Presidente da Funai se compromete a barrar interesses empresariais da mineração nas terras indígenas demarcadas no Rio Negro

Plano de trabalho e Acordo de Cooperação técnica entre Foirn, Funai e ISA (Instituto Socioambiental) para elaboração dos planos de gestão territorial e ambiental (PGTA) das terras indígenas do Médio e Alto Rio Negro precisa ser cumprido pela nova coordenação da Funai em São Gabriel da Cachoeira (AM)

por FOIRN 

Uma das últimas tacadas do governo Temer atingiu a região mais preservada da Amazônia brasileira, conhecida como Cabeça do Cachorro, onde habitam 23 povos indígenas em terras demarcadas na Bacia do Rio Negro. Por indicação direta do gabinete presidencial, a Funai nomeou um novo coordenador regional sediado em São Gabriel da Cachoeira (AM) ligado aos interesses do setor de mineração, envolvendo empresários e políticos que vem tentando explorar minério nas terras indígenas do Médio e Alto Rio Negro.

“Sabemos que as mudanças feitas na Funai tem apenas o objetivo de cumprir com os interesses político partidários vinculados com empresas de mineração e pesca esportiva, que querem atuar de forma ilegal e predatória em nossas terras”, ressalta Nildo Fontes, Tukano, vice-presidente da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro).

Nildo Tukano e mais quatro lideranças indígenas do Rio Negro estiveram reunidos em Brasília com o presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos, para informar ao presidente da grave situação e cobrar um posicionamento concreto do órgão indigenista do governo sobre as ameaças que colocam em risco o plano de trabalho firmado entre Funai e Foirn, entidade representativa dos povos indígenas da região há 31 anos, no âmbito da implementação da PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena – lei 7747/12).

Compromisso

Wallace Moreira Bastos afirmou que irá participar da Assembleia Geral da FOIRN em novembro no Rio Negro e que o novo coordenador regional, Jackson Duarte, precisa cumprir o plano de trabalho já pactuado. Segundo Bastos, caso o novo coordenador não dê andamento ao que está firmado no Acordo de Cooperação Técnica, sua nomeação será revista. “A gente vai ter que monitorar de perto, vou contar com o apoio de vocês para isso. Se houver algum tipo de interferência ou algum tipo de embaraço para atrapalhar o trabalho que estamos desenvolvendo lá, vocês tem que comunicar para que a gente entre no circuito”, enfatizou Bastos para as lideranças e representantes da FOIRN, na reunião do dia 18 de setembro em seu gabinete em Brasília. Carta_FOIRN_para_Presidente_FUNAI_24_09_2018

Plano de vida em andamento

No momento estão em finalização 7 planos de gestão territorial e ambiental das terras indígenas da região (TI Alto Rio Negro, TI Médio Rio Negro I, TI Médio Rio Negro II, TI Balaio, TI Cué Cué Marabitanas, TI Apapóris e TI Rio Téa), realizados a partir de um modelo de gestão participativa para que projetos de sustentabilidade e geração de renda tenham êxito, se desenvolvam dentro da legalidade, respeitando o meio ambiente e os modos de vida das comunidades locais. Tudo dentro da proposta de implementar o que está previsto na Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas.

Porém, contrariando a legislação e todos os processos construídos ao longo de anos de trabalho entre Funai, movimento indígena e organizações indigenistas parceiras, empresários e políticos tentam aproveitar o conturbado momento político brasileiro para agir em benefício próprio, visando se apropriar das terras indígenas, de modo autoritário, truculento e sem diálogo com os povos indígenas. Usando de mecanismos de cooptação e aliciamento, esses empresários e políticos de âmbito federal e estadual se aproximam de políticos e demais atores locais em busca de apoio aos seus sonhos de privatização das terras indígenas, prometendo lucros e vantagens a quem se integra às suas ambições meramente econômicas. Na região do rio Içana, por exemplo, associações dos povos Baniwa e Coripaco já denunciaram a situação, que foi matéria do jornal Folha de S.Paulo. (Veja aqui)

“Afronta aos princípios constitucionais” – depoimento de Nildo Fontes Tukano (vice-presidente da FOIRN) sobre a reunião com Wallace Moreira Bastos, presidente da Funai, no dia 18/09/2018

A nomeação do novo coordenador da Funai na Coordenação Regional do Rio Negro é uma das maiores afrontas ao movimento indígena e à FOIRN, cometida pelo Estado brasileiro por meio de seus agentes públicos que não tem nenhum compromisso com a causa indígena. Além de afrontar a FOIRN, afronta os princípios constitucionais que protegem os direitos originários dos povos indígenas do Brasil. Foi posto ao presidente que a FOIRN traçou estratégias de fortalecimento ao órgão indigenista oficial com grandes mobilizações nos últimos anos seguindo-se contrário à política adotada pelo Palácio do Planalto e Congresso Nacional de acabar com a Funai. Foi posto ao presidente da Funai também que as Prefeituras do Rio Negro acham que para ingresso em terras indígenas por empresas de mineração ou de pesca esportiva, eles dependem apenas da assinatura de um coordenador regional da Funai, o que está claramente equivocado. O que deve prevalecer sempre do ponto de vista do movimento indígena é a missão institucional de proteger e preservar os direitos originários dos povos indígenas e a Constituição Federal. Após a reunião com Sr. Wallace Moreira Bastos, concluo que os agentes públicos que articularam de forma irresponsável a mudança na CR Rio Negro sem consultar as organizações indígenas da região, querem fragilizar o processo de construção dos planos de gestão das terras indígenas, impedindo a implementação da autonomia e protagonismo dos povos indígenas da região. Atrás desses agentes públicos estão os grandes empresários de mineração e de pesca, que não querem ver os indígenas pensando o seu próprio desenvolvimento econômico e nós mesmos sermos os empresários de uma produção sustentável. A luta vai continuar e se resistimos há mais de 500 anos, não é agora que vamos desistir por conta da irresponsabilidade dos agentes públicos oportunistas e passageiros”.

Veja abaixo a carta da FOIRN enviada ao presidente da Funai após reunião:

Carta da FOIRN e lideranças indígenas do Rio Negro

Ao Excelentíssimo Sr. Wallace Moreira Bastos, Presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai),

A FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), órgão representativo dos povos e do movimento indígena da região do Rio Negro, vem por meio desta carta destacar os assuntos conversados e combinados na reunião ocorrida no último dia 18 de setembro, na FUNAI em Brasília, com a vossa presença e dos diretores e lideranças indígenas da FOIRN (Nildo Fontes Tukano, vice-presidente da FOIRN, Adão Francisco Baré, diretor da FOIRN, Elizângela da Silva Baré e Ronaldo Baniwa, lideranças).

Em nossa reunião tivemos a oportunidade de expressar nossa preocupação com a nomeação do novo coordenador regional da FUNAI (CR-Rio Negro), Jackson Abraão Lemos Duarte da Costa, que é historicamente ligado a uma cooperativa de extração mineral, e foi colocado no cargo sem qualquer diálogo ou consulta junto aos povos indígenas e as entidades representativas que atuam na região.

Salientamos que com a nomeação, empresários e políticos ligados aos municípios de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro acreditam que poderão liberar as áreas indígenas para mineração e que as empresas de pesca poderão retornar para as terras indígenas em que atuavam ilegalmente e de forma predatória. Esse cenário muito nos assusta porque pode causar conflitos, invasões e danos à vida dos indígenas e ao meio ambiente, aumentando ainda mais as pressões sofridas pelas comunidades, que por meio de inúmeros documentos já alertaram e denunciaram às autoridades competentes as invasões, tentativas de cooptação e aliciamento por parte de políticos e empresários.

A FOIRN posicionou-se imediatamente após a publicação da portaria 1.130 (DOU) de nomeação do novo coordenador, inclusive enviando carta de manifesto à presidência da Funai, ao Ministério Público Federal (MPF) e aos ministros da Casa Civil e da Justiça, alertando justamente para os interesses políticos e econômicos em jogo, que violam os direitos dos povos indígenas e trazem conflitos territoriais e demais problemas ao bem estar das comunidades que vivem em terras indígenas demarcadas.

Portanto, ressaltamos aqui que em nossa reunião, vossa excelência afirmou que a FUNAI não assumiu nenhum compromisso político com empresários e políticos e que “isso não existe”. Na ocasião, o senhor se comprometeu a dar continuidade aos termos do Acordo de Cooperação Técnica assinado entre a FUNAI, FOIRN e ISA (Instituto Socioambiental), tendo em vista o cumprimento dos trabalhos no âmbito da implementação da PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena).

Nos cabe frisar ainda que o senhor como presidente da FUNAI informou que o coordenador nomeado na CR Rio Negro tem expressa recomendação para continuar a realizar as atividades previstas no Acordo e incluídas no Plano de Trabalho de 2018, pactuado entre as partes.

Ficamos honrados com o compromisso assumido pelo Presidente de participar da Assembleia Geral da FOIRN em novembro próximo no município de Santa Isabel do Rio Negro, quando terá a oportunidade de conhecer a organização do nosso movimento indígena no noroeste amazônico, onde representamos 23 etnias. Além dessa participação, o Sr. Presidente também comprometeu-se a convocar uma reunião do Comitê Regional da FUNAI até o final deste ano.

Para finalizar, gostaríamos de enfatizar a importância de que todas as coordenações da FUNAI sejam informadas dos compromissos assumidos pela presidência da FUNAI com o movimento indígena do Rio Negro na reunião mencionada, nos garantindo que se o novo coordenador da CR Rio Negro não cumprir o ACT sua nomeação será revista.

O ACT é fruto de um longo trabalho realizado pelo movimento indígena visando o fortalecimento de um modelo de gestão participativa para que projetos de sustentabilidade e geração de renda tenham êxito, se desenvolvam dentro da legalidade, respeitando o meio ambiente e os modos de vida das comunidades locais. Uma nomeação meramente política voltada a outros interesses não pode colocar a perder toda uma construção feita dentro dos princípios legais e democráticos, em consonância com a PNGATI, visando o bem viver dos povos indígenas e a proteção da floresta amazônica.

Sem mais a acrescentar, firmamos aqui o nosso compromisso com a luta pelos direitos dos povos indígenas do Rio Negro e esperamos que o órgão indigenista FUNAI prossiga em sua missão.

São Gabriel da Cachoeira, 21 de setembro de 2018

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