Por Fabiano Maisonnave e Lalo Almeida, enviados especiais da Folha
Num dos trechos mais isolados da Transamazônica, o km 180, no município de Itaituba (a cerca de 890 km de Belém, em linha reta), parece miragem: três avionetas estacionadas a poucos metros da rodovia, hotel, churrascaria, açougue, borracharia, posto informal de combustível e um minimercado. Tudo para atender o “amigo garimpeiro”, como anuncia a placa na entrada.
O ponto está estrategicamente localizado entre Itaituba e Jacareacanga (em linha reta, distante 1.158 km da capital paraense), região com mais de meio século de intensa busca pelo ouro. Dali, os aviões saem carregados de garimpeiros, combustível, maquinários. Descem em pistas clandestinas abertas no meio da floresta repleta de histórias de acidentes e de quase acidentes aéreos.
A chegada ao hotel/churrascaria, no final da tarde, desperta desconfiança. “Vocês são policiais federais?”, pergunta o garimpeiro Francisco (nome fictício), enquanto sentava à mesa coberta por uma toalha de plástico. “Aqui, quando tem branco como vocês, a gente sempre acha que é PF.”
Passada a suspeita, Francisco, de camiseta regata, chapéu camuflado de pescador e uma chave pendurada no pescoço, se anima a contar a sua história. Com 47 anos, disse que começou no garimpo aos 11. Não tem mulher ou filhos e já se arriscou na Bolívia, em Rondônia e na Guiana, mas diz que o seu lugar é o Pará.
“A cultura daqui é o ouro. Aqui, não tem agricultura de grão. A riqueza do Pará é o ouro”, assegura, ao mostrar pepitas de ouro envoltas num pano, resultado da recém-encerrada temporada no garimpo.
Às vezes, é preciso parar a conversa para entender o vocabulário específico. Carote é o galão de 60 litros de combustível que, no garimpo, tem valor de troca, como o ouro. Bamburrar é encontrar uma grande quantidade do mineral. PC, a escavadeira mais usada no garimpo.
Algumas cervejas mais tarde, ele se anima a convidar o repórter a investir numa PC de R$ 500 mil. “Tenho um monte de terra pesquisada, sei onde está o ouro. Todo mês, te entrego 1 kg de ouro, dá para pagar as prestações.”
Na “conta de açougueiro”, o negócio é tentador. Ao preço de R$ 120 o grama, 1 kg de ouro renderia R$ 120 mil, enquanto a prestação mensal do PC sai, em média, R$ 27 mil, afirma Francisco.
Ele ainda oferece uma serra de ametista antes de marcar uma nova conversa no dia seguinte. Em seguida, cada um se recolhe em seu quarto do hotel Amigo Fazendeiro, que conta com ar-condicionado, banho privado e ainda oferece internet a R$ 5/hora.
ESTÉTICA DA TRANSAMAZÔNICA
TRANSIÇÃO INCERTA
Medir o tamanho do negócio é impossível, afirma Carlos Botelho da Costa, superintendente no Pará do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). Não há estimativas confiáveis, explica, de quantos garimpeiros existem no Estado nem da quantidade de ouro e de outros minerais extraída ilegalmente, mas o volume é expressivo a ponto de sustentar Itaituba, conhecida como a “cidade pepita”.
Costa compara fiscalizar o garimpo a “enxugar gelo”, dadas as dimensões do Pará. Ele defende uma reforma na legislação para facilitar a legalização. “O fato é que hoje não tem como arbitrarmos a atividade. Isso gera evasão fiscal e danos ambientais.”
Para o antropólogo do Museu Goeldi (Belém) Roberto Araújo Santos, Itaituba está passando por uma fase de transição com a chegada do agronegócio e das concessões para grandes empresas mineradoras.
Ele cita ainda a possibilidade, por ora adiada, da construção da hidrelétrica São Luiz do Tapajós, que sofre forte resistência dos índios mundurucus e de ambientalistas.
Às margens do rio Tapajós, a cidade de 98 mil habitantes vem se transformando num entreposto da produção de soja de Mato Grosso, que chega à cidade pela BR-163 e é embarcada rumo ao exterior em grandes terminais.
Santos, no entanto, afirma que o garimpo ilegal continuará tendo importância no futuro próximo devido à falta de alternativas e à pouca tradição de agricultura familiar, ao contrário de regiões mais próximas, como a zona cacaueira perto de Altamira.
Na manhã do dia seguinte, Francisco já havia partido de madrugada rumo a Itaituba, de carona. Com ele, a chance de este repórter bamburrar.
RAIO-X
Cidade: Itaituba (PA)
Ranking de Eficiência (REM-F): 4.857º (0,326) Ineficiente
IDHM (2010)*: 0,640 (médio)
Área desmatada (km²): 5.357 (8,6%)
Cidade: Jacareacanga (PA)
Ranking de Eficiência (REM-F): 0,505 (baixo)
IDHM (2010)*: N/D
Área desmatada (km²): 1.481 (2,8%)
*Números de 2010. O índice varia de 0 a 1. Os municípios da Transamazônica são de desenvolvimento baixo ou médio. O IDH do Brasil é 0,755.
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Textos: Fabiano Maisonnave / Fotos: Lalo de Almeida / Edição: Beatriz Izumino e Eduardo Scolese / Infografia: Carolina Daffara / Edição de vídeo:Giovanni Bello / Edição de fotografia: Daigo Oliva / Design e desenvolvimento: Angelo Dias, Pilker, Rubens Alencar e Thiago Almeida
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