Desastre em Mariana teria sido evitado com investimento de R$ 5 milhões. Mas a Samarco achou ‘caro demais’

De Ana Beatriz Rosa, HuffPost Brasil

35 milhões de m³ de lama. Pelo menos 19 vítimas. Mais de 40 cidades de Minas Gerais e no Espírito Santo foram atingidas. Centenas de casas destruídas. Incontáveis vidas atravessadas pelo desespero e destruição. Esses são alguns dos números da tragédia ambiental em Mariana – o maior desastre brasileiro. As reais consequências e as marcas do ocorrido, contudo, são imensuráveis.

Mas poderia ter sido evitado. Estamos em 2016, o homem foi à Lua, e o Brasil ainda não se compromete veemente com a prevenção de riscos ambientais.

Não nos preocupamos com os desastres e, por isso, nunca estamos preparados para lidar com eles.

No caso da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a BHP, porém, a empresa havia sido notificada do que fazer – e muito tempo antes de a lama tomar conta da comunidade de Bento Rodrigues.

Em entrevista ao site de notícias plus55, Randal Fonseca, proprietário da Rescue Training International (RTI) Consulting, afirmou que o plano de emergência para monitorar a barragem de Fundão foi recusado pela empresa mineira em 2009, porque era “caro demais”.

“A barragem é uma construção que está sempre em risco – basta entender que ela comporta fluidos que vão tentar ‘escapar’ constantemente. É por isso que é necessário estar preparado para o pior em todos os momentos”, argumenta Fonseca.

Em entrevista ao G1, o consultor explicou que a estratégia elaborada pela RTI contava com: a implementação de um sistema completo, seguindo os modelos internacionais e que previa a formação de um comitê técnico de profissionais de geotécnica que se reuniria mensalmente para avaliar a situação das barragens; inspeções diárias das estruturas por técnicos; acompanhamento computacional constante para apontar a necessidade de construir ou reformar diques, muros, piscinas de contenção e paredes de desvios; análise das características dos moradores que viviam próximos das barragens; simulações com a população para treiná-la em caso de acidentes; além da instalação de sistema de alarme para alertar a população sobre o risco iminente de rompimento de alguma barragem.

A cúpula da Samarco, contudo, recusou o plano de emergência por dois motivos principais, de acordo com Fonseca: iria ser necessário o investimento de U$ 1,5 milhões (cerca de R$ 5 milhões) e o plano era muito mais complexo do que era exigido pela legislação brasileira. “Uma pessoa entrou em contato conosco; outra disse que o nosso plano era ótimo; e um terceiro disse ‘não’, alegando que custava muito dinheiro. Mas quanto é ‘muito dinheiro’? Qual o prejuízo da represa desmoronada? Essa é uma mentalidade idiota.”

E ele estava certo. A Samarco foi indiciada pelo Ministério Público de Minas Gerais a pagar R$ 1 bilhão como caução socioambiental por danos do desastre. Além disso, foi multada pelo IBAMA em R$ 250 milhões e teve R$ 300 milhões bloqueados pela Justiça.

Negligência atrás de negligência

A barragem de Fundão foi inaugurada em 2007 e, desde então, a Samarco adotou diversos planos de emergência. Porém, nenhum deles foi eficaz. Durante uma auditoria na empresa, Fonseca disse ter participado de um treinamento “digno de risadas”: pessoas foram posicionadas ao longo da estrutura da barragem para exercícios sobre segurança e, caso a estrutura tivesse colapsado ali, elas teriam morrido instantaneamente.

Não diferente, em 2009 a mineradora recusou o plano emergencial e optou por um mais simples que consistia em apenas notificar as autoridades caso ocorresse o colapso da barragem. Pode parecer chocante, mas isso é o que exige a legislação brasileira.

Logo, a empresa poderia ser considerada dentro das normas do País. Por isso, a Samarco não pode ser a única a ser responsabilizada. As autoridades brasileiras não se importam em reforçar a legislação deficiente e também devem ser enquadradas.

De acordo com a plus55, a legislação que regula barragens como as de Mariana pode ser considerada um “labirinto de leis, resoluções e decretos de várias instituições diferentes.”

E cada tipo de exploração por parte das mineradora tem suas especificidades. Segundo o artigo do JusBrasil, o Código de Mineração interpreta a fase de exploração da seguinte forma:

“Para que a empresa mineradora explore a jazida é preciso que sejam feitos estudos no local e é necessário também a autorização do poder público. O controle do Poder Público para a exploração mineral realiza-se por três tipos de procedimentos: Autorização de Pesquisa, Concessão da Lavra e Permissão de Lavra Garimpeira. Cabe ao minerador realizar Estudo de Impacto Ambiental e elaborar planos emergenciais. (…) No que diz respeito a atividade minerária este estudo tem peculiaridades próprias a serem observadas. O CONAMA (que regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental da Política Nacional do Meio Ambiente) estabelece que o ‘empreendedor deverá requerer ao órgão ambiental competente a licença de operação para pesquisa mineral, apresentando o plano de pesquisa mineral, com a avaliação do impacto ambiental e as medidas mitigadoras a serem adotadas’.”

Para o proprietário da RTI, contudo, o monitoramento segundo a segundo das estruturas das barragens, utilizando o sistema de telemetria, é o mais efetivo e o único que poderia evitar desastres como o de Mariana.

Outras medidas, bem mais simples, poderiam ter sido adotadas também, como ter um banco de dados atualizado com números de telefone de todos os moradores de Bento Rodrigues e incluir a comunidade nos treinamentos de emergência.

Imagem: Reprodução do vídeo Tijolos de Mariana.

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