A resistência do Quilombo do Carmo em São Roque por direitos e justiça

Por Rafael Fabrício de Oliveira e Rogério de Souza – Jornalistas Livres

O Quilombo do Carmo está localizado no espaço rural de São Roque, nos limites com Cotia e a pouco mais de 70 quilômetros de São Paulo. Pressionado econômica, política e socialmente pela expansão urbana e da especulação imobiliária, seu território é suprimido a cada dia pelos interesses unilaterais de políticos locais em aliança com incorporadores de terras. O que culminou com a ocupação quilombola de novas terras no local, acentuando as tensões entre a população remanescente, órgãos federais, a municipalidade, moradores de condomínios de classe média e latifundiários.

Conforme dados levantados pelo projeto do Instituto Federal de São Paulo (2016) “Remanescentes quilombolas do Carmo: a luta por memória na terra de direitos”, houve grave redução do território quilombola do Carmo entre os períodos de 1919 a 2009, sendo que os 2.175 alqueires iniciais foram reduzidos a 6,6 alqueires, tendo a população da comunidade vivenciado na prática a perda de 99,72% do território original. Além disso, o que resta, está em litígio pela não demarcação e titulação.

Mesmo se tratando de uma comunidade remanescente quilombola, nacionalmente reconhecida pelo Ministério da Cultura por meio da Fundação Palmares, com amplo acervo documental, que comprova sua trajetória histórica e de resistência, a morosidade na demarcação e titulação da propriedade definitiva pelo INCRA tem provocado diversos problemas e dificuldades. Destes, a perda de importantes referenciais ligados a sua ancestralidade com o território, o racismo institucional, a dificuldade de autonomia produtiva, alimentar e profunda exclusão social

Diante destes fatos, organizados e mobilizados, os remanescentes quilombolas decidiram, ao final do mês de março de 2017, pela ocupação de uma gleba de terras adjacentes ao bairro do Carmo, onde acampam atualmente 25 famílias, já fazendo uso do espaço por meio do plantio de hortaliças e o estabelecimento de hortas, instalando moradias e espaços comunitários. Conforme explica uma das mulheres quilombolas no local, “chegamos a segunda metade de abril mais fortes e organizados do que nunca”.

Apesar do relato, há simultaneamente uma insegurança cotidiana, considerando, entre outros fatores, o episódio da prefeitura de São Roque perpetrar pedido de reintegração de posse no Tribunal de Justiça de São Paulo (Processo: 1001459-18.2017.8.26.0586) da área ocupada pela comunidade. Fato que resulta numa contínua insegurança e maior possibilidade de conflito. Em carta aberta a população de São Roque e região, os moradores explicaram que “[…] depois de anos lutando através de associações e por diversos meios legais entramos nos seguintes entendimentos: iria se passar mais e mais anos e infelizmente estaríamos sem respostas, nossas terras comprovadas através de estudos antropológicos feito pelo MPF, simplesmente nas mãos de terceiros, e eles grandes fundiários de terras fazendo diversos condomínios com elas e nossos filhos nascendo. Sem nossa luta seria ainda mais difícil recuperar nossas terras, hoje somente com mato por cima dela, seu uso está difícil, imagina com grandes empreendimentos em cima dela, seria praticamente impossível.”

A área ocupada pelos quilombolas estava até então sem uso social da terra, somente com uma construção abandonada da companhia telefônica nos limites da área e instalações irregulares de um relógio de força do condomínio vizinho. Segundo um dos moradores locais, trata-se de uma forma indébita e estratégica legalmente de apropriação do território coletivo quilombola por agentes privados com o apoio político municipal.

Além dos estudos, acervo documental, laudos do ministério público federal, do reconhecimento pelo MinC/Fundação Palmares, que comprovam, reconhecem e dão sustentação administrativa para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes do Quilombo do Carmo, esta ocupação torna-se ainda mais legítima por reverberar às novas demandas da população, que cresceu e carece de autonomia, sobretudo ser capaz de reprodução física, social, econômica e cultural, como institui o Decreto 4887/2003.

A ocupação “Somos todos Quilombo do Carmo – Titulação Já” resiste às pressões policiais, jagunços e capangas que apertam os arames das propriedades locais e aos políticos que articulam a saída e dissolução da ocupação. No entanto, o movimento de luta também vai gradativamente ganhando apoio regional, destacando-se a contínua presença da Frente Popular e União Regional dos Estudantes de São Roque (URE), o Instituto Federal de São Paulo, o Ministério Público Federal, além da população civil organizada, conscientes da necessidade de justiça social e o pleno desenvolvimento das populações quilombolas junto a seus direitos e o fortalecimento das políticas étnico-raciais.

Os interessados em ajudar a ocupação poderão entrar em contato com o movimento através da página: https://www.facebook.com/search/top/?q=quilombolas%20do%20carmo

*Professores do IFSP.

Foto: Ocupação de remanescentes de quilombolas (São Roque/SP)

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