Povos Indígenas e as batalhas em Brasília, por Egon Heck

Por Egon Heck, do secretariado nacional – Cimi

Nas últimas duas semanas quatro delegações indígenas estiveram em Brasília em continuidade à luta pelos direitos dos povos originários em nosso país. As batalhas vêm das bases e chegam até os espaços do poder central, na capital federal. As comissões vieram dos Estados onde atualmente a questão indígena está mais acirrada, e por consequência, onde acontecem as situações de maior violência, conflitos e assassinatos: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Bahia. 

As delegações, em cobranças e denúncias, trouxeram até os órgãos governamentais duas questões vitais: terra e saúde. Dezenas de documentos foram entregues às autoridades denunciando as arbitrariedades e exigindo respostas urgentes às suas demandas de regularização de seus territórios e atendimento de saúde com responsabilidade e dignidade. Exigem, também, investigação e punição nos casos de violências impetradas pelo poder político e econômico contra os povos indígenas em todo o país.

Enfrentando o frio e as frivolidades

Apesar das baixas temperaturas no planalto central, os povos nativos enfrentaram com altivez e galhardia os novos desafios que surgem nos poderes envoltos na lama da corrupção. Quando o sol saudava mais um dia com seus raios quentes, os corpos bronzeados iam sendo pintados. Urucum e jenipapo misturavam-se com sonhos e indignações. A mescla de tinta e utopias marcava mais um dia de batalha para as dezenas de lideranças indígenas. Eles caminhavam na certeza de serem acompanhados por Tupã, dos encantados e dos espíritos dos guerreiros que tombaram nesses mais de cinco séculos de resistência. É o que lhes garante a vitória, diante dos decretos que desejam suas mortes.

Pataxo e Tupinambá, Kaingang, Kaiowá Guarani e Terena, além dos Kinikinawa, Kadiwéu, Aticum e Tumbalalá: todos irmanados pelos direitos originários de seus territórios e pelos projetos de Bem Viver nessa Abya Yala e Brasil continental e plural.

Brasília foi sacudida pelo som dos maracás, pelos constantes Toré (rituais dos povos indígenas do Nordeste), e rituais de guerra e paz. Dançaram e cantaram diante das situação que lhes é cada vez mais adversa. Porém, nunca os deixam roubar a esperança. “Nenhum direito a menos. Avançaremos”, foi o grito que ecoou nos espaços dos três poderes, ministérios e órgãos da burocracia oficial.

Diante dos monólogos evasivos, da efetiva incapacidade de respostas eficazes aos graves problemas da saúde indígena, da não demarcação das terras e do aumento das violências contra seus parentes e suas comunidades, um ancião Pataxó expressou desanimo e indignação: “Já esmoreci. Se soubesse que só iríamos ver enrolação eu não teria vindo”.

Apesar da total incapacidade e despretensão política de atender as demandas e direitos dos povos indígenas, ficou a firme decisão de continuar lutando por seus direitos de todas as formas. Se não for assim, pior ficará.

Saúde indígena e as armadilhas do poder

Uma análise apurada sobre a questão da saúde indígena levaria a caminhos construídos com participação dos povos, autonomia e efetivação de um subsistema próprio. Seria sinônimo de qualidade. Porém, não é o que vemos acontecer.

Na década de 90 a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e suas desastrosas políticas de convênios/terceirização, que envolveram organizações indígenas, foi responsável pelo esfacelamento do movimento indígena organizado em prol da saúde. Houve criminalização de grande parte das lideranças, que foram acusados de malversação dos recursos públicos.

O problema se repete. A criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), apesar dos esforços do controle social desde as bases, não consegue se desvencilhar da armadilha de gerar conflitos e tensões nas comunidades indígena. A atual luta dos movimentos indígenas, de diferentes maneiras e em distintas regiões, se pautam na temática. “Será que esse processo de falência da saúde indígena não é novamente uma armadilha para esvaziar a luta principal, que é a demarcação de garantia de nossos territórios? ”, questionou uma liderança Kaingang. Será que a indevida e nociva interferência dos interesses políticos e partidários não estão novamente corroendo as bases de consolidação de políticas de saúde indígena? Não estão inviabilizando a efetiva autonomia e respeito à saúde dos diversos povos indígenas?

Apesar das respostas aos questionamentos, a situação caótica da saúde especial aos povos indígenas leva a uma necessária e urgente avaliação dos caminhos que estão sendo traçados. Sem uma rigorosa análise não se chegará a uma substancial e efetiva melhoria.

Visibilidade e resistência

Ficou claro para as quatro delegações indígenas que estiveram em Brasília nas últimas semanas que somente a união e a permanente mobilização garantirá a efetivação das políticas públicas aos povos. Unir-se para dar visibilidade a resistência é a mensagem uníssona para que não haja retrocesso.

Além disso, as lutas e batalhas em Brasília, que refletem as travadas nas bases, são importantes espaços de formação política, consolidação do movimento indígena e ampliação de suas alianças, especialmente com os povos e comunidades tradicionais, na luta pelos territórios e projetos de Bem Viver.

Fotos: Laila Menezes / Cimi

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