Documentário resgata história da Operação Condor com relatos de vítimas e familiares

‘Operação Condor – Verdade Inconclusa’, de Cleonildo Cruz, é primeiro filme a percorrer todos os países para onde esquema se estendeu na América do Sul

Patrícia Benvenuti – Opera Mundi

Ao ser presa em 1975 em Buenos Aires, a uruguaia Alicia Cadenas foi vítima e testemunha de violações que não sairiam de sua memória. À época, a jovem de 25 anos não tinha consciência de que era alvo de um regime de colaboração entre ditaduras sul-americanas que deixaria marcas em milhares de pessoas, a Operação Condor.

“Nos jogaram no chão com os outros presos, nós não sabíamos nem onde estávamos. Quando nos jogaram no chão e, ao me situar, vi todas aquelas pessoas… Era uma coisa demoníaca”, diz ela.

O relato de Cadenas é um dos depoimentos que compõem o documentário “Operação Condor – Verdade Inconclusa”, do diretor pernambucano Cleonildo Cruz.

Lançado em 2015 no Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile, o filme conta, por meio de histórias, como se deu a rede de cooperação entre governos autoritários sul-americanos entre as décadas de 1970 e 1980 para combate à “subversão”.

A colaboração ia desde intercâmbio de informações entre os aparatos de repressão dos governos e das embaixadas até operações de prisão, tortura e troca de prisioneiros.

No Brasil, a sessão de pré-estreia ocorreu em São Paulo, em 6 de julho, com sessão no Cine Olido, marcando o início de uma série de exibições pelo país.

O filme de Cruz foi o primeiro documentário cuja equipe de produção percorreu todos os países para onde a trama se estendeu no subcontinente – Brasil, Argentina, Peru, Chile, Bolívia, Peru, Paraguai e Uruguai.

Mais de 30 pessoas foram entrevistadas durante a investigação, que alcançou também documentos da época. Só no “Arquivo do Terror” em Assunção,  que guarda os documentos referentes à ditadura de Alfredo Strossner no Paraguai (1954-1989), a equipe do documentário passou três dias.

“Construímos uma grande colcha de retalhos, e posso dizer que o filme está completo”, disse Cruz em entrevista a Opera Mundi. De acordo com ele, o filme surgiu de sua percepção sobre a quantidade ainda limitada de trabalhos sobre a instalação das ditaduras no continente.

A Operação Condor foi formalizada em 1975 durante reunião secreta realizada em Santiago (Chile), embora casos relatados no documentário, como o do coronel brasileiro Jefferson Cardim (perseguido pelo governo brasileiro e preso na Argentina em 1970), sugiram que seu início seja anterior a esse marco.

O documentário é essencialmente composto por relatos de vítimas e familiares, que relembram perseguições e violências, e seus familiares, que descrevem a angústia dos desaparecimentos.

Dentre os entrevistados estão o presidente e fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o gaúcho Jair Krischke, o professor paraguaio Martín Almada, responsável por encontrar os “Arquivos do Terror” em seu país, e a jornalista argentina Stella Caloni.

O filme também entrevistou “o outro lado”, quando a equipe teve uma das tarefas mais árduas durante a produção, diz o diretor. Segundo Cruz, ao entrar em contato com o ex-agente de inteligência uruguaio Ronald Maio Neira Barreiro no Rio Grande do Sul, o ex-oficial aceitou conversar com a condição de que o diretor fosse encapuzado durante o trajeto que o levaria até ele. “Disse a ele que a ditadura acabou”, diz o diretor, que negou o pedido e, ao final, conseguiu a entrevista sem condicionantes.

‘Histórias amarradas’

Para quem não está familiarizado com a história da Operação Condor, pode ser difícil estabelecer, de imediato, uma ligação entre os relatos e a conexão direta que havia entre os diferentes regimes repressivos da época.

“Não é um filme didático, de dizer ‘[a Operação Condor] aconteceu em 75, de forma cronológica”, explica o diretor. “Ele [documentário] vai amarrando várias histórias, e uma história vai puxando a outra”, completa.

A ideia, segundo Cruz, é causar inquietação naqueles espectadores que nunca ouviram falar sobre o esquema para, a partir daí, buscar mais informações sobre o que ocorreu.

Busca por justiça

O filme começou a ser filmado no Rio Grande do Sul em novembro de 2013, a partir de um fato considerado “emblemático” pelo diretor: a exumação dos restos mortais do presidente brasileiro deposto em 1964, João Goulart, cuja morte, até hoje, é fonte de controvérsias como uma suspeita de envenenamento.

Nesse sentido, segundo Cruz, um dos objetivos do filme é trazer acontecimentos à tona não apenas para proporcionar um debate sobre a história, mas também para pressionar pela responsabilização dos autores de crimes como tortura, assassinato e desaparecimentos forçados. Para ele, o julgamentos dos responsáveis é essencial para consolidar a democracia, especialmente no Brasil, que estaria “atrasado” em relação a outros países.

“O Brasil tem que avançar muito na justiça de transição”, diz o diretor.  “Não podemos permitir que a nossa democracia avance sem que quem agiu criminalmente seja culpado”, acrescenta.

Cruz afirma também que a pré-estreia do documentário no Brasil nesse momento ganha mais importância diante do atual cenário político, nos meses em que tramita o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

“Não temos um golpe com tanques nas ruas, com militares nas ruas, com pessoas presas como foi dado o golpe de 1964, mas temos sim um golpe, uma ruptura constitucional”, diz o diretor. “Nossa Constituição tem sido rasgada”, afirma.

Além de levar o documentário para o maior número possível de cidades, a equipe planeja lançar, no próximo ano, um livro para compilar o material coletado pela equipe durante o processo de investigação.

Foto: Cleonildo Cruz diz que objetivo de documentário é causar inquietação naqueles espectadores que nunca ouviram falar de esquema

FICHA TÉCNICA

“Operação Condor – Verdade Inconclusa”
Direção: Cleonildo Cruz
Duração: 70 minutos
País: Brasil
Ano: 2015

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