integrado e devorado ou trucidado culturalmente pela sociedade envolvente. Mas, entre a Lei e os povos indígenas, há o Estado e, passados trinta anos da promulgação da Constituição, o que aconteceu? Nada…

A União não concluiu a demarcação das terras indígenas no prazo determinado constitucionalmente, seja porque os processos de demarcação sequer começaram, seja porque, judicializados, jamais findaram. E, já que as demarcações não foram concluídas, vem o Poder Judiciário, com sua inesgotável criatividade para enterrar os direitos prometidos constitucionalmente aos miseráveis da terra, agora e desde sempre tão cobiçados por fazendeiros, madeireiros e mineradoras, e inventa a teoria do marco temporal e tradicional[8], que, apesar da manifesta inconstitucionalidade, vem resultando na anulação de vários processos de demarcação. Até quando, Poder Judiciário, serás o Porteiro da Lei?

Os povos indígenas nos ensinam ser possível um outro modo de vida que prescinde do que é essencial ao capitalismo: a propriedade privada. E, isso, os lacaios do capital não suportam: é necessário eliminar esse inimigo, destrinchando-o por suas articulações como fazem com os animais que insistem em ultrapassar os limites que lhes são impostos apesar do cuidado com que farpam as cercas a marcar suas porções individuais de terra expropriadas violentamente de seus reais titulares.

Apesar de todos os esforços etno-genocidas, os povos indígenas sobreviveram para se reorganizar e resistir. No último Acampamento Terra Livre, no qual estiveram presentes mais de 4 mil indígenas de mais de 200 povos, o feminismo indígena assumiu protagonismo inédito e definitivo, tendo nucleado sua pauta nos seguintes eixos: violação dos direitos das mulheres indígenas (incluindo a violência contra a mulher); empoderamento político e participação política das mulheres indígenas; direito à saúde, educação e segurança; empoderamento econômico; direito à terra e processos de retomada; e conhecimentos tradicionais e diálogo intergeracional.

O corpo da mulher indígena é marcado pelas violências decorrentes das intersecções de gênero e raça/etnia, mas também de classe, pois estarmos falando de um dos grupos sociais que, proporcionalmente, mais sofrem com a pobreza extrema. Segundo a ONU Mulheres, “Num contexto de defesa de territórios e exclusões sociais, as mulheres indígenas têm sido alvo de violências perversas baseadas em gênero, a exemplo de feminicídios, exploração sexual, tráfico de pessoas e agressões de outras naturezas que se acentuam na medida em que elas afirmam o seu protagonismo político em defesa dos seus povos e seus direitos.”. 

Apesar de as primeiras organizações brasileiras exclusivas de mulheres indígenas datarem dos anos 80, suas lutas seguem invisibilizadas mesmo no movimento feminista. É chegada a hora de conhecermos melhor as guerreiras que honram a memória de Bartolina Sisa (quéchua esquartejada durante revolta anticolonial na Bolívia, em 5 de setembro 1782, data que marca o Dia Internacional da Mulher Indígena) por liderarem seus povos na luta por terra, autodeterminação e identidade, construindo um país plural, mais justo e solidário: Silvana Terena, Enir Bezerra da Silva, Iara Wassu Cocal, Marcia Wayna, Valdelice Verón, Leonice Tupari, Zahy Guajajara, Silvia Waiãpi, Ana Terra Yawalapiti, Joenia Wapichana, Antonia Melo, Bel Juruna, Kerexu Yxapyry, Célia Xakriabá.[9] Estaremos juntas no próximo 8 de março, na primeira Marcha das Mulheres Indígenas[10], pois, afinal, somos todas ameríndias[11]!

Célia Regina Ody Bernardes é Juíza Federal em Macapá-AP e membra da AJD (Associação Juízes para a Democracia), de cujo Conselho de Administração foi Secretária entre 2013 e 2014. Também integrou o Conselho Editorial da AJD, mas a atividade associativa que mais a apaixona é a militância no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. É Mestra em Filosofia pela UFPE (“Racismo de Estado: uma reflexão a partir da crítica da razão governamental de Michel Foucault”, Editora Juruá). Sonha com e luta por uma sociedade justa, fraterna e solidária, em que as pessoas experienciem a concretização de seus Direitos, mantendo no horizonte a divisa de Las Casas, “Todos os direitos para todos”, farol a iluminar a utopia de Victor Hugo, “Tudo para todos”. Compõe a coluna “Sororidade em Pauta” em conjunto com as magistradas Ana Carolina Bartolamei, Daniela Valle da Rocha Müller, Elinay Melo, Fernanda Orsomarzo, Gabriela Lenz de Lacerda, Janine Ferraz, Juliana Castello Branco, Laura Rodrigues Benda, Lygia Godoy, Naiara Brancher, Nubia Guedes, Patrícia Maeda, Renata Nóbrega eRoselene Aparecida Taveira e Simone Nacif.

Notas:

[1] Sobre a caracterização como golpe do processo político que redundou na deposição da Presidenta Dilma Roussef, cf.: GARCIA, José Carlos; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Fibrilação democrática: sobre o impeachment e o futuro que se descortina. Sul21, 10 maio 2016. Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/fibrilacao-democratica-sobre-o-impeachment-e-o-futuro-que-se-descortina-por-por-jose-carlos-garcia-e-rodrigo-ghiringhelli-de-azevedo/. Acesso em: 9 maio 2017. MASCARO, Alysson Leandro. Todo direito é um golpe. Blog da Boitempo, 25 maio 2016. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/25/alysson-mascaro-todo-direito-e-um-golpe/. Acesso em: 8 maio 2017. VALIM, Rafael. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. GGN, 21 mar. 2017. Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/estado-de-excecao-a-forma-juridica-do-neoliberalismo-por-rafael-valim. Acesso em: 8 maio 2017.

[2] Essas medidas foram anunciadas no último 28/4/17 e são drásticas. Em primeiro lugar, tem-se o corte de mais de 50% do orçamento da FUNAI. Segundo o Portal do Orçamento do Senado Federal (Siga Brasil) e o Sistema Integrado de Orçamento e Planejamento (SIOP), a FUNAI tem R$ 110,6 milhões em despesas discricionárias autorizadas para 2017, dos quais R$ 27,8 milhões já foram gastos no primeiro quadrimestre. Depois do corte de R$ 60,7 milhões, a FUNAI terá que funcionar com R$ 22 milhões nos restantes oito meses. Além disso, a FUNAI também perdeu 340 servidores, teve extintas 51 coordenações técnicas locais e reduzidas outras 37 coordenações regionais. O corte de pessoal chega a 20% do corpo técnico da FUNAI e incidiu principalmente sobre a Coordenação Geral de Licenciamento (CGLIC) e as Coordenações Técnicas Regionais (CTLs), que são as unidades responsáveis pela análise dos impactos de grandes empreendimentos em terras indígenas, além de funcionarem como o canal de tramitação das demandas dos povos indígenas e o poder público. Além disso, anunciou-se a suspensão das atividades de 5 das 19 bases de proteção do órgão a povos indígenas isolados e de recente contato. INESC. Política anti-indígena avança: Funai tem corte de mais de 50% no orçamento.Carta Maior, 4 de maio de 2017. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Politica-anti-indigena-avanca-Funai-tem-corte-de-mais-de-50-no-orcamento/4/38056. Acesso em: 8 maio 2017. SHIRATORI, Karen. A asfixia da Funai e o genocídio anunciado. El País, 8 maio 2017. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/08/opinion/1494269412_702204.html. Acesso em: 9 maio 2017.

[3] RELATORA especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Disponível em: http://unsr.vtaulicorpuz.org/site/images/docs/country/2016-brazil-a-hrc-33-42-add-1-portugues.pdf. Acesso em: 23/11/2016. CIMI, FIAN Brasil, JUSTIÇA GLOBAL e ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA. Relatório conjunto do CIMI, FIAN Brasil, JUSTIÇA GLOBAL e ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA para o terceiro ciclo de avaliação do BRASIL no âmbito do Mecanismo de Revisão Periódica Universal da ONU: a situação dos direitos humanos dos povos indígenas – um enfoque no acesso à justiça, na criminalização e entrave jurídicos para efetivar a demarcação de terras dos povos indígenas do Brasil (marco temporal), outubro de 2016. Disponível em: http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=224. Acesso em: 23/11/2016.

[4] “Retomadas de terras”, no dizer da antropóloga Daniela Fernandes Alarcon, são ações coletivas “que consistem em processos de recuperação de áreas por eles tradicionalmente ocupadas e que se encontravam em posse de não índios, permitindo a volta de parentes que haviam partido em decorrência da expropriação. Nesse quadro, o retorno da terra – categoria empregada frequentemente pelos indígenas para se referir ao processo de recuperação territorial – desdobra-se em retornos circunscritos, mas conectados entre si: o retorno dos encantados, entidades centrais da cosmologia tupinambá, que, assim como os indígenas, foram impactadas pela expropriação; o retorno dos bichos, que, com a penetração dos não índios, ficaram escassos e só agora estão tornando a aparecer; e o retorno dos parentes.” ALARCON, Daniela Fernandes.Retomadas de terras: uma análise sobre as estratégias de intervenção política dos Tupinambá da aldeia Serra do Padeiro, Bahia. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:uZ6tkl0edbQJ:www.30rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic%3Fq%3DYToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjMyNDEiO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiZTdmNmM4MjdiNWEwNzJlOTM1NGY4YTE5MzJmZjY2ZjIiO30%253D+&cd=7&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 9 maio 2017.

[5] Há um sentimento de desconfiança em relação à identidade indígena compartilhado por parte dos moradores locais, para quem os Gamela se parecem com os demais moradores, distanciando-se da imagem de índio que povoa o imaginário popular. De acordo com a antropóloga Caroline Leal, o medo real de extermínio (materializado no caso dos Gamela, que sofreram o último massacre justamente quando se declararam indígenas) engendrou a estratégia de invisibilidade da identidade indígena usada antes da Constituição de 1988 como forma de permanecer em seu território até que, com o apoio do movimento indígena e das organizações indigenistas, aquele povo consegue se organizar e se insurgir. LEAL, Caroline. “Esse massacre recente é só uma faceta do etnocídio que assola o povo gamela”. Entrevista concedida a Talita Bedinelli. El país, 7 maio 2017. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/07/politica/1494134827_023409.html. Acesso em: 8 maio 2017. A outra faceta da luta pela terra é a luta por reconhecimento. Durante décadas, os indígenas foram proibidos de falar a própria língua e viveram com medo de se declararem indígenas. Aos poucos, deixaram de ser reconhecidos pela sociedade como indígenas e passaram a ser chamados de caboclos, depois descendentes de indígenas, até que passaram a ser registrados como negros ou pardos e a sociedade envolvente deixou de percebê-los como indígenas. A LUTA por terras e pelo resgate da memória dos gamela, apagada desde o Brasil colônia. El país, 7 maio 2017. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/06/politica/1494107739_378228.html. Acesso em: 8 maio 2017. Sobre a figura do “índio autêntico” como “categoria vazia, de uso meramente ideológico”, cf. o estudo de Gustavo Hamilton de Sousa Meneses, que observa “a atuação da esfera jurídica” para “contribuir para revelar os valores e projetos ideológicos que se expressam nas leis e se consolidam nos julgamentos, apontando a que interesses sociais efetivos essas leis correspondem e quais as suas reais implicações para os grupos sociais envolvidos”: MENESES,  Gustavo Hamilton de Sousa. O conceito de aculturação indígena na Antropologia e na esfera jurídica. In: MELO, Juliana; SIMIÃO, Daniel; BAINES, Stephen (orgs.). Ensaios sobre justiça, reconhecimento e criminalidade. Natal: EDUFRN, 671 p. p. 519-539. Disponível em: http://www.portal.abant.org.br/livros/EnsaiosSobreJustica.pdf. Acesso em: 9 maio 2017. No plano jurídico, o critério para a definição de indígena consiste na autodeclaração, tal como definida nos tratados internacionais de direitos dos povos indígenas: Declaração Interamericana sobre os direitos dos povos indígenas (“La autoidentificación como pueblos indígenas será un criterio fundamental para determinar a quienes se aplica la presente Declaración. Los Estados respetarán el derecho a dicha autoidentificación como indígena en forma individual o colectiva, conforme a las prácticas e instituciones propias de cada pueblo indígena”) e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (“a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da Convenção”).

[6] De acordo com reportagem do El País, “Um mapa antigo, que faz parte do acervo da Biblioteca Nacional Brasileira, ajuda a corroborar a versão dos gamela. Ele aponta que em 1765 havia ali uma “terra dos índios” demarcada. Documentos históricos arquivados na Biblioteca Digital Luso-Brasileira também apontam que em dezembro de 1784 o governador e capitão-general do Maranhão e Piauí, José Teles da Silva, avisava por ofício o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, sobre as produções agrícolas encontradas em visitas feitas aos índios gamela estabelecidos nas margens do lago Cajari (em Penalva, município vizinho a Viana) e “outros locais da capitania do Maranhão”. Segundo os índios, a área a que eles tinham direito de acordo com essa demarcação colonial equivaleria a 14.000 hectares, o que abrangeria não apenas Viana inteira, mas também outros municípios vizinhos.” A LUTA…, op. cit..

[7] A LUTA…, op. cit..

[8] A teoria do marco temporal e tradicional foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da PET n. 3.388 (Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol), caso em que o STF ressaltou que as terras que não estavam ocupadas em 1988, não perdem a tradicionalidade em razão de atos de não índios. Apesar disso, a teoria vem sendo interpretada com total desconsideração do “violento processo que levou várias comunidades indígenas para longe de suas terras, ao arrepio das constituições anteriormente válidas no Brasil” e “tem levado o Poder Judiciário a desconsiderar as gravíssimas violações de direitos ocorridas em pleno período de ditadura militar, que fizeram com que indígenas não pudessem estar em seu território no ano de 1988.” A tese é inconstitucional por vários fundamentos, dentre os quais se destacam a arbitrariedade da data estipulada como marco temporal pelo citado julgamento (5/10/88) e a desconsideração do caráter declaratório, e não constitutivo, do reconhecimento constitucional do direito dos povos indígenas ao seu território tradicional. CIMI, FIAN Brasil, JUSTIÇA GLOBAL e ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA. Relatório conjunto…, op. cit..

[9] CARDOSO, Bia. A liderança das mulheres indígenas e seus atuais desafios. Disponível em: http://blogueirasfeministas.com/2017/04/a-lideranca-das-mulheres-indigenas-e-seus-atuais-desafios/. Acesso em: 8 maio 2017. A companheira de sonhos e lutas e também desta coluna, Renata Nóbrega, já começou a escrever a história dessas mulheres indígenas no artigo “Quem somos as ameríndias?”, com destaque para as vidas lindamente contadas de Enir Terena e Damiana Guarani Kaiowá. NÓBREGA, Renata. Quem somos as ameríndias?. Justificando, 4 ago. 2016. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2016/08/04/quem-somos-as-amerindias/. Acesso em: 8 maio 2017.

[10] MILANEZ, A jovem resistência indígena… op. cit..

[11] Cf. NÓBREGA, Quem somos as ameríndias?, op. cit..

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

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