Reunidas em Araguaína nos dias 10 e 11 de agosto, as mulheres indígenas dos povos Apinajé, Krahô, Xerente, Kanela do Tocantins, Karajá de Xambioá, junto com representantes das Quilombolas do Quilombo Dona Jucelina, do município de Muricilândia, divulgaram um documento após o encontro em que debateram sobre os ataques e ameaças que vêm sofrendo seus territórios.
As mulheres denunciam as danosas consequências da expansão do agronegócio no estado do Tocantins e exigem, como garantia mínima para a sobrevivência de seus povos e comunidades, a mudança do modelo de desenvolvimento agressivo contra a natureza e os povos e comunidades tradicionais, a reforma agrária e a demarcação e titulação de seus territórios tradicionais.
“Estamos muito preocupadas, pois os nossos territórios estão sendo destruídos e ameaçados pelos projetos de desenvolvimento do Estado do Tocantins”, afirmam as mulheres indígenas e quilombolas. “Nós mulheres estamos sofrendo todos os efeitos negativos do agronegócio. Nossas crianças estão ficando doentes e não estamos sabendo como cuidar delas”.
Leia abaixo, na íntegra, o documento do encontro:
Nós, mulheres, somos mães e cuidamos dos nossos filhos; a terra é nossa mãe, por isso que cuidamos dela
Nós, mulheres indígenas dos povos Apinajé, Krahô, Xerente, Kanela do Tocantins, Karajá de Xambioá, e nós, Maria Bartolomeu e Sara, representantes das Quilombolas do Quilombo Dona Jucelina – município de Muricilândia -, reunidas na Chácara Dona Olinda, em Araguaína, nos dias 10 e 11 de agosto para discutir e debater sobre os ataques e ameaças que vêm sofrendo nossos territórios.
Estamos muito preocupadas, pois os nossos territórios estão sendo destruídos e ameaçados pelos projetos de desenvolvimento do Estado do Tocantins. Os projetos de plantio de soja, cana-de-açúcar, eucalipto e de outras monoculturas, que destroem a natureza e matam as nascentes, diminuem as águas em nossas aldeias, acabam com os nossos peixes, e matam as nossas caças.
Esses projetos matam os passarinhos, os insetos, as borboletas, as abelhas, e tudo isso está acabando. Jogam veneno em nossos rios, em nossas casas, e até o mel tem veneno. O desmatamento seca as nascentes, o brejo está secando, e, com isso, está morrendo o capim dourado, a tiririca e as diversas sementes que usamos para fazer e costurar os artesanatos, que depois vendemos para comprar remédios e outras necessidades. Nós mulheres estamos sofrendo todos os efeitos negativos do agronegócio. Nossas crianças estão ficando doentes e não estamos sabendo como cuidar delas.
Hoje, tem doença que não conhecemos e nem sabemos como curar e cuidar. A floresta não conhece estas doenças, por isso, não sabe curá-las. Hoje o vento não é mais sadio como antigamente; ele está trazendo muita doença, pois está envenenado pelo agrotóxico – jogado nas grandes lavouras de soja e cana-de-açúcar, que estão ao redor de nossos territórios.
O vento, também, tem chegado a nossas aldeias de forma violenta, arrancando o telhado de nossas casas e as árvores. O tempo mudou muito e este ano não estamos entendendo o céu e a terra. Nas aldeias tem havido pouca comida; cuidamos das roças, porém secou e morreu quase tudo o que plantamos, pois as chuvas foram poucas e fora do tempo normal. Antes plantávamos e tudo dava certo; hoje não estamos entendo a natureza: o verão e o inverno não se comunicam mais.
Nós, povos indígenas, respeitamos a terra, a água, os animais; respeitamos toda a natureza. Mas, o MATOBIBA não respeita nada. Vai arrancando as árvores com os correntões puxados por tratores, destruindo tudo, acabando com tudo, deixando a terra nua e sofrendo. Outros países, como o Japão, vêm aqui e destroem a nossa terra, envenenam as nossas águas, matam as nascentes e acabam com a floresta, com os nossos insetos, e roubam as nossas riquezas; só deixam pobreza e sofrimento para nosso povo. Fazem isso porque já destruíram sua terra e acabou com sua água, e agora querem produzir alimentos aqui para matar a fome do seu povo.
Nós, mulheres, não vamos permitir que roubem os filhotes de nossas araras, que matem nossas nascentes, poluindo nossos rios, nem mesmo que joguem agrotóxico em nossos filhos; que derrubem o nosso cerrado, invadindo nossos territórios. Não vamos deixar, não.
Enquanto houver vida, nós, mulheres indígenas e quilombolas, não vamos permitir que acabem com a nossa Mãe Terra. Vamos continuar denunciando todas essas leis que o branco faz para retirar nossos direitos – como a PEC 215, a PEC 237 o PL 1610, e tantas outras leis. Exigimos que o Congresso Nacional acabe, de vez, com todos esses projetos de lei que só querem tomar as nossas terras e acabar com os nossos direitos.
E exigimos a Demarcação de todas as terras indígenas; que seja feita a reforma agrária e regularize-se a terra dos camponeses e quilombolas.
Exigimos que os Deputados do Tocantins acabem com essa lei 2.713/2013, que é inconstitucional, permitindo o desmatamento sem limites do Cerrado ao isentar do licenciamento ambiental os projetos agrossilvipastoris. Exigimos, também, que o STF julgue a ADI 5.312/TO e acabe com essa lei 2.713/13, que é inconstitucional, pois ela está incentivando o desmatamento do Cerrado e acabando com os rios e nascentes que nos dão água para beber.
Fazemos o convite à sociedade brasileira para se unir a nós, mulheres indígenas e quilombolas, na defesa da vida do Cerrado e na proteção dos rios, para garantir a vida de nossos filhos, netos, bisnetos e futuras gerações.
Nós, mulheres indígenas e quilombolas, estamos unidas à dor e sofrimento da família do senhor Luís Jorge de Araújo, membro da comunidade Boqueirão no município de Wanderlândia, que foi morto pela cobiça e ambição do agronegócio. Repudiamos a morte dessa liderança e de todas as lideranças assassinadas que morreram na luta pela terra. Exigimos justiça e proteção da comunidade e que sejam punidos todos os culpados. Não vamos aceitar essas violências! Vamos continuar resistindo na defesa de nossos direitos e territórios.
MATOPIBA É MORTE, QUEREMOS A VIDA E GARANTIA DOS NOSSOS TERRITÓRIOS!