Invasores de Terras Indígenas ajudaram a derrubar veto ao Marco Temporal

Três parlamentares com fazendas incidentes em TIs comemoraram a votação; outros 17 receberam doações de pessoas com terras sobrepostas, conforme o dossiê “Os Invasores”; 75% dos votos no Congresso saíram da bancada ruralista; Apib aponta interesse direto de Arthur Lira no tema

Por Carolina Bataier e Nanci Pittelkow, no De Olho nos Ruralistas

Dos 312 parlamentares integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), 282 votaram contra os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Marco Temporal. A bancada ruralista garantiu 75% dos votos para a derrubada dos vetos, que representa maior facilidade para a invasão de terras indígenas e põe em risco os direitos dos povos originários do Brasil.

O PL de Bolsonaro deu o maior número de votos, 81. E os ruralistas do União Brasil, partido que está na base do governo Lula, garantiram 42. Os ruralistas de Minas Gerais foram os que mais deram votos, com 32 do total, seguidos de São Paulo (30) e Paraná (23). É de Minas um dos deputados federais com interesses particulares no Marco Temporal.

Em junho, o De Olho nos Ruralistas lançou o dossiê  “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas“, que identificou 42 políticos e seus familiares com 96 mil hectares sobrepostos a terras indígenas. Três deles estavam na sessão da derrubada do veto, legislando em claro conflito de interesses.

BAGATTOLI, SPERAFICO E CARDOSO JR DISPUTAM TERRAS COM INDÍGENAS

Entre os políticos que derrubaram o veto, três têm negócios em áreas indígenas invadidas: o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) e os deputados Dilceu Sperafico (PP-PR) e Newton Cardoso Júnior (MDB-MG), todos membros da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Junto do irmão, Orlando, Jaime Bagattoli detém 2.591,76 hectares sobrepostos à TI Rio Omerê, em Corumbiara (RO). A propriedade, batizada de Fazenda São José, está registrada no nome da Transportadora Giomila Ltda, parte do Grupo Bagattoli — um dos maiores conglomerados de Rondônia.

Em 20 de junho, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, Bagattoli “admitiu possuir fazenda em terra indígena em Rondônia” e explicitou o interesse pessoal pelo Marco Temporal. “A parte toda da reserva foi homologada junto mais dois mil e poucos hectares”, detalhou o senador na audiência. “Toda a mata foi homologada para reserva indígena, que, se o marco regulatório, o Marco Temporal cai, voltaria essa mata para todos os antigos proprietários”.

No Mato Grosso do Sul, o deputado Dirceu Sperafico é co-proprietário da Fazenda Maracay, de 4.418 hectares, uma área destinada à plantação de soja, cujos limites avançam sobre o território Iguatemipegua I, do povo Guarani Kaiowá. O congressista é dono do Grupo Sperafico, do ramo da comercialização de soja, milho, trigo e derivados. Em 2007, um ônibus do grupo Sperafico deu apoio logístico a um ataque armado contra a Comunidade Indígena Kurussu Ambá. O ataque resultou no assassinato de uma indígena Guarani Kaiowá, de 73 anos.

A Companhia Siderúrgica Pitangui reivindica uma série de fazendas na região norte de Minas Gerais. A empresa está em nome de Newton Cardoso Jr. e do seu pai, o ex-governador de Minas, Newton Cardoso, o Newtão. No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a empresa tem registrada as Fazendas Crisciúma e Capão, em Martinho Campos (MG), que se encontram completamente sobrepostas ao território do povo Kaxixó: a primeira com 460,20 hectares, a segunda com 373,84.

Ligado à defesa dos setores siderúrgico e de silvicultura, o também pecuarista Newtinho é relator do PL 4059/2012, que pretendia liberar a compra de até 100 mil hectares de terra por parte de estrangeiros.

INVASORES DE TI DOARAM R$ 3,6 MILHÕES PARA 18 CONGRESSISTAS

A lista de políticos favoráveis à derrubada dos vetos ao Marco Temporal inclui parlamentares que receberam doações de campanha vindas de invasores de terras indígenas. De Olho nos Ruralistas levantou que 18 congressistas receberam R$ 3,6 milhões nas últimas eleições desses empresários invasores.

O presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), recebeu R$20 mil em doações do algodoeiro Cirineu de Aguiar, sócio-proprietário da Agropecuária Calupa. A empresa é a dona da Fazenda São Tomé, que tem a totalidade de seus 2.500,83 hectares sobrepostos à TI Apiaká do Pontal e Isolados, no município de Apiacás (MT). Paulo Sérgio, irmão e sócio de Cirineu, possui outra fazenda incidente no mesmo território: a Serro Azul, com 3 mil hectares titulados dentro da área indígena, que aguarda desde 2011 pela conclusão do processo demarcatório.

Com histórico de financiamento vindo de ruralistas, a senadora Tereza Cristina (PL-MS) recebeu doações de fazendeiros com sobreposições em território Guarani Kaiowá. Em 2022, John Francis Walton e Renato Eugênio de Rezende Barbosa doaram R$ 20 mil e R$ 30 mil, respectivamente.  Tanto Walton quanto Barbosa tem terras sobrepostas à TI Dourados-Amambaipeguá I, no Mato Grosso do Sul. O primeiro com 1.258,61 hectares e o segundo com 238,53 hectares.

Em 2018, Cristina recebeu R$ 10 mil de Wilson Brochmann, dono da Agropecuária Maragogipe, com 1.470,49 hectares incidentes na TI Iguatemipegua I.

Jaime Bagattoli também marca presença na lista de políticos financiados por invasores de Terras indígenas e favoráveis ao Marco Temporal. Em sua campanha de 2022, ele recebeu R$ 2,89 milhões do irmão Orlando, seu sócio na Transportadora Giomila Ltda, a mesma responsável pela sobreposição na TI Rio Omerê.

Os outros parlamentares financiados por invasores de terras indígenas e favoráveis ao marco temporal são:  Thiago Flores (MDB-RO), , Fabio Garcia (União-MT), Luiz Nishimori (PSD-PR), Covatti Filho (PP-RS), Newton Cardoso Jr (MDB-MG), Amália Barros (PL-MT), Evair Vieira de Melo (PP-ES), Domingos Sávio (PL-MG), Marcos Pollon (PL-MS), Rodolfo Nogueira (PL-MS), Marcel Van Hatten (NOVO-RS). Estiveram ausentes, mas são favoráveis à tese, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e os deputados Fabio Garcia (União-MT) e André Fufuca (PP-MA). Apenas Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) votou pelo veto de Lula.

EM FESTA DO NELORE, LIRA REAFIRMA ARTICULAÇÃO PARA O VETO QUE INTERESSA A SEU CLÃ

Três dias antes da derrubada do veto do Marco Temporal, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), reafirmou seu compromisso com a causa anti-indígena durante o Nelore Fest, definido pelos organizadores como o Oscar da Pecuária. “Congresso estará firme na derrubada do veto ao marco temporal”, disse na ocasião, o deputado federal e chefe do clã Pereira que tem interesse direto na questão.

Publicado em novembro, o relatório “Arthur, o Fazendeiro“ revelou a face agrária do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e seus laços familiares com invasores de terras indígenas.

Em São Brás (AL), nas margens do Rio São Francisco, os herdeiros do pecuarista Adelmo Pereira, tio de Lira, são donos de 2.014,69 hectares sobrepostos à área de reestudo da Terra Indígena Kariri-Xocó, homologada por Lula em abril de 2023. Falecido em 2016, Adelmo era primo de Ivanete Pereira de Lira, a mãe de Arthur.

Pouco antes de morrer, o fazendeiro foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por destruir 259,60 hectares de uma mata considerada sagrada pelos Kariri-Xocó.

No dia 28 de abril de 2023, o povo Kariri-Xocó celebrou a tão sonhada demarcação de seu território. O Decreto 11.508/2023, assinado pelo presidente Lula, homologou a nova área de reestudo, ampliando a TI  dos atuais 600 hectares para a extensão de 4.689 hectares. Mas o decreto presidencial, sozinho, não garante aos Kariri-Xocó o usufruto de seu território. De Olho nos Ruralistas esteve no local e conversou com os líderes indígenas. Veja o vídeo.

INVASORES COMEMORAM MARCO TEMPORAL NAS REDES SOCIAIS

No Instagram, o senador Bagattoli comemorou a derrubada dos vetos. Nos stories, ele compartilhou uma postagem da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) de Rondônia, que classificava a decisão dos parlamentares de “avanço para o equilíbrio”.

Com imagens dos deputados e senadores favoráveis à derrubada dos vetos, a publicação parabenizou os parlamentares do estado que, “ao direcionarem seus votos, contribuíram para a preservação do direito de propriedade”.

O deputado Dilceu Sperafico também celebrou nas redes, com um vídeo no Instagram, onde diz:

— Trabalhamos bastante hoje mas conseguimos uma grande vitória, derrubamos os vetos presidenciais que tanto estavam incomodando a nossa sociedade. 

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o paranaense Pedro Lupion, que recebeu dinheiro de invasores de terras indígenas, também comemorou. “Essa vitória é para todos os brasileiros que defendem o direito de propriedade e a segurança jurídica”, escreveu no Instagram.

CAMPANHA DA APIB É REFORÇADA POR DADOS DESTE OBSERVATÓRIO

Desde que a lei 14.701/2023 foi aprovada no congresso em 20 de outubro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ativou a campanha Emergência Indígena para proteger os direitos dos povos originários, assim como o ambiente. “O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas”, diz Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, em texto da campanha publicado após a derrubada dos vetos. “O Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça o coordenador.

Em novembro, o material da Apib apontou os os interesses diretos do presidente da câmara, Arthur Lira (PP-AL), em relação ao Marco Temporal. Os dados foram reproduzidos do dossiê “Arthur, o Fazendeiro”, que revelou a extensão do império agropecuário dos clãs Lira e Pereira, lado paterno e materno da família do deputado alagoano.

Durante a COP 28, a articulação enviou uma comitiva para Dubai, nos Emirados Árabes, para reforçar as Emergências Indígenas e exigir a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas.

Próximo da votação dos vetos, a campanha da Apib ressaltou os interesses diretos dos congressistas, com base nos relatórios “Os Invasores” 1 e 2. Os materiais destacam os 96 mil hectares de terras sobrepostas às TIs e a doação de R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas.

Como resposta ao resultado da votação, a Apib e suas suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) vão protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação da lei. A ação será proposta em conjunto com partidos políticos como PT, Rede, PSOL e PSB.

Imagem Principal (De Olho nos Ruralistas): Newton Cardoso Jr., Jaime Bagattoli e Dilceu Sperafico têm interesses pessoais em manter o Marco Temporal

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Ilustração: Lila

 

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