Brasil debate créditos de carbono na COP-22; setores pressionam por mudança histórica

Multinacionais, ONGs e setores do agronegócio “querem financeirizar combate ao desmatamento”, dizem especialistas

Por Lilian Campelo, Brasil de Fato

É forte a pressão de empresas multinacionais, ONGs ambientalistas, setores do agronegócio e parlamentares da Amazônia Legal para que o Brasil mude sua posição sobre a geração de créditos de carbono em projetos de combate ao desmatamento, chamados Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+). Os créditos são adquiridos por outros países, principalmente do hemisfério norte, para compensar a redução de emissões de gases de efeito estufa, sem interferir no ritmo de produção e consumo na lógica do mercado.

As discussões sobre os créditos, criados na formatação do Protocolo de Kyoto, o Acordo de Paris e sua implementação foram iniciadas nesta semana. Os mercados, também conhecidos como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), são advindos de projetos realizados em países em desenvolvimento, como o Brasil.

Camila Moreno, integrante do grupo Carta de Belém, articulação brasileira de movimentos sociais, ONGs, populações tradicionais, sindicatos e pesquisadores, está acompanhando as negociações relacionadas à implementação do Acordo de Paris na 22ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-22) que ocorre desde o dia 7 em Marrakech, no Marrocos.

Ela destaca que a potencial mudança de posição do Brasil vai muito além de qualquer questão doméstica. “A posição brasileira, que é uma posição histórica de estado, ela está segurando uma engrenagem central ao Acordo de Paris que é: quem tem dinheiro e pode comprar o cumprimento das metas, compra resultado de mitigação de outros países”, disse.

O clima virou negócio

Camila Moreno destaca que os discursos que norteiam a COP-22 são centralizados em narrativas de financeirização da natureza, em que bens naturais podem ser comercializados e virar negócios rentáveis, desviando a questão central do problema que é a discussão do atual modelo econômico. Nesse cenário de Bolsa de Valores surgem personagens que ela denomina como “corretor ambiental”, ávidos por porcentagens nas negociações.

“É muito diferente de um debate que visa um futuro comum na humanidade, que está pautado pelos direitos humanos, que é inclusivo com as populações que não estão representadas aqui. É um ambiente onde tem interesses geopolíticos muito fortes, (…) não pode ser reduzindo a uma questão administrativa, uma questão de engenharia financeira de como é que ‘eu vou financiar ou destravar investimento florestal’”.

Ameaças aos povos tradicionais

Projetos como o REDD+ ameaçam a identidade de comunidades tradicionais que vivem da floresta e tem nela sua subsistência, além de contribuir com conflitos socioambientais como relata a pesquisadora Fabrina Furtado, pós-doutoranda pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Em geral esses projetos consideram essas áreas como estoque de carbono e tendem a proibir ou limitar o uso das comunidades em torno desse território, então muitos [moradores] são proibidos de caçar, plantar, ou seja de viver e se inter-relacionar com os seus territórios como sempre fizeram”, afirma Furtado.

Fabrina Furtado estuda os impactos causados por projetos de combate ao desmatamento como o REDD+ no Acre e participou também da relatoria do programa Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Dhesca (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). A publicação ganhou o nome de Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violações de direitos no estado do Acre.

Outra ameaça, segundo Fabrina, é a inserção dessas populações tradicionais em práticas mercantis e que não correspondem ao seu modo de vida. Com o tempo, elas passam a ser vistas como “agentes de desmatamento”. “Enquanto isso, não se fala no papel dos grandes fazendeiros, dos mega projetos, mineração, das causas estruturais dos desmatamentos e da degradação ambiental”, conclui.

Na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, localizada em Santarém, no estado do Pará, uma empresa tentava convencer os moradores de algumas comunidades a aderir ao mercado de carbono. Manoel Edivaldo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), informa que o caso teve grande repercussão na cidade levando lideranças indígenas a ocuparem a sede do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Na época o instituto publicou a portaria nº 262, que criava um grupo de Trabalho (GT) para acompanhar e apoiar a implantação do Projeto Demonstrativo de Carbono Florestal na Unidade de Conservação (UC) Tapajós-Arapiuns.

“Eles diziam que eles estavam pegando informação, mas não era isso não, eles estavam fazendo lobby para que as comunidades aderissem ao projeto de crédito de carbono que era um projeto do Icmbio. Então quando nós identificamos através das lideranças, das comunidades, nós realizamos um seminário na sede do sindicato, eles entenderam o que era esse projeto e decidiram que não iriam aceitar mais que a empresa fizesse esse trabalho nas comunidades”.

Edição: José Eduardo Bernardes.

Imagem: World Rainforest Movement

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