Propaganda, assédio e medo em Boipeba

Moradores da comunidade Cova da Onça, a mais afetada pelo hotel de luxo na Bahia, estão sendo cooptados para defender o projeto.

Newsletter do The Intercept Brasil, por André Uzêda

“Pelo futuro de nossos filhos”. Alguns moradores da comunidade Cova da Onça, em Boipeba, usaram camisas com esses dizeres para defender o empreendimento Ponta dos Castelhanos durante uma audiência pública ocorrida na última terça-feira, 18 de abril, na Assembleia Legislativa da Bahia. Eles se dizem favoráveis ao complexo hoteleiro projetado para ocupar quase 20% do território da ilha.

O Intercept publicou no final de março uma reportagem mostrando uma série de graves problemas envolvendo a Ponta dos Castelhanos. O órgão de meio ambiente da Bahia, o Inema, atropelou o pacto federativo e concedeu uma licença de construção e desmatamento para a construção do hotel.

A questão é que os poderosos empresários não têm a posse definitiva do terreno – ou seja, aquelas terras pertencem à União.

Outro ponto é que a área, com mais de 1.651 hectares, foi adquirida das mãos do político e empresário Ramiro José Campelo de Queiroz. O registro de compra e venda foi, de acordo com o Ministério Público Federal, “indevidamente” registrado no cartório de Valença, cidade onde Queiroz já foi prefeito – sendo que Boipeba pertence ao município de Cairu.
O Intercept levantou mais de 20 processos em que Ramiro Queiroz aparece citado no Tribunal de Justiça da Bahia. Em um deles, ele é acusado por uma viúva de 101 anos de se apropriar da documentação dela com “a falsa promessa” de compra de seu terreno de 400 hectares.

Na audiência pública, aqueles a favor do empreendimento repetiram à exaustão o argumento da geração de emprego e renda, além de tentar desautorizar ambientalistas, ativistas e moradores de outras comunidades em Boipeba contrários ao projeto.

Para quem acompanha o caso de perto como nós, é evidente perceber a máquina de propaganda e cooptação da Ponta dos Castelhanos – que tem como sócios poderosos empresários, como José Roberto Marinho, dono do Grupo Globo, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central na segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 a 2002.

Os jornais locais da Bahia já estamparam manchetes defendendo a construção como “vetor de desenvolvimento sustentável”, além de se colocarem como combatentes de “informações inverídicas que têm circulado sobre a Fazenda Ponte dos Castelhanos”.

Uma empresa de assessoria de imprensa local foi contratada para produzir e divulgar conteúdos favoráveis. Advogados têm escrito artigos para negar que as áreas onde o empreendimento pretende se instalar sejam públicas e da União.

Nas comunidades, principalmente da Cova da Onça, a ação tem sido ostensiva. Camisas e folhetos com palavras de ordem são constantemente entregues aos moradores. Os mais exaltados têm adotado uma postura de não permitir um diálogo com quem é contrário.

No começo de abril, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado fizeram uma visita técnica conjunta a Boipeba. Ao fim do primeiro dia, organizaram uma roda de conversa com os moradores de diversas comunidades para ouvir as principais demandas, mas rapidamente perceberam que não poderiam sediar esse encontro em Cova da Onça – área mais próxima da Ponta dos Castelhanos.

Lá, até quem é contrário tem medo de se manifestar.

Na roda de conversa, houve discussão, gritaria e tentativa de boicote durante a fala dos opositores ao empreendimento. Um morador, protegido pelo anonimato, me contou que pessoas armadas têm andado por Cova da Onça questionando quem é contra e quem é a favor da instalação do hotel. O silêncio passou a ser uma proteção.

Depois da publicação do Intercept, a Secretaria de Patrimônio da União, a SPU, notificou a empresa responsável pelo projeto e suspendeu as obras pelo prazo de 90 dias. Até lá, será apurado se o projeto atende à legislação ambiental e se protege a comunidade Cova da Onça.

Nós continuaremos a acompanhar essa história de perto.

Parte da área na ilha de Boipeba onde seria implantado o projeto Ponta dos Castelhanos. Foto: Reprodução / WWW

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