Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Um dos maiores absurdos que se arrastam, desde a eclosão do crime da Samarco-Vale-BHP, é o não reconhecimento, como atingidas, das comunidades pesqueiras ao norte da Foz do rio Doce – desde o Pontal do Ipiranga, em Linhares, até Barra Nova, em São Mateus – até a Barra do Sahy, em Aracruz.
São mais de cinco mil pessoas, completamente abandonadas pelo Estado e pelas empresas, não recebendo nenhuma das ações de reparação e compensação socioeconômica e socioambiental realizadas pela empresa e, mais recentemente, pela Fundação Renova.
Laudos técnicos que comprovam a extensão da lama de rejeitos da barragem de Fundão por toda essa região – e além, já tendo chegado até o sul da Bahia, ao norte, e até a divisa com o Rio de Janeiro, ao sul – já estão disponibilizados desde o final de 2015 pelos órgãos ambientais federais, que realizam o monitoramento da movimentação da “pluma” de rejeitos.
O Ministério Público Federal, em sua Ação Civil Pública de maio de 2016, contemplou a extensão do reconhecimento como atingidos a essas comunidades, porém a ACP ainda deve trilhar um longo caminho até ser devidamente julgada pela Justiça Federal.
Organizadas no Fórum Norte da Foz, as próprias comunidades, com apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Defensoria Pública Estadual, Movimento dos Atingidos por Barragens, entre diversas outras organizações públicas e privadas, vêm denunciando o absurdo em diversos fóruns, mas o descaso perdura.
Humilhação e abandono
E, enquanto isso, essas cerca de cinco mil pessoas continuam com suas fontes de renda seriamente comprometidas, passando por sérias dificuldades para garantir o sustento, muitas sendo despejadas de suas casas e tendo que se alimentar através de doações de parentes, amigos e instituições de caridade. Sem falar na humilhação, na depressão e no aumento do uso de álcool e outras drogas, além de prostituição, violência e crimes.
A reversão desse quadro de profunda injustiça e calamidade social tem sido trabalhado intensamente pelo Grupo Interdefensorial do Rio Doce (GIRD), formado pelas Defensorias Públicas da União e estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais. Nas primeiras tentativas, diretamente junto à Samarco-Vale-BHP e Fundação Renova, a resposta foi negativa.
Uma nova investida está em curso no momento, junto ao Comitê Interfederativo (CIF), presidido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e composto por representantes da União, dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, dos municípios impactados e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce.
Fundação Renova: unilateral e antidemocrática
O CIF tem a função de fiscalizar a atuação da Fundação Renova e tem realizado reuniões itinerantes nos dois estados. A próxima, nos dias 30 e 31 de janeiro, tem como uma das pautas a apresentação de um relatório, pelas suas câmaras técnicas de organização social e segurança hídrica, com base em uma nota técnica enviada pelo GIRD, em que é solicitada a intervenção do CIF, junto à Renova, para que contemple as comunidades do Norte da Foz e Barra do Sahy nos planos e programas de compensação e reparação.
O GIRD, em sua nota técnica, acusa a fundação de conduta unilateral e antidemocrática, motivos pelos quais tem deixado de atender as comunidades citadas. “O Comitê tem papel importante na defesa dos impactados. É necessário que se posicione em favor deles”, alega o defensor público do Espírito Santo, Rafael Mello Portella.
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Imagem: “Quando ocorre um desastre como o de Mariana é preciso ter um jeito para valorar coisas desse tipo na bacia inteira do rio Doce e não apenas no distrito de Bento Rodrigues” (Foto: Antônio Philomena/Divulgação)