Avanço dos mosquitos: desmatamento, agrotóxicos e mudanças climáticas

O aquecimento global e as mudanças climáticas criaram condições favoráveis à reprodução dos vetores que transmitem as doenças.

Najar Tubino, Carta Maior

A indústria farmacêutica nunca se interessou por doenças que afetam as populações pobres e vulneráveis do planeta, isso inclui o Brasil. As doenças transmitidas por várias famílias de mosquitos foram descritas desde o século XIX e algumas no século XX, casos dos vírus chicungunha e zika, os dois descobertos na África nas décadas de 1940 e 1950. O caso do aedes aegypti é muito mais antigo – aedes em grego significa odioso, e o Egito foi o lugar onde ele foi descrito pela primeira vez. O mosquito que está em evidência nas manchetes da mídia possuída e que transmite três doenças muito graves: dengue, zika e febre amarela. A Sociedade de Medicina Tropical e a Academia de Ciências no Brasil há muito tempo denunciam as doenças negligenciadas no mundo. O número é sintomático: em mais de 30 anos a indústria farmacêutica produziu apenas 18 medicamentos para combater doença de chagas, dengue, fasciolíase, úlcera de Buruli, hanseníase, malária, filariose linfática, oncocercose, raiva e esquistossomose, uma lista da Organização Mundial de Saúde com 17 doenças.

Entretanto para combater câncer, doenças cardiovasculares e endócrinas foram lançados mais de 1.440 medicamentos no mesmo prazo. Como diz o infectologista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, José Angelo Laulleta Lindoso:

“- Além de ser um preocupante problema de saúde, essas doenças também são um grave problema social, pois contribuem para a perpetuação do ciclo de pobreza, desigualdade e exclusão”.

Ligação direta: desmatamento e aumento dos casos de malária

Para registrar: a dengue atinge 50 milhões de pessoas no mundo e está presente em 100 países; a malária está presente em 110 países e na África é a principal causa da morte de três mil crianças por dia; a leishmaniose (cão é o hospedeiro) atinge 12 milhões de pessoas, que estão infectadas e está presente em 88 países. A Organização Mundial de Saúde considera que mais de 50% da população mundial, portanto, mais de 3,5 bilhões de pessoas estão em risco com as doenças transmitidas por mosquitos.

Nunca esqueça: são 3,5 mil espécies de mosquitos no planeta. O aquecimento global e as mudanças climáticas criaram condições favoráveis à reprodução dos vetores que transmitem as doenças mais conhecidas, como dengue, zika, malária e vários tipos de febre ainda pouco conhecidas, como Mayaro, Oropouche, do Nilo Ocidental, ou a encefalite de Saint Louis e a síndrome de Guilain-Barré.

Um estudo do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) realizado no ano passado pelos pesquisadores Nilo Saccaro, Lucas Mation e Patrícia Sakowiski intitulado “A ameaça do desmatamento” cruzando dados de 773 municípios da Amazônia Legal constatou:

“-Para cada 1% de floresta derrubada por ano na Amazônia há um aumento na incidência de casos de malária de 23% e de 8 a 9% de casos de leishmaniose. A pesquisa cruzou os dados oficiais no período de 2002-2012. E compararam várias doenças, tais como dengue, doença de chagas, febre tifoide, esquistossomose e leptospirose”.

Mapa dos viajantes de áreas de risco

A equipe do infectologista Kamran Khan, da Universidade de Toronto, no Canadá, investiga a disseminação de doenças por viajantes e a capacidade de expansão do aedes aegypti e da transmissão da dengue e do vírus zika. Eles mapearam o número de pessoas que estiveram no Brasil no período de setembro de 2014 a agosto de 2015 nas áreas onde as doenças estavam sendo transmitidas. Concluíram que 10 milhões de pessoas viajaram ao exterior posteriormente, sendo 65% para a América do Sul e do Norte, 27% foram para a Europa e 5% a Ásia.

Os Estados Unidos receberam 2,8 milhões desses viajantes, a Argentina 1,3 milhão e o Chile 614 mil. Os países europeus como França, Itália e Portugal receberam cerca de 400 mil visitantes cada. Os pesquisadores da Universidade de Toronto também registram o risco de contrair essas doenças no México, na Colômbia e nos Estados Unidos em uma população de 23 a 30 milhões de pessoas.

Outro especialista em patógenos da Universidade da Flórida – que em 2013 registrou surto de dengue – prevê um aumento das infecções no nordeste dos Estados Unidos, na América Latina, Sul da Europa e leste da Ásia. Amy Vittor, professor do Instituto de Patógenos Emergentes, da Universidade da Flórida disse:

“- Poderíamos dizer que o aquecimento global criou áreas férteis para que a doença – a zika, nesse caso, se estabeleça. E haverá um aumento dessas infecções nas regiões citadas. Além disso, a invasão do Aedes Aegypti tem sido muitíssimo impressionante ao redor do mundo”.

Disseminação do Aedes – pneus e navios

A Organização Mundial de Saúde atribuiu ao intenso mercado de pneus usados, que varreu o mundo nas últimas décadas, a disseminação do mosquito aedes. Embora, no Brasil, o mosquito tenha chegado pelos navios que traziam os escravos africanos. O aquecimento global intensificou todos os fatores que multiplicaram os vetores: intensa urbanização, saneamento básico negligente, destruição da fauna e flora e os bolsões de pobreza que dominam as periferias das metrópoles. A bióloga Mariana Matera Veras, pesquisadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental, da Faculdade de Medicina da USP, disse em uma entrevista ao site Setor3, do SENAC-SP:

“- Antigamente as cidades eram locais mais frios, hoje as temperaturas se elevaram e temos mais pessoas vivendo neste ambiente. Somado a temperaturas elevadas temos períodos de cheias intensas e longas secas. E também não temos saneamento adequado. O mundo está esquentando e hoje podemos ir de um lado ao outro em poucas horas facilitando a disseminação de diferentes tipos de doenças, como foi o caso da zika.”

A receita de sempre: venenos e transgênicos

No Brasil, há mais de 30 anos, a política de combate aos mosquitos vetores de doenças se baseia na aplicação de venenos. Até recentemente usaram o Malation, composto organofosforado, considerado cancerígeno pela OMS. Recentemente começaram a aplicar o larvicida Piriprofixeno nas caixas de água da população da periferia das metrópoles nordestinas, principalmente de Recife, onde foi registrado o maior número de casos de zika e de microcefalia suspeitos. Outro agrotóxico usado, Temefós, organofosforado, não funcionava mais, porque os mosquitos se tornaram resistentes.  São Lourenço da Mata, sede da Arena da Copa 2014 contabilizou mais de 600 casos suspeitos – IDH 0,614, conforme a Nota Técnica da Associação de Saúde Coletiva (ABRASCO). Para tornar a questão ainda mais insalubre resolveram apostar na distribuição do que qualificam de mosquito transgênico, produzido pela Oxitec, empresa que nasceu dentro da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e tem como um dos financiadores a Fundação Bill Gates. Ele é menor, mais fraco, come tetraciclina – antibiótico – na ração e semeia a esterilidade nas fêmeas silvestres.

O alarde da transmissão da zika, os mosquitos transgênicos e as políticas do Ministério da Saúde serão o assunto do próximo texto.  

Imagem: Mosquito aedes aegypti, vetor de doenças como dengue, febre amarela, chikungunya e zika virus (James Gathany) 

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