”Do que as pessoas estão morrendo no Rio de Janeiro? De overdose ou de tiro? É de tiro. As pessoas estão morrendo pela lógica da ‘guerra às drogas’, onde há os territórios do tráfico, os ‘matáveis’, os ‘sobrantes’. A PM é uma ‘sobrante’ dessa sociedade. É descartável tanto quanto o jovem negro. Essa guerra é insana. Um fardado mata dez esfarrapados, um esfarrapado mata um soldado. Quem é o vencedor dessa guerra? Não tem.”
A declaração é do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que conversou com a TV UOL sobre o caos na segurança pública em que o Rio está mergulhado. Segundo ele, a situação atual não é fruto apenas da grave crise econômica pela qual o Estado passa, mas também de políticas que sempre beneficiaram uma parcela pequena de ”cidadãos” de áreas mais nobres, deixando para morrer uma legião de moradores de áreas pobres, policiais e bandidos.
Por conta de conflitos relacionados à disputa de territórios do tráfico de drogas, a comunidade da Rocinha, na capital carioca, vive seu quinto dia de confrontos envolvendo criminosos e policiais. Diante dos tiroteios, alunos foram dispensados das aulas. O governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) pediu ajuda às Forças Armadas para o cerco policial.
Para Freixo, que faz parte da bancada de oposição na Assembleia Legislativa, a tendência é de piora do quadro, pois o Rio de Janeiro estaria sem governo. Segundo ele, Luiz Fernando Pezão ”é um ex-governador em exercício”. O deputado do PSOL defende que os moradores das comunidades e policiais sejam chamados para debater a crise de segurança e não impostas saídas construídas de cima para baixo.
”O debate de segurança pública passa por discutir para quem a cidade vai funcionar, com quem a cidade vai funcionar e pela radicalização de um processo de democracia. Precisa-se discutir com as favelas e elas já estão se organizando para isso. Chega desse processo ‘civilizatório’, colonizador e catequizador chegando nessas áreas e dizendo o que vai acontecer.”
Uma política de segurança pública, segundo ele, deve avançar no debate sobre a legalização das drogas, o que não seria apenas imediato e local, mas um ponto decisivo para não ter os territórios dos ”matáveis” com uma lógica de guerra, de disputa desses territórios, em que a maioria dos mortos é pobre jovem negro e policial.
Outros países têm discutido a legalização das drogas como uma das soluções para reduzir essa disputa armada por territórios. Sabem que a ”guerra às drogas” falhou, servindo apenas para controle político e para fortalecer grupos de poder locais e o tráfico de armas. Por aqui, a Justiça ainda discute qual o tamanho do porte de maconha que pode dar cadeia. Drogas matam. Mas os óbitos por overdose ou em decorrência de crimes cometidos sob a influência de entorpecentes ilegais são a minoria dos casos. Registros policiais mostram que há mais homicídios relacionados ao consumo excessivo de álcool – que é uma droga permitida por lei e estimulada pela TV – do que a qualquer outra.
As maiores batalhas do tráfico sempre acontecem longe dos olhos da classe média e alta, uma vez que a imensa maioria dos corpos contabilizados sempre é desses jovens, negros, pobres, que se matam na conquista de territórios para venda de drogas, pelas leis do tráfico e pelas mãos da polícia e das milícias. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia a dia. Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma origem social e, não raro, da mesma cor de pele, é uma batalha interna.
A forma como o tráfico se organizou e a política adotada pelo poder público para combatê-lo estão entre as principais razões desse conflito armado organizado. Toda a expansão de mercado é conflituosa, mas em uma sociedade que funciona dentro das normas legais, apela-se à Justiça, que decide quem tem razão na disputa. Mas quando se vive em um sistema ilegal, condenado pela própria Justiça, a solução é ter o maior poder bélico possível para fazer valer o seu ponto de vista sobre os demais, sobre a polícia, sobre os moradores de determinada comunidade.
Policiais honestos são vítimas dessa situação, em detrimento aos que não seguem as regras e os que criam milícias. Neste ano, foram 102 assassinados. Ao mesmo tempo, segue o genocídio de jovens negros e pobres nas periferias. Para ele, os números altos de homicídios de policiais não são em locais como Leblon, Ipanema, Gávea e Jardim Botânico, mas nas grandes favelas, na Zona Norte e na Baixada Fluminense. A maioria das mortes não são de agentes de segurança em serviço. ”Ele morre porque é policial, mas tudo começa quando ele é assaltado, como tantos outros naquelas regiões estão sendo assaltados. Há um problema da segurança pública que você não resolve com a lógica da guerra.”
”As armas são de guerra, o número de mortos é de guerra, as cenas são de guerra. Mas a lógica da guerra não é feita pela imagem da guerra”, afirma Freixo. Para ele, a lógica da guerra pressupõe um grupo que está disputando um poder e guerreia para tomar o poder. ”Não há uma guerra civil no Rio, como existem em diversos países. O crime mais organizado do Rio de Janeiro não disputa o poder, ele já está no poder. O crime organizado é o PMDB e ele já está no poder.”
”Nós não podemos achar que a solução para a segurança pública de uma cidade é eliminar o inimigo. Há um processo da criminalização da pobreza, das favelas, das periferias, de onde vem os próprios policiais. E o resultado é que você tem é a polícia que mais mata e a que mais morre. Homens de preto, matando homens pretos, quase todos pretos”, conclui.
Veja a íntegra da entrevista:
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Imagem: Moradoras da Rocinha se protegem de de tiroteio. Foto: Gabriel Paiva/Agência O Globo