Patricia Fachin – IHU On-Line
O monitoramento do desmatamento nas Unidades de Conservação da Amazônia Legal, realizado entre 2008 e 2015 pelo Imazon, demonstra que as 50 UCs mais desmatadas estão em “área de expansão da fronteira agropecuária e sob influência de projetos de infraestrutura como rodovias, hidrovias, portos e hidrelétricas, que geram fortes ondas migratórias e valorizam as terras do entorno”, diz Elis Araújo à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Segundo ela, os estados do Pará e Rondônia “concentram a maior parte do desmatamento detectado nas UCs críticas; Pará com quase 50% e Rondônia com cerca de 40%”. Dessas 50, informa, dez UCs são classificadas entre as mais desmatadas: “cinco ficam no Pará e três em Rondônia. A UC mais desmatada da Amazônia está no Pará; é a APA Triunfo do Xingu, de gestão estadual”.
De acordo com Elis Araújo, a queima da vegetação na área desmatada possivelmente resultou na “emissão de 119 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente por ano”. Esse valor, compara, é semelhante “às emissões anuais de gás carbônico por 41 milhões de automóveis, ou 80% da frota de automóveis do Brasil”.
Além do desmatamento ilegal nas áreas de conservação, Elis chama atenção para a redução das UCs a partir da publicação de Medidas Provisórias pelo governo. “No final de 2016, o governo publicou a Medida Provisória – MP nº 756/2016, que reduziu a Flona [Floresta Nacional] Jamanxim em 57%. Dos 743.540 hectares excluídos, o governo destinou 59% ao Parna Rio Novo e 41% à recém-criada APA Jamanxim. Os 305 mil hectares destinados à APA permitem a existência de propriedades privadas e, portanto, a regularização fundiária e ambiental de quem invadiu a UC e agia em total ilegalidade”, informa.
Projetos de Leis também foram enviados ao Palácio do Planalto para reduzir UCs na Amazônia. “Recentemente, parlamentares do Amazonas enviaram um projeto de lei ao Palácio do Planalto com a proposta de reduzir em 65% a área de cinco UCs criadas no sul desse estado em 2016. Esses projetos e as reduções de UCs já realizadas dão esperança a ocupantes ilegais nas UCs e estimulam novas invasões e desmatamento. Por exemplo, é notável o aumento do desmatamento na Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo em 2015, vizinha à Flona Jamanxim, 355% maior em relação a 2014. Os ocupantes da Rebio acreditavam que podiam pegar carona nas negociações para alterar a Flona Jamanxim, o que, de fato, está acontecendo”.
Elis Araújo é advogada e especialista em Bioestatística pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Atualmente atua no Programa Lei e Sustentabilidade do Imazon.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo o estudo realizado pelo Imazon, entre 2012 e 2015, 237,3 mil hectares foram desmatados nas Unidades de Conservação – UCs da Amazônia. Pode nos explicar como foi feito esse estudo de monitoramento nas UCs, quais foram monitoradas e em quais há maior desmatamento?
Elis Araújo – Nós analisamos a tendência de desmatamento dentro de Unidades de Conservação da Amazônia Legal entre 2008 e 2015, a partir dos dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal – Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe. Partimos de 2008, porque esse foi o ano em que as medidas contra o desmatamento se intensificaram, a exemplo dos embargos das áreas ilegalmente desmatadas e das restrições econômicas aos municípios listados pelo Ministério do Meio Ambiente – MMA como os que mais desmatam.
Em seguida, nós listamos as 50 UCs mais desmatadas da Amazônia Legal nos últimos quatro anos (2012-2015). Ao fazer isso, demonstramos que apenas 16% do total de UCs existentes em 2015 concentravam 97% do total desmatado em UCs no período (2012-2015). Nós chamamos essas 50 UCs mais desmatadas de UCs críticas. Elas estão em área de expansão da fronteira agropecuária e sob influência de projetos de infraestrutura como rodovias, hidrovias, portos e hidrelétricas, que geram fortes ondas migratórias e valorizam as terras do entorno. Os estados do Pará e de Rondônia concentraram a maior parte do desmatamento detectado nas UCs críticas; Pará com quase 50% e Rondônia com cerca de 40%. Os dados mostram ainda que as UCs sob gestão federal estão em maior número no ranking (27), mas que as estaduais apresentaram maior área desmatada (68%).
A partir da lista das 50 UCs mais desmatadas, destacamos as dez primeiras, que reúnem 79% do total desmatado em UCs em toda a Amazônia Legal. Nós buscamos informações sobre a gestão dessas áreas e as principais pressões e ameaças que enfrentam. Podemos afirmar que as ocupações desordenadas e irregulares são a principal causa do desmatamento nessas áreas. As Áreas de Proteção Ambiental, que permitem ocupações não tradicionais, como fazendas, em seu interior, são a categoria de UC que mais sofre desmatamento. Elas respondem por 42% do total desmatado no ranking e ocupam cinco das dez primeiras posições. O fato de essas áreas não contarem com plano de manejo para ordenar a ocupação e os usos dentro dos territórios, ou qualquer outro tipo de instrumento de gestão mais simples com essa finalidade, compromete sua gestão. Além disso, os recursos humanos e financeiros são insuficientes para garantir uma gestão efetiva.
Entre as dez UCs mais desmatadas, cinco ficam no Pará e três em Rondônia. A UC mais desmatada da Amazônia está no Pará; é a APA Triunfo do Xingu, de gestão estadual.
IHU On-Line – Como devemos interpretar esse dado de 237,3 mil hectares desmatados em UCs? O que esse número representa quando se trata de desmatamento em áreas protegidas?
Elis Araújo – Em áreas protegidas, o desmatamento deve ser inexistente ou mínimo, mesmo naquelas que permitem algum tipo de ocupação humana. A perda de uma área de floresta equivalente a duas vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro, que era destinada à conservação de uma rica biodiversidade, de serviços ambientais importantes e à reprodução cultural de povos tradicionais, causa grandes danos. Para termos uma ideia disso, estimamos que aproximadamente 136 milhões de árvores foram destruídas e que 4,2 milhões de aves e 137 mil macacos foram mortos ou deslocados. Também estimamos que a queima da vegetação nessa área desmatada tenha resultado na emissão de 119 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente por ano; valor comparável às emissões anuais de gás carbônico por 41 milhões de automóveis, ou 80% da frota de automóveis do Brasil. Isso significa muita poluição e uma contribuição significativa para as mudanças climáticas.
O desmatamento também indica a apropriação ilegal de recursos e terras públicas. Uma área desmatada desse tamanho significa a apropriação de terras estimadas em R$ 344 milhões, com potencial para gerar uma renda bruta de R$ 300 milhões em venda de madeira (valor da madeira em pé). Esse valor representa um enorme potencial de investimento para explorar e abrir novas áreas.
IHU On-Line – Quais são as razões do aumento do desmatamento das UCs, especialmente na Amazônia Legal, que dobrou de 6% para 12% entre 2008 e 2015?
Elis Araújo – A principal razão é a falta de compromisso dos governos com a proteção dessas áreas. O governo federal tem cedido às pressões para mudar regras e enfraquecer a legislação ambiental conforme interesses de momento. As reduções de áreas protegidas, a anistia a desmatamentos ilegais anteriores a julho de 2008 (reforma do Código Florestal) e o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal só em 2030 passam a mensagem de tolerância e impunidade para quem desmata e se apropria de bens públicos. Além disso, os governos federal e estaduais são responsáveis pela baixa implementação das UCs, que as deixa vulneráveis a ameaças. Baixa implementação significa que as UCs não possuem os instrumentos necessários e os recursos suficientes para sua gestão e que não são utilizadas para as finalidades previstas, como pesquisa e turismo.
Destacamos o fato de que governos estaduais e o federal ainda não têm um plano para a regularização fundiária das UCs da Amazônia. E enquanto isso, ocupantes irregulares ganham poder econômico e político e passam a pressionar por alterações via ações judiciais ou pressão política. Lembramos que, entre 1995 e 2013, os poderes Executivo e Legislativo reduziram 2,9 milhões de hectares de UCs na Amazônia e que ocupações irregulares e planos para a construção de hidrelétricas têm sido as razões mais frequentes para a alteração de UCs na Amazônia.
IHU On-Line – Que medidas poderiam ser adotadas para reverter essa situação?
Elis Araújo – Nós apontamos algumas ações necessárias e identificamos oportunidades em torno de três objetivos. O primeiro é garantir proteção imediata das áreas mais críticas e de suas populações; o segundo é bloquear a demanda e o financiamento do desmatamento ilegal; e o terceiro é assegurar a sustentabilidade no longo prazo das Unidades de Conservação.
Nós também identificamos os diversos atores que podem contribuir para o alcance desses objetivos. Por exemplo, para o alcance do primeiro objetivo, ONGs socioambientais, governos e doadores internacionais e nacionais poderiam ampliar o apoio a populações locais (indígenas, ribeirinhos, extrativistas etc.) e à implementação das áreas, no longo prazo; e o Ministério Público e os Tribunais de Contas poderiam responsabilizar os gestores públicos que reduzem a área ou o grau de proteção de UCs para atender a demandas de ocupantes ilegais que esbulham o patrimônio público. Isso pode ser feito com base na Lei de Responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado e na Lei de Improbidade Administrativa.
Para o alcance do segundo objetivo, é preciso aumentar a pressão contra as empresas para que elas melhorem e ampliem seus compromissos em favor da sustentabilidade. Para isso, o Ministério Público e os órgãos ambientais poderiam ampliar a responsabilização das empresas que compram produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente e das que financiam tais atividades; como as identificadas pela recente Operação Carne Fria. ONGs e jornalistas podem fazer reportagens investigativas sobre empresas que descumprem as leis, de modo a fortalecer as ações de responsabilização e proteger da competição injusta as empresas que cumprem as leis e os acordos.
Para atingirmos o terceiro objetivo, serão necessárias várias abordagens. É preciso investir em ações que promovam experiências sensoriais e emocionais positivas nas UCs, como o turismo, expedições educacionais, eventos artísticos e esportivos. Essas atividades poderiam fortalecer a economia regional e criar um ciclo virtuoso, isto é, as UCs aumentariam o turismo que, por sua vez, aumentaria o desejo de conservar. Estima-se que o turismo em UCs já movimenta aproximadamente R$ 4 bilhões por ano, geram 43 mil empregos e agregam R$ 1,5 bilhão ao Produto Interno Bruto – PIB. Para engajar líderes nacionais que desconhecem a Amazônia, cientistas, educadores e outros profissionais poderiam desenvolver programas que combinam a apresentação das evidências científicas sobre a Amazônia com as experiências sensoriais e emocionais por meio de visitas de campo e outros meios (espetáculos, filmes etc.). Essa seria uma forma de sensibilizar sociedade e governos para a necessidade de se destinar mais recursos para as UCs da Amazônia.
IHU On-Line – Quais são hoje as principais discussões existentes acerca das UCs? Há alguns projetos de lei no Congresso que pretendem reduzir essas áreas. Como esse debate tem sido feito?
Elis Araújo – Atualmente, há centenas de projetos de lei no Congresso Nacional para alterar e enfraquecer o grau de proteção de UCs e Terras Indígenas – TIs em todo o país. Interesses minerários, agropecuários, de geração de energia e de grileiros pressionam por alterações. No final de 2016, o governo publicou a Medida Provisória – MP nº 756/2016, que reduziu a Flona Jamanxim em 57%. Dos 743.540 hectares excluídos, o governo destinou 59% ao Parna Rio Novo e 41% à recém-criada APA Jamanxim. Os 305 mil hectares destinados à APA permitem a existência de propriedades privadas e, portanto, a regularização fundiária e ambiental de quem invadiu a UC e agia em total ilegalidade.
Recentemente, parlamentares do Amazonas enviaram um projeto de lei ao Palácio do Planalto com a proposta de reduzir em 65% a área de cinco UCs criadas no sul desse estado em 2016. Esses projetos e as reduções de UCs já realizadas dão esperança a ocupantes ilegais nas UCs e estimulam novas invasões e desmatamento. Por exemplo, é notável o aumento do desmatamento na Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo em 2015, vizinha à Flona Jamanxim, 355% maior em relação a 2014. Os ocupantes da Rebio acreditavam que podiam pegar carona nas negociações para alterar a Flona Jamanxim, o que, de fato, está acontecendo.
Chamamos atenção para o fato de que alterações de UCs aumentam a taxa de desmatamento da Amazônia, pois esta tende a crescer 50% nas áreas que perdem status de UC ou têm seu grau de proteção reduzido para favorecer ocupações. Portanto, além de causar danos ambientais e a populações locais que dependem diretamente da floresta, essas alterações prejudicam o cumprimento dos acordos internacionais assumidos pelo Brasil para a redução de emissões de gases de efeito estufa e mitigação das mudanças climáticas.
Gostaria de finalizar dizendo que não podemos aceitar alterações que beneficiem especuladores e invasores de terras públicas. No caso da Flona Jamanxim, por exemplo, 67% dos imóveis se instalaram, isto é, desmataram, após a criação da UC, em 2006. Isso significa que essas pessoas invadiram terra pública que sabiam ser destinada à conservação. Portanto, esses invasores não podem ser recompensados por seus crimes. Caso sejam, esse será um perigoso incentivo à invasão de outras UCs em todo o país. Por isso, a sociedade precisa se manifestar contra esse tipo de alteração.