CNDH realiza missão no Sudoeste da Bahia e confirma graves violações de direitos em áreas mineradas

Relatos de comunidades e organizações mostram destruição ambiental, conflitos e falhas estruturais do Estado diante do avanço do capital mineral

Por Coletivo de Comunicação do MAM e CPT- BA

Entre os dias 20 e 26 de novembro, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) percorreu o Sudoeste da Bahia em uma missão dedicada a investigar conflitos e violações de direitos humanos provocados pela expansão da mineração nos municípios de Caetité, Pindaí e Licínio de Almeida. Após duas décadas de avanço acelerado do setor mineral no território, a região acumula denúncias de contaminação, destruição ambiental, deslocamento de comunidades e perda de direitos fundamentais — cenário que motivou a mobilização de organizações populares para a realização da missão.

A agenda contou com reuniões de escuta com comunidades afetadas, populações tradicionais, organizações pastorais, movimentos sociais e instituições públicas. Representantes do INCRA, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério de Minas e Energia, Cáritas, AATR, CPT, MAM e outras entidades participaram das atividades.

Mineração avança e conflitos se intensificam

Os principais empreendimentos em operação ou expansão na região incluem o Projeto Pedra de Ferro da Bahia Mineração (BAMIN), composto pela mina, pela Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e pelo Porto Sul; a exploração de urânio pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB); e a intensificação de pesquisas minerais conduzidas pela Vale do Paramirim.

Segundo denúncias apresentadas à CNDH, esses empreendimentos vêm provocando impactos severos sobre o território e sobre a vida das populações locais, como redução e contaminação das fontes de água, destruição de roças e moradias, problemas de saúde, além do descumprimento sistemático do direito à consulta livre, prévia e informada.

Lara Estevão, representante da Comissão Pastoral da Terra e membra do CNDH, explica que o objetivo central da missão foi escutar diretamente as comunidades e encaminhar medidas concretas:

“As denúncias descreviam violações relacionadas à água, à saúde e à falta de consulta de boa-fé às populações impactadas. A partir das escutas, buscamos agendas com o poder público para tratar dos fatos e construir medidas reparadoras. O relatório final trará recomendações às instituições responsáveis.”

Comunidades relatam décadas de perdas

Nas oito reuniões realizadas nos municípios, moradores e moradoras expuseram o acúmulo de impactos da mineração e das obras associadas.

Em Curral Velho, comunidade afetada pela construção do trecho F5 da FIOL, Seu Adailson relata a devastação enfrentada desde 2014:

“Perdemos o sossego, a produção e até nossas casas. Uma comunidade que gerava mais de 1,5 milhão por ano com a agricultura familiar hoje não produz um terço. As águas foram contaminadas, as terras destruídas. Mesmo denunciando e provando, a justiça acredita na empresa, não em quem sofre.”

Os depoimentos revelam um padrão: avanço do capital mineral, perdas materiais e imateriais para as comunidades e ausência de fiscalização efetiva por parte do Estado.

Governo federal atua em mediação, mas reconhece limites

Durante a missão, participaram também representantes da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo (CNEVC), coordenada pelo MDA. Para Nayara Ayres, Coordenadora-Geral de Mapeamento de Conflitos do MDA, a ação conjunta entre governo e movimentos sociais é um passo importante para enfrentar conflitos complexos:

“Buscamos soluções para as reivindicações das comunidades diretamente impactadas pela mineração. A avaliação é positiva e esperançosa quanto aos desdobramentos do relatório final.”

Órgãos estaduais como ANM, INEMA, SEPROMI, SEMA e SERIM reconheceram dificuldades estruturais, como falta de equipes técnicas e pressão do poder econômico, mas comprometeram-se a fortalecer os canais de diálogo e construir mesas permanentes de negociação.

Movimentos populares denunciam modelo mineral violento e antidemocrático

Para o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a missão revela um quadro estrutural de violações que acompanha a história mineral do país. Venicios Montalvão, militante do movimento, afirma:

“Nossa região foi moldada por um modelo mineral colonial baseado na exploração e na violência. Hoje, os impactos sobre a água, a saúde e a economia local seguem sem controle social. É urgente garantir participação popular real para enfrentar os interesses do capital minerário.”

Organizações como Cáritas e AATR também avaliaram a missão como essencial para visibilizar violações e fortalecer a articulação entre movimentos, igrejas e instituições de defesa dos direitos.

Natiele Santos, da AATR, destaca:

“Os depoimentos revelam riscos graves de escassez de água, danos à saúde e perda de direitos culturais e territoriais. Esperamos que o relatório gere fiscalizações e medidas de compensação e segurança.”

Relatórios e recomendações serão encaminhados

Com o encerramento da missão, a CNDH inicia agora a elaboração do relatório final, que apresentará recomendações aos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, além das empresas envolvidas. O objetivo é garantir proteção às populações afetadas e pressionar o Estado a implementar mecanismos democráticos de escuta e intervenção no setor mineral.

A expectativa de comunidades e movimentos é que o relatório represente mais do que o reconhecimento das violações: que seja um marco para exigir reparação, fiscalização e políticas públicas que priorizem a vida e os direitos das populações sobre os interesses do capital minerário.

Encaminhada para Combate Racismo Ambiental por Ione Rochael.

Foto: Ione Rochael

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