Projeto Minas-Rio: Tensão na área do mineroduto

Projeto Minas-Rio é pano de fundo dos conflitos na cidade, onde cinco pessoas estão sob proteção

Por Ana Paula Pedrosa e Queila Ariadne, O Tempo

Vanessa Rosa dos Santos, 33, recebeu um bilhete dizendo que seria a próxima (vítima). O marido dela, Reginaldo Rosa dos Santos, 37, não consegue emprego desde que se envolveu na luta contra a Anglo American, que instalou em Conceição do Mato Dentro o complexo Minas-Rio, que inclui uma mina de minério de ferro no município da região Central do Estado, um porto, em São João da Barra (RJ), e um mineroduto ligando as duas extremidades. Elias Souza, 39, foi agredido na rua, na frente dos filhos pequenos. Lúcio Pimenta, 51, foi expulso de sua propriedade e enfrenta cerca de 15 processos judiciais. Lúcio Guerra Júnior, 51, recebeu a ligação de uma funerária oferecendo serviços. Juntos, os cinco moradores de Conceição do Mato Dentro são quase metade das 11 pessoas sob proteção no Estado por conflitos ligados à mineração.

O promotor de Justiça Marcelo Mata Machado explica que os cinco foram incluídos no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos a pedido do Ministério Público Estadual (MPMG) da comarca de Conceição. “Foram instaurados dois procedimentos investigatórios criminais na Promotoria de Justiça de Conceição do Mato Dentro, que estão em fase de instrução e coleta de provas”, afirma Machado.

Desde 2007 moradores confrontam a mineradora. Agora, a empresa pretende ampliar a capacidade da mina na fase chamada “step 3”. A gota d’água do conflito foi quando os cinco conseguiram, na Justiça, cancelar audiência pública marcada para 11 de abril deste ano. O cancelamento adiou o processo de licenciamento do step 3.

Foi o suficiente para rachar a cidade entre os contra e os a favor do empreendimento. “Depois que a audiência foi cancelada, jogaram um bilhete debaixo da nossa porta dizendo o seguinte: ‘Já sabemos. Foi você. Próxima. Pela Anglo sempre. Sim ao Step 3’. Também veio motoqueiro na nossa porta ficar buzinando”, conta Vanessa.

“As pessoas viram a cara para a gente, ninguém dá emprego”, relata Reginaldo, que trabalhava em uma terceirizada da mineradora. Ele conta que o casal morava no distrito de Cabeceira do Turco, de onde foi retirado por impactos do projeto da Anglo – a casa deles tremia com a passagem do minério pelo mineroduto. Desde então, a empresa paga aluguel social para eles, na sede do município. “Nos tiraram de onde tínhamos nosso sustento e nos colocaram na cidade, onde temos que comprar tudo”, conta.

Abalado por ameaças de quem defende a mineração, Elias Souza vive à base de remédios – Foto: Douglas Magno

Retirado de casa

Depois de ser agredido com um murro no meio da rua, na frente dos dois filhos pequenos, Elias Souza precisou deixar sua casa com a família. Sob o programa de proteção, eles moraram em outra cidade por quase dois meses, tempo em que a filha mais velha, de 11 anos, ficou sem frequentar escola.

Cansado de se esconder, Elias Souza voltou para Cabeceira do Turco, mas vive com medo. A mulher dele, Raquel Rosa de Matos, 35, não consegue dormir. “A gente fica escutando barulho de carro rondando nossa porta. Quando minha filha sai para ir à aula, meu coração aperta”, conta. “As ameaças chegam das pessoas que gostam da mineração. Eu não as culpo, só que não concordo”, afirma Elias Souza, que chegou a ficar internado em hospitais em Belo Horizonte e vive hoje à base de medicamentos para depressão.

Por meio de nota, a Anglo destaca que “a empresa não tolera ou permite que qualquer tipo de violação ou ameaça seja feita por seus funcionários ou parceiros”. A mineradora informa ainda que é signatária do Pacto Global das Nações Unidas (ONU) desde 2004 e apoia a implementação dos princípios voluntários de segurança e diretos humanos, bem como os princípios orientadores da ONU sobre empresas e direitos humanos.

Ciclo de ameaças

“O ciclo de ameaças se intensificou. Não sei quem me ameaça, mas o pano de fundo é a empresa.” Lúcio Guerra Júnior, 51 – Morador da cidade

Refúgio no mato

“Às vezes, quando vejo movimento estranho na estrada, entro para dentro do mato para dormir.” Lúcio Pimenta, 51
Lavrador

Comitê criado para dialogar com moradores barra quem é contra

No começo deste ano, a Anglo American criou um comitê de convivência para dialogar com a comunidade e esclarecer dúvidas sobre os projetos. Participam representantes da mineradora e dos moradores de Turco, Cabeceira do Turco, Sapo e Beco. Entretanto, lideranças contrárias à forma como a mineradora vem conduzindo as conversas reclamam que não podem participar. “No começo, convidamos todos, mas não quiseram. Agora, eu mesma não deixo eles entrarem, porque senão vão ‘melar’ nossas negociações. Tudo indica que a Anglo vai comprar as terras de quem quiser vender. Eu mesma já vendi (antes) e posso dizer que a empresa não lesa ninguém. Ela paga direitinho”, afirma a coordenadora do comitê, Sandra Celestina Stemler.

Ela destaca que a Anglo deu opção: “Quem quiser sair sai. Quem quiser ficar fica, com garantia de qualidade de vida. Mas 99% querem sair. A empresa está disposta a colaborar”, diz.

Desinformação

Para o procurador do Ministério Público Federal Hélder Magno, essa é uma das principais violações de direitos humanos cometidas contra a comunidade.

Investigação 

Há inquéritos civis para investigar os supostos crimes nos processos de licenciamento ambiental envolvendo a Anglo.

Cobrança

O MPF solicitou da Anglo, dos órgãos ambientais e dos jornais locais esclarecimentos sobre a falta de transparência na divulgação da audiência pública que aconteceria em 11 de abril.

Sindiextra desconhece conflitos no Estado

Representante das mineradoras no Estado, o Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra) desconhecia que os conflitos envolvendo as empresas e as comunidades onde elas atuam levaram à inclusão de 11 pessoas em programas oficiais de proteção. Informado pela reportagem, o diretor administrativo da entidade, Cristiano Parreiras, disse que “apoia as ações do Ministério Público e está aberto a ser a interface para buscar soluções para os conflitos”.

De acordo com ele, a maior parte das situações ocorre porque a população desconhece as características da atividade mineradora. Ele garante que as empresas desenvolvem constantes ações para “esclarecer a população em geral, em linguagem acessível, sobre os impactos e os benefícios da atividade”.

“Todas as mineradoras têm processos muito abertos de comunicação, até por conta das exigências legais”, diz. Ele completa que esses processos estão em constante evolução.

Imagem destacada: Com medo, Vanessa e Reginaldo tiveram que deixar a casa na roça – FOTO: DOUGLAS MAGNO

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