Precisamos de uma sociedade diferente, não só uma polícia “diferente”. E em todos os níveis…

Por Mônica Francisco*, no Jornal do Brasil

A ilustração feita pela pesquisadora da Justiça Global e moradora da favela de Manguinhos sobre a composição da mesa composta por membros da Defensoria Pública e da Polícia Militar, na Audiência Pública “Segurança Pra Quem?”, quinta-feira (23), demonstra o enorme esforço que ainda faremos no sentido de “virar o jogo” e mudar o quadro de produção de mortes de jovens por letalidade violenta e produzida principalmente por armas de fogo. A audiência foi proposta por moradores de diversas favelas e instituições – como o Fórum Social de Manguinhos, a Rede de Comunidades Contra Violência, Justiça Global, Anistia Internacional e o Fórum de Juventudes.

A mesa foi composta por homens e brancos, e a plateia, com uma maioria negra, pobre e feminina, representando mortos negros, jovens e pobres, moradores de favelas, nos leva cada vez mais a refletir sobre o que realmente precisa ser mudado na sociedade brasileira.

Há uma espécie de entorpecimento, causado pelo racismo, como frisou Rute Sales, que nasceu na favela Indiana na Tijuca, do racismo institucional, mencionado pelo defensor Daniel Lozoya e que minimiza, ou pior, hierarquiza socialmente a dor e a importância da morte ou da vitimização grave e incapacitante, como os casos de jovens que perderam toda sua capacidade motora e perspectiva de futuro.

Muitas observações foram feitas ao longo das intervenções por parte da sociedade civil e de representantes das instituições de defesa dos direitos humanos. Elas afirmaram que a ainda não superada cultura patrimonialista, machista e autoritária, resquícios da longevidade da escravidão negra no Brasil e de 21 anos de Ditadura Civil-Militar, são ingredientes que dão corpo a essa situação gravíssima, e mantém a situação catastrófica que vivemos em nossa sociedade nesse sentido.

A tão difundida guerra às drogas, que na verdade não consegue impedir o derrame de armas e substâncias ilegais em locais onde não são fabricadas e produzidas, agrava o tão alardeado “efeito colateral”, que segundo Dalva Lourenço, do Morro do Borel, representante do Movimento “Posso me Identificar” e da “Rede de Comunidades contra a Violência”, vem ampliando a morte de crianças e mulheres nas favelas.

Observar a estética da dor extrema e real, presente na confrontação entre os banners de rostos felizes e cheios de sonhos interrompidos e na própria dor presente nos rostos que ali representavam seus filhos mortos, como familiares dos meninos de Costa Barros e do pai do jovem morto há uma semana em Manguinhos, dor essa possível de se sentir de forma muito concreta no auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, nos provoca uma profunda e necessária reflexão sobre o que esperamos das políticas de segurança, principalmente as que se destinam ao combate às drogas.

O que fazer para de maneira emergencial, reduzirmos os números vergonhosos do que já se atestou ser o genocídio brasileiro, mascarado pelo preconceito e discriminação presentes na sociedade brasileira e levado a cabo pelo racismo institucional incrustado nas instituições brasileiras.

Como ampliar o debate, fazer com que ele seja de interesse de todos. Ora, vivemos em uma sociedade globalizada e o problema de um, logo logo se tronará o problema de todos.

Como fugir da aparente determinação que persegue um segmento da sociedade brasileira, a saber, os seus jovens negros, pobres e das favelas e periferias urbanas.

Como cooptar mentes e corações para o direito à vida, de todos e todas, não de algumas vidas. Este é o desafio posto e a difícil tarefa, tanto das instituições quanto da própria sociedade. Não podemos mais aceitar que alguns sejam mais ou menos passíveis de serem mortos(as), por sua condição sócio-econômica e cor de pele. Repito: ou fazemos um movimento brusco em direção à busca de uma solução, ou afundamos todos.

O que precisamos de fato é de uma sociedade diferente, não só uma polícia “diferente”. Como o sugestivo nome do aplicativo criado pelo Fórum de Juventudes para auxiliar nas denúncias de violência sofridas por jovens nestas áreas, enquanto isso não acontece, é na base do “Nós por Nós”.

* Mônica Santos Francisco – Consultora na ONG ASPLANDE, Colunista no Jornal do Brasil. Coordenadora do Grupo Arteiras

Destaque: colagem das duas fotos publicadas pelo JB. Legenda original: “A mesa foi composta por homens e brancos…” “… e a plateia, com uma maioria negra, pobre e feminina”.

 

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