O fracasso do compromisso ambiental no Brasil é resultado do sequestro da agenda pública

Reféns das pautas imediatas, as que pagam as contas, não restou outro figurino aos governantes de ocasião, se não passar vergonha no exterior

Por Matheus Pichonelli, Carta Capital

Em sua melancólica viagem internacional, na semana passada, Michel Temer tomou uma reprimenda das autoridades norueguesas, maiores financiadoras do Fundo Amazônia, em um momento crucial da denúncia elaborada contra o presidente pela Procuradoria-Geral da República.

Por ironia do destino, A viagem ocorreu em meio à expectativa do oferecimento da denúncia elaborada contra o presidente pela Procuradoria-Geral da República e, por ironia do destino, a acusação é baseada em uma conversa gravada com o dono de um frigorífico envolvido até as patas em episódios de desrespeito ao meio ambiente, associação ao trabalho escravo e perseguição a quem denuncia essa aliança.

Mais: enquanto demonstrava seu conhecimento sobre a monarquia dos países escandinavos, Temer acompanhava de longe a derrota de seu projeto de reforma política na Comissão de Assuntos Sociais do Senado.

Um dos “traidores” foi o senador Hélio José (PMDB-DF). Como retaliação, o governo demitiu alguns indicados pelo aliado infiel, entre eles a superintendente do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, no Distrito Federal.

A ironia não é resultado apenas de uma brincadeira do destino, sobretudo em uma questão tão delicada como a do meio ambiente. A fratura exposta do sistema partidário brasileiro, alargada nos últimos anos pelo avanço da Lava Jato, deixou em evidência o sequestro da agenda pública em detrimento dos interesses dos financiadores da atividade política.

A JBS, peça-chave para entender esse sistema ao lado de outros gigantes como a construtora Odebrecht, financiou 1.829 candidatos de 28 partidos. Todos comiam nas mãos de seus proprietários, inclusive o presidente da República, como ficou demonstrado na gravação de Joesley Batista, dono do grupo.

O governo que demonstrava disposição em atender aos pleitos dos grandes empresários em um governo devidamente loteado não tem sido marcado pela generosidade em outras áreas, sobretudo as preservadas. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, sofreu corte de 51% sob Temer no momento em que o desmatamento já registrava alta de 29% na Amazônia em 2016.

Recentemente, Temer, após pressão de ambientalistas, vetou uma Medida Provisória que alterava os limites e reduzia o nível de proteção da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. O texto, porém, será reenviado ao Congresso, onde o lobby antiambiental tende a prevalecer.

A super-representação dos empresários na Câmara e no Senado é motivo de preocupação também entre as comunidades indígenas. Atualmente, há uma Proposta de Emenda à Constituição em análise na Câmara, a PEC 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a responsabilidade sobre a demarcação de terras indígenas – o projeto é alvo de frequentes protestos.

“Existe um ambiente político no Congresso contrário à conservação ambiental e à proteção dos direitos dos povos indígenas. Existem muitas ameaças no Congresso, de diferentes projetos de lei”, afirma o superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) Virgilio Viana.

Segundo ele, a diminuição do financiamento para o Fundo Amazônia anunciado pelo governo norueguês amplia a necessidade de debater os recentes posicionamentos do Congresso sobre a agenda ambiental.

“Diante da crise política, o governo está muito vulnerável à pressão da bancada ruralista. Trata-se de um jogo de pressões complexo. O Congresso Nacional tem se posicionado de forma contrária ao posicionamento da sociedade brasileira, que prefere a conservação e não a destruição da Amazônia. Essa baixa representatividade do Congresso é um problema sério, que tem que ser objeto de uma reforma política”, completa.

De fato, a dificuldade de avançar nessa pauta tem um gargalo dentro da própria estrutura política. Em um país onde partidos se proliferam dentro da própria burocracia do Estado, o apoio a projetos supostamente estruturantes é negociado a partir de duas moedas correntes: voto no Congresso e espaço na administração.

Isso explica, por exemplo, como legendas declaradas nem de centro nem de esquerda nem de direita nem muito pelo contrário pulam de um governo ao outro sem precisar deixar as salas dos ministérios.

Os números relativos ao desmate e à desproteção das terras indígenas não entram apenas na conta da atual gestão. São resultado do afrouxamento, já no governo enfraquecido de Dilma Rousseff, dos esforços em torno das grandes questões públicas em troca da sobrevivência em um Congresso dominado por agendas particulares.

Em tempos de crise, o capital político é um recurso limitado. Em seus últimos dias, Dilma ensaiou um cavalo de pau na política econômica e viu sua popularidade derreter. Com menos força, o preço do apoio a ela foi inflacionado por novos e antigos aliados até explodir.

Em seus últimos dias de agonia, nomeou para o Ministério da Saúde uma autoridade que atribuía o avanço de pernilongos transmissores de doenças ao encurtamento da vestimenta feminina.

Dilma morreria abraçada, quem diria, com uma improvável apoiadora até a última hora: a senadora Katia Abreu (PMDB-TO), ideóloga da chamada “cruzada ruralista”.

Michel Temer, em seu lugar, assumiu a agenda derrotada pelas urnas e colocou para rodar um trator governista de homens com cabelo acaju abastecidos com os mesmos recursos da antecessora e os antecessores da antecessora.

A trajetória de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), maior aliado de Temer para pavimentar o caminho até o Planalto, é educativa sobre como se forma no Brasil uma bancada para chamar de sua.

No auge de seu reinado, dizia-se que o peemedebista controlava 120 deputados fiéis, todos muito gratos pelos esforços do ex-presidente da Câmara, hoje detido, para angariar recursos com a iniciativa privada. Na vida real, ninguém vira aliado fiel em troca de sorrisos.

Sem um motor importante do trator, com menos de 7% de aprovação popular, conforme o último Datafolha, e prestes a ser denunciado, restou a Temer, como restaria a qualquer governante enfraquecido, aceitar apoio de onde vinha, mas em condições definidas pelo outro lado do balcão.

A quantidade de projetos abraçados pelo governo, parte deles definidos sob medida por grupos de interesses cada vez mais particulares, é consequência direta dessa corrida de tiro curto e aos solavancos.

Em troca de apoio, terceiriza-se a gestão, pulverizada por uma agenda pautada por quem tem as condições para negociar.

Resultado da proliferação e consequente enfraquecimento dos partidos, essas forças se organizam no Congresso em bancadas de interesses privados (da bala, do boi, da bíblia). Quem não vem desses setores é financiado por eles.

O desprestígio de Temer observado em sua turnê pela Europa é sintomático do sequestro desta agenda.

Trator por trator, não é outra a imagem do processo de desenvolvimento econômico desde a colonização, no qual as riquezas são exploradas até a última gota às custas da destruição.

Essa sanha inviabiliza qualquer projeto alternativo de ocupação, geração de riquezas, redução das emissões de carbono e redução do aquecimento global, questões fundamentais para se pensar no desenvolvimento sustentável, inclusive da produção agrícola, a médio e longo prazo.

Reféns das pautas imediatas, as que pagam as contas, campanhas, advogados e a autopreservação, não restou outro figurino aos governantes de ocasião, destituídos de qualquer projeto de longo prazo, se não passar vergonha no exterior.

Imagem: Beto Barata/PR/Fotos Publicas.

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