Povo Taharumara – cavernas, territórios e perseguição política na Sierra Madre, México

Por Alenice Baeta

Os indígenas Tarahumaras, também denominados Rarámuris, que significa “os que caminham bem” são remanescentes de povos da mesoamericana pré-hispânica que tem como território tradicional as montanhas e penhascos da Sierra Madre mexicana, no estado de Chihuahua. Vivem em cavernas e eventualmente, também constroem cabanas com troncos de madeira, pedras ou adobe, onde buscam o isolamento, o silêncio e a manutenção dos seus rituais e do seu idioma (o rarámuri).

As cavernas são os locais de morada principal onde nos períodos mais frios famílias inteiras se abrigam em cuevas voltadas preferencialmente para o oeste, buscando um maior aquecimento noturno. Na entrada das cavernas são erguidos muros de pedra visando a proteção dos salões internos onde são instalados fogareiros, jiraus, camas e demais pertences. Dedicam-se a cortar a lenha, cultivar o milho, cuidar do gado e animais, secar a carne, além de tecer cestos e demais peças artesanais e de produção. Realizam grandes travessias ao longo de penhascos, entre as cuevas e locais de plantio, por isto, são considerados os grandes caminhantes da América.

O poeta francês Antonin Artaud em visita a Sierra Madre nos anos 30 do século passado narra em seus textos que a cultura Tarahumara possui uma profundidade espiritual e filosófica muito sofisticada, que a distancia de forma abismal da sociedade dita moderna, absolutamente decadente, superficial e atrasada. Segundo Artaud, a estreita relação entre os Tarahumara e a natureza, indicaria uma linguagem essencial e uma forte consciência dos mistérios humanos. Chama assim a atenção para a importância de se respeitar a essência da sua memória, da sua força mágica e da sua cultura ancestral. Antes deste enigmático poeta, o explorador norueguês Carl Lumholtz divulga na Europa as primeiras fotografias das paisagens e cuevas de sua expedição iniciada em 1890 na Sierra Madre Ocidental, bem como imagens dos povos Rarámuris, Tepehuanes e Huichol.

Contudo, as montanhas mágicas da Sierra Madre, cheias de importantes histórias, vêm sendo cenário do avanço implacável de fronteiras exploratórias, sobretudo a partir dos últimos oitenta anos, sendo que o desmatamento ilegal, o crime organizado e demais especulações empresariais vêm trazendo uma série de conflitos socioambientais na região, proporcionado graves crises alimentares, desiquilíbrios ambientais, fugas de famílias de suas cuevas tradicionais e suicídios entre os indígenas. Lideranças vêm sendo constantemente ameaçadas, atacadas e assassinadas em seus territórios.

Em 1987, um ano depois do assassinato do líder Júlio Baldenegro Rarámuris, foi criada a Coordenação Estatal da Tarahumara (CET) para o fomento da cultura e diretos indígenas na região, mas lamentavelmente os resultados foram muito pouco expressivos frente a contínua violência dos invasores. No dia 15 de janeiro de 2017 foi também assassinado o filho de Júlio, o líder indígena e advogado ambientalista, vencedor do Prêmio internacional Goldman de 2005, Isidro Baldenegro (que teria dedicado o prêmio ao seu pai). Duas semanas depois, no dia 01 de fevereiro, o ativista Juan Ontiveros Rarámuri também foi brutalmente morto. Ontiveros teria participado de uma reunião em outubro de 2015 junto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos-OEA, onde testemunhou os problemas das comunidades indígenas na Serra Tarahumara. Mais recentemente, em 20 de janeiro, antes de ser executado, foi à Rede de Organizações Civis Todos os Direitos para Todos (RedDTT), quando denunciou e discutiu o conflito territorial agrícola dessa região.

O Observatório Britânico Global Witness, informa que pelo menos 33 ativistas foram mortos entre os anos 2010 e 2015 na região. A relatoria especial da ONU vem apresentando denúncias sobre a alarmante situação de conflitos no México e perseguições aos povos indígenas em toda a América. É consenso que o sistema internacional de direitos humanos precisa ainda criar mecanismos eficazes que permitam dar maior apoio e proteção às lideranças indígenas e suas famílias, além da apuração transparente e severa destes crimes.

Fonte:

MERRIL, W. Almas Raramuris. Inst. Nac. Indigenista. Cons. Nac. para la cultura y las artes. México, 1992.

SCHNEIDER, L. M. (Org.) ANTONIN ARTAUD- Mexico y viaje al pais de los Tarahumaras. México: Fondo de Cultura Econômica, 1975.

Destaque: Um dos primeiros registros de uma cueva Tarahumara no século XIX, México. Foto de Carl Lumholtz em 1890. Acervo do American Museum of  Natural History.

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