Por Pedro Calvi / CDHM
Desde o início do ano, oito pessoas moradoras de rua foram queimadas vivas por causa do ódio e da intolerância. No Rio de Janeiro, comerciantes estariam pagando 30 reais a milícias para tirar quem vive na rua da frente dos seus comércios. A denúncia é de Leonildo Monteiro Filho. Ele faz parte da Comissão Permanente dos Direitos da População em Situação de Rua do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Leonildo participou do debate realizado nesta terça-feira (14) sobre o Projeto de Lei Projeto de Lei 7582 de 2014, que propõe definir o que são crimes de ódio e intolerância e, dessa forma, prevenir, educar e responsabilizar de forma mais adequada.
O Projeto de Lei, de autoria de Maria do Rosário (PT/RS), está na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) e Carlos Veras (PT/PE) é o relator. “Queremos um projeto que tipifique esses crimes de forma coletiva e que os anseios da sociedade estejam contidos no relatório”, afirma Veras.
O morador de rua Leonildo informou também que, hoje, a população de rua chega a 200 mil pessoas e que, por não possuírem documentos, elas não têm acesso a delegacias ou órgãos do judiciário. Trata-se, contudo, de um número estimado, já que nunca houve um censo para esse grupo. “Não temos direito de ficar nas praças ou nas igrejas e isso é discriminação, porque nosso país é intolerante e racista”.
Também falando em números de intolerância, Francisco de Oliveira, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, afirmou que, segundo números do Disque 100, só no primeiro semestre do ano passado foram mais de 5 mil denúncias de agressão e discriminação com deficientes. “Leis para as pessoas com deficiência já existem, estão na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mas não tratam de ódio e intolerância”, acrescenta Francisco.
“Entendo que há um consenso, formado pela maioria desta Casa, que a intolerância, a discriminação e o ódio estão presentes na nossa sociedade. E essa maioria entende a necessidade de uma legislação que venha atender os preceitos constitucionais”, ponderou o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES).
LGBTs & religião
Paulo Iotti, advogado militante pelos direitos LGBTI, é autor das ações que pedem a criminalização de crimes cometidos por homotransfobia e que esperam julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele considera que a população LGBTI é historicamente vulnerável e que trata-se de uma minoria numérica e social. “Se discriminar negros, imigrantes, mulheres é crime, porque não os LGBTs? Vivemos um preconceito estrutural tão arraigado que não percebem que estão discriminando, está no inconsciente coletivo. O Estado tem o dever de proteger qualquer população e se não faz isso, incorre numa omissão constitucional”, pontua o ativista. Para Paulo, o Projeto de Lei 7582 de 2014 respeita a proatividade penal e preenche lacunas para evitar também, por exemplo, o que chama de discriminação afetiva. “Tem policial que não atende gay, duas pessoas do mesmo sexo não podem trocar carinho em público, padres e pastores fundamentalistas dizem que somos pedófilos. Isso é discurso de ódio, não religioso. Ninguém vai para o inferno porque é gay”.
Os discursos de ódio e discriminação atingem também as práticas religiosas e até quem não tem nenhuma religião, como aponta Elianildo Nascimento, da Iniciativa das Religiões Unidas (Uri). Ele alerta para que não se confunda liberdade de expressão e direito à liberdade religiosa com o “fomento diário contra as expressões religiosas”. “São discursos contra pobres, sindicalistas, sem terras, indígenas e defensores de direitos humanos. Até ateu e agnósticos são alvo de terroristas evangélicos que usam a palavra religiosa para disseminar a violência. Tem que definir o que é ódio para punir esses crimes”, ressalta Elianildo.
Eli Borges (Solidareidade/TO) contesta a afirmação, argumentando que “não podemos generalizar, criminalizar a opinião é contra a democracia”.
Para Erika Kokay (PT/DF), é “preciso avançar de forma contundente para evitar tantas discriminações que provocam danos no estado democrático. Não podemos ter uma sociedade que não permita a existência do outro”.
“Leis que não pegam”
Christiano Santos, promotor de justiça de São Paulo, faz considerações sobre mais leis para o país. De acordo com o advogado, já existem 12 leis que tratam de preconceito, racismo e vulneráveis, a maioria sem um único registro de ocorrência: “Infelizmente vivemos no país das leis que não pegam, temos que evitar a superposição de leis e com os estatutos, como o da infância e o do idoso. Precisamos de leis que tenham mais efetividade para não haver mais tolerância com a intolerância”, pondera.
Projeto para educar, e não punir
A autora do Projeto de Lei, Maria do Rosário (PT/RS), afirma que é uma iniciativa “destinada a quem nada tem”. Ela acrescenta que se trata de respeito pleno, consideração e amor entre seres humanos: “A proposta é educar pela lei também como um mecanismo de defesa. Um projeto mais educativo do que punitivo. A inovação é que teremos definições, na lei, do que é imigrante, religioso, orientação sexual, situação de rua e deficiência, por exemplo”, explica a deputada. Maria do Rosário também destaca a participação de vários parlamentares, numa ação suprapartidária na elaboração do Projeto.
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Foto: Gabriel Paiva