Por Tiago Miotto/Assessoria de comunicação – Cimi
Nos últimos meses, os povos indígenas do Brasil têm travado uma árdua luta para que o governo Temer revogue o parecer antidemarcação da Advocacia-Geral da União (AGU), publicado em julho. Anteontem (6), cerca de 90 indígenas ocuparam o hall da AGU, exigindo a revogação do Parecer 001/2017, que obriga toda a administração pública a aplicar as condicionantes estabelecidas pelo STF para o caso específico da terra indígena Raposa Serra do Sol – o que contraria decisões do próprio STF e restringe o direito ao reconhecimento de suas terras tradicionais.
Uma das principais consequências do parecer, publicado pelo governo Temer após acordo com a bancada ruralista, é impor a toda a administração pública a tese inconstitucional do marco temporal, que restringe os direitos territoriais dos povos indígenas definindo que só podem ser reconhecidas as terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988.
“Esse parecer fere a vida e a humanidade dos povos indígenas. Antes de 1988, nós já estávamos aqui no Brasil. Esse parecer é para defender os interesses dos que são contra os indígenas”, avalia Luís Salvador Kaingang.
Além dos Kaingang, também participaram da ação indígenas do povo Guarani Mbya, igualmente da região Sul, e dos povos Terena, Kadiwéu e Kinikinau, do Mato Grosso do Sul. Realizando uma semana de lutas em Brasília, os indígenas permaneceram na AGU até que fossem recebidos pela Advogada-Geral da União, Grace Mendonça, responsável pela elaboração do parecer antidemarcação.
No meio da tarde, depois de horas de ocupação, a Advogada-Geral da União e responsável pela elaboração do parecer, Grace Mendonça, recebeu uma representação dos indígenas. Eles cobraram a revogação do parecer e entregaram uma petição na qual apresentam elementos jurídicos que demonstram sua inconstitucionalidade.
“Já não se demarca terra no Brasil, e esse parecer vem inviabilizar isso de vez. Nossas áreas tradicionais são terras que vêm antes da Constituição brasileira, antes do próprio Estado brasileiro, e esse parecer vem de encontro aos direitos dos povos indígenas. Por isso, precisamos que ele seja revogado”, afirma Odirlei Kaingang.
Na reunião, feita de forma apressada porque a ministra teria outra agenda em seguida, ela se comprometeu a analisar o documento entregue pelas lideranças, mas sustentou a posição do governo.
“Cada liderança trouxe a realidade de sua região e falou como esse parecer tem impactado diretamente as demarcações de terras indígenas. Ela se comprometeu a dar uma devolutiva, disse que está juntando todas as manifestações que está recebendo e em breve vai nos chamar para uma reunião aberta”, relata Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
“A gente fica muito surpreso, porque a missão constitucional da AGU é defender o patrimônio da União, e as terras indígenas são também bens da União. E a partir desse parecer, estamos vendo que a AGU está abrindo mão de um bem da União e de cumprir com sua função constitucional”.
Mudanças no decreto 1775
As lideranças também questionaram a Advogada-Geral a respeito dos boatos de que o governo Temer prepara uma alteração no Decreto 1775/1996, que regulamenta os procedimentos para demarcação de terras indígenas no Brasil, para adequar o procedimento administrativo de demarcação às exigências do Parecer 001/17 da AGU/Temer. Grace Mendonça respondeu que desconhece tal medida.
No final do ano passado, também em dezembro, a minuta de um decreto que estava sendo elaborado com essa mesma finalidade acabou sendo vazada na imprensa, frustrando os planos do governo Temer.