MPF ouve necessidades de comunidades quilombolas em audiências públicas no Marajó (PA)

Além de clamar por regularização fundiária, população apontou precariedade em educação, saúde e segurança pública

Ministério Público Federal no Pará

“Se essas pessoas acabarem com tudo que a natureza dá, vamos viver do quê?”. Esse foi um dos questionamentos feitos por lideranças quilombolas do arquipélago do Marajó, no norte paraense, durante audiências públicas realizadas nos dias 26 e 27 de setembro, com a participação do Ministério Público Federal (MPF). Os encontros entre poder público e população aconteceram no Quilombo de Rosário, localizado no município de Salvaterra, e no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, em Cachoeira do Arari.

A equipe do MPF fez a viagem ao Marajó por meio do escritório de representação fluvial, montado em embarcação adquirida este ano para auxiliar a atuação do órgão na região. O investimento tem ampliado o alcance da instituição na defesa dos direitos da população, especialmente de comunidades tradicionais e originárias que vivem na Amazônia. O trajeto de Belém, capital paraense, para o arquipélago, que duraria cerca de cinco horas pelo caminho convencional – em carro e balsa – foi concluído em apenas uma hora e meia, graças à agilidade e praticidade da embarcação do MPF.

Em Salvaterra, o principal tema abordado pelas comunidades foi a necessidade de dar celeridade à conclusão da regularização fundiária dos territórios quilombolas do Marajó. Em ambos os dias, representantes de dezessete quilombos pediram que a titulação de terras fosse atividade prioritária para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Pará (Incra) e para o Programa Cidadania Marajó, que é coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), com o apoio de diversos outros ministérios.

Entre as demais queixas diretamente ligadas à regularização fundiária, a população denunciou o avanço de atividades do agronegócio de arrozais, o que, de acordo com lideranças quilombolas, tem gerado invasão de terras, violência e grande prejuízo ao modo tradicional e ancestral de vida desses povos.

O procurador-chefe do MPF no Pará, Felipe de Moura Palha, reforçou a importância de sanar os problemas fundiários, como solução para quebrar a estrutura opressora e racista causadora das inúmeras dificuldades presentes no arquipélago. “Esses são problemas estruturais trazidos pela formação colonial do Marajó, que impede as comunidades de exercerem seus direitos mais básicos. Por isso, as instituições devem primeiramente garantir que as pessoas possam viver conforme suas culturas e em seus territórios tradicionais, ou seja, com dignidade”, disse Felipe Palha. Ele participou das audiências acompanhado do procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Sadi Flores Machado, de equipe de assessores e da coordenadora executiva do Fundo Dema, Simy Corrêa.

Mais desafios – Também foram unânimes as reclamações referentes à precariedade da educação pública local, tanto em estrutura física das escolas, que não suportam a demanda de alunos, quanto em relação ao atendimento da obrigatoriedade constitucional de oferecer educação diferenciada às comunidades tradicionais. No Quilombo de Gurupá, por exemplo, a escola não possui biblioteca e dispõe apenas de duas salas de aula, sendo que há três turmas em cada turno, o que obriga os jovens a estudarem em locais improvisados e inadequados.

A situação dos serviços de saúde foi outra pauta trazida pela população, que informou contar com poucos pontos de atendimento, quase sempre sem médicos, remédios e vacinas suficientes. Isso faz com que os moradores tenham que arcar com altos custos de transporte terrestre e fluvial em busca de atendimento em outros municípios do arquipélago ou em Belém. Tal cobrança se torna ainda mais urgente quando as comunidades denunciam a pulverização de agrotóxicos em diversas áreas da região, que além de contaminar o solo e os rios, vem gerando problemas respiratórios, dores de cabeça e mal-estar na população.

Quilombo de Gurupá – No dia que antecedeu a primeira audiência pública (25), a equipe do MPF já estava no Marajó para se reunir com a comunidade quilombola do Gurupá, que está nas últimas etapas do processo de titulação da terra. O território já possui mapa de georreferenciamento e Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas aguarda a retirada (desintrusão) dos ocupantes não quilombolas. Apesar de sonharem com a regularização fundiária, os quilombolas do Gurupá temem continuar vivendo com insegurança, mesmo após a conclusão da titulação. Eles pedem que medidas de proteção territorial sejam tomadas pelas autoridades, principalmente para garantir a coleta comunitária do açaí.

Os moradores do quilombo têm dificuldade em exercer o modo tradicional de vida da comunidade, já que são obrigados a viver com a presença de invasores instalados dentro do território. Há inclusive relatos de quilombolas que foram proibidos de pescar em rios da proximidade.

Outra reclamação foi a precariedade da rodovia PA 396, que impede a chegada de ambulâncias à comunidade e dificulta o acesso de jovens a escolas que oferecem educação de ensino médio em localidades externas ao quilombo, pois o território não possui o serviço público disponível.

A equipe do MPF deu diversas orientações sobre esses e outros temas aos quilombolas, incluindo cuidados que devem ser tomados em caso de recebimento de propostas relacionadas ao mercado voluntário de carbono. Essa vem se tornando mais uma forma de assédio e abuso aos povos tradicionais e originários na região.

Imagem: Arte: Secom/PGR

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