CPT Bahia: 40 anos de serviço, rebeldia e esperança

 

A CPT – Comissão Pastoral da Terra da Bahia, acolhida na sede da CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço, espaço ecumênico por excelência, com 67 participantes entre agentes e parceiros, expressa sua alegria em fazer, na luta, memória de seus 40 anos de serviço aos povos e comunidades do campo baiano.

Na atual conjuntura, estamos praticamente em estado de anomia, predominante a inércia ou uma reação longe da necessária, frente ao golpe político-econômico parlamentar-midiático, com respaldo do Judiciário, que se instalou no País. Parece que perdemos a capacidade de mobilização e articulação de forças sociais, que já tivemos em outros tempos, para enfrentar à altura as manobras reacionárias acintosas das minoritárias forças do capital e do velho patrimonialismo nacional. Direitos humanos econômicos, sociais e ambientais historicamente conquistados com muita luta, suor e sangue, vêm sendo solapados em canetadas do governo interino mancomunado com o Congresso e a Justiça, sob os olhares da sociedade civil, dividida entre atônita e entorpecida.

Ao celebrar 40 anos neste momento, a CPT só tem a comemorar as lutas e as pequenas conquistas dos pobres do campo baiano. Conquistas importantes, mas que ficam menores e ameaçadas com esta avalanche de novas tribulações, somadas às antigas, das populações rurais empenhadas na resistência e na busca da terra, dos territórios e das condições de vida digna, conforme seu modo tradicional. Não só a liberdade e a democracia, mas também a vida de nossas terras e águas e nossa rica agrobiodiversidade, estão em grave perigo.

Por todas as regiões da Bahia multiplicam-se estas situações; por exemplo:

  • Em Areia Grande, no município de Casa Nova, o Juiz, pouco antes de ser transferido, nega reconhecimento de terra devoluta e determina o despejo de quase 400 famílias da área que ocupam tradicionalmente como fundo de pasto há 163 anos;
  • Nos municípios de Xique-Xique e Itaguaçu da Bahia, cerca de 700 famílias de 18 comunidades, têm suas terras, águas e modo de vida ameaçados pelo Projeto de Irrigação Baixio de Irecê;
  • A truculência racista da Marinha de Guerra faz de tudo para expulsar de seu antigo território mais de 70 famílias do Quilombo Rio dos Macacos, na Baía de Todos os Santos;
  • O projeto desenvolvimentista falacioso da nova fronteira agrícola denominada MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), criado, organizado e monopolizado pelo agro-hidronegócio, à frente o Ministério da Agricultura, ameaça os recursos naturais e a biodiversidade do que resta do Cerrado, bioma mais antigo, “caixa d’água” do Brasil, e os territórios dos povos e comunidades tradicionais que o têm preservado até hoje;
  • Em várias regiões da Bahia, pipocam estudos e processos de exploração mineral e instalação de parques eólicos, à base de grilagem de terras, especulação fundiária e assédio às famílias camponesas com contratos abusivos de arrendamento, violentando o modo das comunidades tradicionais viverem no sertão;
  • O tributo espantoso que a Bahia oferece ainda ao capital com o sangue indígena. Os primeiros donos desta terra, com sua cultura, importância histórica e capacidade de cuidar da terra, correm risco constante. Caso do cacique Babau, dos Tupinambá, em prisão domiciliar. Caso dos Pataxós e dos Pataxós Hã Hã Hãe, no Litoral Sul do Estado, e dos Xacriabás de Cocos. Estes povos e outras comunidades tradicionais, como os quilombolas, fundos e fechos de pasto, pescadores e camponeses sem terra, mobilizam-se permanentemente, contra toda adversidade, para reverter o genocídio, etnocídio e ecocídio que pesa sobre eles, com consequências para todos nós, de responsabilidade das classes abastadas, sempre donas do poder, e de igrejas também. São eles a esperança!

A expansão dos projetos do capital no campo baiano e brasileiro, nos últimos três decênios – conforme os dados de 1985 a 2015 documentados pela CPT– se faz à custa de crescente número de conflitos, de famílias e hectares envolvidos e de violências contra o campesinato. Só na Bahia, neste período, foram 2.715 ocorrências destes conflitos, que envolveram mais de 800 mil pessoas, com 6.816 ocorrências de violências, das quais 119 assassinatos, quase todos impunes! Libertados de trabalho escravo foram 6.449. Uma tragédia sem fim à vista! Pelo que, como Pastoral da Terra, precisamos continuar, animados pela resistência popular, atestada, entre outras lutas, por 644 ocupações de terra e retomadas de territórios!

Desde o seio de nossas igrejas e de todas as denominações religiosas, entre elas aquelas oriundas da mãe África, na Bahia, que permanecem fiéis à sua missão benfazeja, em diálogo com os movimentos sociais e entidades de apoio, a CPT Bahia renova seu compromisso de serviço pastoral solidário com as causas e lutas de libertação e de protagonismo dos povos do campo, com prioridade para os mais pobres e abandonados. Nosso pedido é que possamos ser ajudados nesta tarefa pelos nossos parceiros e interlocutores, conforme os desafios enormes da hora presente.

Em sintonia com nossas comunidades de seguidores de Jesus, sentimos que precisamos tomar mais cuidado com “o fermento de Herodes e dos fariseus” (Mc 8,14-21) e assumir corajosamente a atitude de Pedro e João diante do paralítico coletivo, simbólico e real: “Ouro e prata não temos, mas o que temos te damos: em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda! (At 3,6).

Salvador da Bahia, 20 de julho de 2016.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

 

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