Febre amarela seria menor se país tivesse um Ministério do “Vai Dar Merda”, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Sei que pode parecer insensato sugerir o aumento no número de ministérios, ainda mais em um momento em que a crise econômica aperta o cinto do país. Mas dentre todas as pastas que cuidam de assuntos importantes para a vida dos brasileiros, poucas seriam tão fundamentais quanto um Ministério do Vai Dar Merda.

A função dessa instituição será bem simples, mas nem por isso irrelevante. O ministro do Vai Dar Merda terá liberdade para adentrar os gabinetes de seus colegas, a qualquer hora e ocasião, e declarar sem meias verdades ou papas na língua que determinada ação ou inação vai dar merda. Não apenas isso: ele também contará com legitimidade constitucional para entrar sem bater no escritório do próprio presidente da República e de seus conselheiros diretos e afirmar o mesmo.

Depois, dará meia volta e irá embora. Os cargos mais altos do Poder Executivo federal serão, então, obrigados a checar mais duas ou três vezes seus planos de colocar políticas em prática ou de ignorar indícios de catástrofes que se desenham lentamente. Sem fazer cara feia, choro ou mimimi.

Pouparíamos bilhões de reais em cagadas pensando apenas no âmbito federal. E se instituições semelhantes fossem criadas nas esferas municipal e estadual/distrital, estaríamos, em pouco tempo, disputando a hegemonia global com a China e os Estados Unidos.

Caso essa tão relevante função estivesse operacional nos últimos anos, as mortes de macacos em áreas florestais dentro do Estado de São Paulo, em 2016, e na capital paulista, em 2017, teriam provocado o Ministério do Vai Dar Merda e as Secretarias Estadual e Municipais do Vai Dar Merda que – por sua vez – teriam avisado os responsáveis pela área da Saúde nas três esferas de governo que a coisa iria feder.

Dessa forma, teria havido planejamento. As unidades públicas de atendimento de saúde teriam sido treinadas para receber e encaminhar casos e suspeitas. Não esperaríamos tanto tempo para incluir certos municípios paulistas na área de recomendação para vacinação da febre. Isso poderia reduzir o número de mortos e doentes e acalmaria a população – que, em pânico, chegou a invadir postos de saúde atrás da vacina.

Além disso, o governo federal não teria declarado, com todas as letras, que o país estava livre de um surto da doença no ano passado, apenas para ser repetidas vezes questionado pela imprensa meses depois. E talvez tivesse utilizado os R$ 100 milhões gastos em propaganda para convencer os brasileiros a apoiarem a Reforma da Previdência em mais campanhas de informação sobre a febre amarela.

Já peguei malária duas vezes em reportagens fora do país, entre outras doenças tropicais. Quase morri mais de uma vez. Planejar não é apenas considerar os cenários mais otimistas e torcer pelo melhor, mas também estar preparado para o pior. Até porque não é de hoje que o Brasil luta contra esse vírus.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR) é um claro exemplo de alguém que precisaria dos serviços do colega do Vai Dar Merda na Esplanada. Talvez até pedisse um só para chamar de seu.

Ele já questionou o fato da Saúde ser um direito universal previsto na Constituição Federal de 1988 (”A Constituição cidadã, quando o Sarney promulgou, o que ele falou? Que o Brasil iria ficar ingovernável. Por quê? Porque só tem direitos lá, não tem deveres. Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina), entre tantas outras aberrações colecionadas pelos jornalistas desde que ele assumiu a pasta em maio de 2016.

Na verdade, se tivéssemos um Ministério do Vai Dar Merda, Temer não teria nem indicado Ricardo Barros, que nem é da área, como ministro da Saúde. Ou, se escolhido fosse, já teria sido retirado do cargo por conta do conjunto da obra.

Mas, se ele atender às demandas de seu partido (envolvido em casos de corrupção) e de certas empresas, que querem que o país siga o curso da privatização da Saúde, terá cumprido seu papel.

Talvez com um Ministério do Vai Dar Merda, Dilma não teria topado Michel Temer como vice em sua chapa. Mas também Lula talvez tivesse optado por concorrer em 2014 ao invés de Dilma. Enfim, a ideia tem vários desdobramentos possíveis.

Até porque, em última instância, um Conselheiro do Vai Dar Merda poderia ter alertado Pedro Álvares Cabral para nem descer em terra, dando meia volta e indo para a Índia sem olhar para trás.

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