Ação de milícias armadas no MS e PEC 215 são citadas por GT do Conselho de Direitos Humanos da ONU

CIMI

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) recebeu o relatório final do Grupo de Trabalho realizado no Brasil, entre os dias 7 e 15 de dezembro de 2015, sobre a Questão dos Direitos Humanos e as Empresas Transnacionais e outras Empresas. O documento (leia aqui) de análise dos impactos da cadeia produtiva dessas empresas nos direitos humanos subsidiará decisões e recomendações do Conselho de Direitos Humanos ao país em diversas áreas, entre elas a questão indígena. O relatório chega ao Conselho de Direitos Humanos da ONU menos de dez dias depois do Massacre de Caarapó (ler abaixo), mais um episódio de violência da cadeia privada do agronegócio contra os Guarani e Kaiowá.

A ação de milícias contra comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, ligadas a fazendeiros e sindicatos rurais, é citada com preocupação pelo Grupo de Trabalho, além dos dados do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas – sistematização e publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No relatório, os especialistas da ONU pontuam uma “grande preocupação” com as terras indígenas não demarcadas, o que aumenta as violências e vulnerabilidades dos povos que as reivindicam.

“De forma alarmante o grupo de Trabalho constatou com a sociedade civil e promotores federais a falta de consulta eficaz aos povos indígenas e o violento conflito social no Mato Grosso do Sul, perpetrado por milícias armadas e empresas de segurança privada no contexto da intrusão do agronegócio em terras indígenas e a demarcação ineficaz ou incompleta de terras indígenas. As informações recolhidas pelo Conselho Indigenista Missionário dão conta de 138 indígenas assassinados no Brasil em 2014, quase um terço dos quais (41 assassinatos) ocorreu em Mato Grosso do Sul”, diz trecho do relatório sobre a questão indígena.

Conforme o relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, “o Grupo de Trabalho encontrou repetidas preocupações com os direitos humanos que afetam povos indígenas e os quilombolas. Nas últimas décadas, povos indígenas foram submetidos ao deslocamento forçado devido a expansão do agronegócio e projetos de desenvolvimento em larga escala”.

Os especialistas da ONU questionam também a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Aprovada em Comissão Especial da Câmara Federal, a proposta visa transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas, quilombolas e a criação de áreas de preservação ambiental. Institui ainda o Marco Temporal, que determina a admissilidade de uma demarcação se o povo que a reivindica comprovar que estava na posse da terra em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A medida é considerada inconstitucional, na medida em que a Carta Magna de 1988 passa a determinar que o direito dos povos indígenas é à terra, portanto originário. Quanto a isso, o relatório cita que o prórpio Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu como inconstitucional a PEC 215.

“As preocupações expressas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio do ministro Luís Roberto Barroso, sobre a constitucionalidade da PEC 215/2000. Em 23 de setembro de 2013, sobre a rejeição de uma pedido de liminar contra a PEC 215/2000, ele afirmou que estes direitos (indígenas) estão incluídos na Constituição precisamente para que a maioria não tenha poder sobre uma minoria”, diz trecho do relatório.

Para os especialistas da ONU, é preciso que o governo brasileiro estabeleça a legalidade e normalidade das leis vigentes. “O Grupo de Trabalho questiona a adequação de tal passo (PEC 215), e sublinha a importância de uma rápida demarcação de terras e de defesa dos direitos dos povos indígenas, conforme previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e na Constituição Federal”, enfatiza o trecho da questão indígena no relatório apresentado.

Tey’i Jusu: o Massacre de Caarapó

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal realizou na última quinta-feira, 16, diligências em terras indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Os parlamentares visitaram a retomada Tey’i Jusu, na Terra Indígena Amambai Peguá I, em Caarapó, e a Reserva Tey’i Kue, localizada também nos limites desta demarcação. Na última terça, 14, um ataque de fazendeiros resultou num massacre em Tey’i Jusu: o indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos, foi morto a tiros e outros seis indígenas, incluindo uma criança, foram encaminhados a hospitais da região vitimados por disparos de arma de fogo. Outros Guarani e Kaiowá acabaram feridos por tiros de bala de borracha.

O tekoha – lugar onde se é – Apykai também esteve na programação de visitas dos parlamentares. A comunidade liderada pela cacique Damiana Guarani e Kaiowá sofre com seguidas ordens de despejo motivadas pelos interesses da Usina São Fernando no território. Além do presidente da Comissão, Padre João (PT/MG), e do 1º vice-presidente Paulo Pimenta (PT/RS), compõem a diligência os deputados federais Vander Loubet (PT/MS) e Zeca do PT (PT/MS). Todos participaram do funeral de Clodiodi. No ano passado, a Comissão esteve por duas vezes no Mato Grosso do Sul em decorrência de ataque sofrido pelos Guarani e Kaiowá de Ñanderú Marangatú, que terminou com a morte de Semião Vilhalva.

Entre os indígenas de Tey’i Jusu hospitalizados em decorrência do Massacre de Caarapó, apenas uma mulher, alvejada no braço, recebeu alta. Os demais seguem internados no Hospital da Vida, em Dourados. Conforme informações da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o quadro clínico destes indígenas ainda é de gravidade. Todos foram submetidos a intervenções cirurgicas porque os tiros atingiram órgãos vitais no tórax, cabeça e barriga dos Guarani e Kaiowá hospitalizados.

A Força Nacional está na região, mas conforme lideranças indígenas entrevistadas em completa inatividade. Outros ataques foram registrados a acampamentos Guarani e Kaiowá no cone sul do estado depois de Tey’i Jusu, mas sem vítimas ou feridos. Os Guarani e Kaiowá seguem denunciando a falta de segurança e consideram que estão sob ataque permanente. “Não é mais um ataque num tekoha ou outro, mas se trata de um ataque permanente contra o nosso povo. Então não vemos um trabalho real dos governantes para resolver essa situação. Deixam a gente aqui para morrer mesmo”, afirma liderança da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá.

Cimi pede fim do genocídio e punição aos assassinos

Após o Massacre de Caarapó, que resultou no assassinato do Kaiowá e agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) protocolou documentos junto à Presidência da República, à Procuradoria-geral da República e ao Ministério da Justiça (MJ) pedindo providências para que os ataques violentos contra comunidades indígenas sejam cessados e os responsáveis sejam identificados e punidos.

Nesta semana, o Cimi também enviou, em conjunto com a Fian Brasil, uma nota à Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli Corpuz, relatando o ataque realizado contra os Guarani e Kaiowá e buscando intermediação da relatora junto aos governos federal e estadual e a inclusão deste acontecimento em seus próximos relatórios sobre a situação dos povos indígenas no Brasil.

Em abril, Victoria esteve no Brasil e visitou comunidades indígenas nos estados do Pará, Bahia e Mato Grosso do Sul. No comunicado divulgado após sua visita, ela condenou os ataques violentos e conclamou o governo a “por um fim a essas violações de direitos humanos, bem como investigar e processar seus mandantes e autores”.

Morosidade e “injustiça com as próprias mãos”

Na nota à relatora especial da ONU, Cimi e Fian Brasil também informam sobre outros ataques e cercos a indígenas em pelo menos outras quatro áreas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Nos tekohas Guaiviry e Pyelito Kue, ocorreram ataques a tiros, sem deixar feridos, na noite da terça-feira em que ocorreu o massacre em Caarapó. Já nos tekohas Potrero Guasu e Kurusu Ambá, na região do município de Coronel Sapucaia, também na região sul do estado, indígenas relataram a presença de pessoas armadas cercando as comunidades indígenas.

Somente no último semestre, conforme informa a nota, já foram contabilizados ao menos 25 ataques contra os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, os quais incluem ataques químicos, com a utilização de agrotóxicos, e atentados a tiro.

No documento protocolado junto ao MJ, à PGR e à Presidência da República, o Cimi denuncia as ações articuladas de ataque contra os povos indígenas por parte de setores do agronegócio, que têm optado pela prática da “injustiça pelas próprias mãos”, a qual vem se intensificando nos últimos anos.

O documento também chama a atenção para o efeito negativo causado pelos discursos de ódio proferidos por parlamentares, como os proferidos pelos deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) em audiências públicas em Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, e no chamado “Leilão da Resistência”, no Mato Grosso do Sul, afirmando que a incitação à violência contra os povos indígenas tem contribuído para a intensificação os ataques armados.

Na avaliação da entidade, a morosidade e a omissão do Estado quanto à demarcação dos territórios tradicionais dos povos indígenas também contribui para o aumento da violência e dos conflitos por terra.

Outras manifestações

Ao pedir providências ao Ministério da Justiça para garantir a investigação do crime a segurança dos indígenas, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que “lamenta o episódio de violência” e espera “que haja efetivas proteção dos povos indígenas e punição dos responsáveis pelos atos criminosos”.

A Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) e a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) também expressaram-se em solidariedade às comunidades e aos familiares das vítimas do ataque ruralista em Caarapó e exigiram a “imediata demarcação de todas as terras Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, além da punição dos autores dos fatos relatados”.

Comments (1)

  1. Acredito que a imprensa local e regional também precisa ser responsabilizada. Muitos veículos publicam matérias que, oportunamente, são utilizadas pelos ruralistas para constar em processos anti-demarcatórios e justificar os abusos cometidos por fazendeiros na região. Muitas dessas publicações têm origem conhecida e agem no sentido de criminalizar os indígenas e ao mesmo tempo formar opinião da sociedade, que igualmente se posiciona de forma aviltante em relação a essas comunidades. é importante que se diga isso e não é a primeira vez que coloco a questão para ser discutida. Espero que também se perceba esse tipo de ação, que corrobora para com as atrocidades cometidas ao longo desses anos todos.

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